O Sinal (La Señal, Argentina/Espanha, 2007)
Dir: Ricardo Darín e Martin Hodara

O Sinal deveria ter sido dirigido por Eduardo Mignogna, mas o diretor morreu repentinamente ainda na pré-produção do filme. Então, o ator Ricardo Darín (um dos grandes astros do cinema argentino, e um ótimo profissional) resolveu assumir a direção juntamente com Martin Hodara, além da já acertada atuação no papel principal. Ele vive Corvalán e junto com o amigo Santana (Diego Peretti) trabalha como detetive particular. Eles recebem da misteriosa e sensual Glória (Julieta Díaz) o trabalho de vigiar o marido dela em seus negócios escusos. Por mais que Santana insista para que Corvalán não aceite o trabalho, eles precisam se arriscar em algo maior e mais lucrativo que investigar casinhos de adultério. Estamos no ano de 1952 quando a primeira dama Eva Perón agoniza no leito de morte (o que confere morbidez à narrativa) e cercados por uma atmosfera
noir que dá o tom sombrio ao filme, ajudado por um trabalho de fotografia excepcional. O filme é eficientíssimo em criar tensão (sabendo muito bem explorar os silêncios e o som-ambiente), funciona muito bem como thriller policial, o texto é inteligente, ágil e desenvolve seus personagens com bastante riqueza, calcado nas relações de Corvalán. Daí surge a forte amizade com Santana, o desalento de seu pai que queria um futuro melhor para o filho, os problemas com sua noiva que parece estar o traindo e, principalmente, o fascínio por Glória, mulher mais que fatal. As reviravoltas do final guardam boas surpresas, mas não deixa de ser melancólico. É por conta de filmes assim que o charme do cinema
noir ainda se mantém vivo.
Na Mira do Chefe (In Bruges, Inglaterra/Bélgica, 2008)
Dir: Martin McDonagh


Essa produção inglesa talvez tenha sido uma das grandes surpresas do ano passado, num filme originalíssimo. Curiosamente a história é vendida como comédia, mas apesar de alguns momentos hilários, o filme se aproxima mais do drama, algo que vai se tornando evidente aos poucos. O filme começa com a chegada dos assassinos profissionais Ray (Colin Farrell) e Ken (Brendan Gleeson) na Bélgica, fugidos depois de cometerem um homicídio a mando de sue chefe (Ralph Fiennes). Enquanto Ray entra em crise por ter matado um inocente (revelado num
flashback incrível), Ken recebe secretamente a missão de matar o parceiro. A partir daí, a história ganha ótimas reviravoltas, todas plausíveis, e também certa densidade, sempre acompanhadas por excelentes diálogos. Exemplo. Ken pergunta para um anão num pub: “Você é americano?”, “Sim, mas não use isso contra mim”, é a resposta. O roteiro, escrito pelo próprio diretor, o novato Martin McDonagh, é o grande mérito do filme (cuja indicação ao Oscar de Roteiro Original surpreendeu muita gente). Só escorrega no final quando força algumas coincidências e situações, mas nada que comprometa o desfecho da história. Depois disso, a atuação do trio de atores é ótima, com destaque para um Colin Farrell que só vem melhorando desde a guinada com
O Sonho de Cassandra, e uma pequena participação de Jérémie Renier, ator fetiche dos irmãos Dardenne. O fato de se tratar do longa de estréia de Martin McDonagh nos faz pensar em não perder o diretor-roteirista de vista.
Trovão Tropical (Tropic Thunder, EUA, 2008)
Dir: Ben Stiller

Trovão Tropical não é uma sátira somente aos filmes de guerra, mas também à maquina hollywoodiana de fazer
blockbusters envolvendo egos inflamados de produtores, diretores, roteiristas e atores. A história gira em torno da produção do filme Trovão Tropical, rodado no Vietnã, mas que enfrenta problemas pois o diretor (Steve Coogan) não consegue controlar as esquisitices de seus atores principais: Tugg Speedman (Ben Stiller) é o astro decaído que não consegue emplacar um bom trabalho; o egocêntrico Kirk Lazarus (Robert Downey Jr.) se identificou tanto com seu personagem, um sargento negro, que escureceu a cor da pele e vive numa crise de identidade; e o tresloucado Jeff Portnoy (Jack Black) é o astro viciado em cocaína que não pensa em outra coisa. Mais uma gama de outros personagens excêntricos povoa uma história que possui um senso de humor aguçadíssimo, por muitas vezes negro. Mesmo as paródias a filmes de guerra como
Platoon e
Apocalipse Now soam plausíveis e engraçadas. Em alguns momentos o texto apela para piadas mais abobalhadas (o personagem de Jack Black é o que mais sofre com isso). A paródia funciona até o fim, mantendo a unidade que reforça tanto o filme. É Hollywood rindo de si mesma.
Meu Irmão é Filho Único (Mio Fratello è Figlio Único, Itália, 2007)
Dir: Danielle Luchetti


O cinema italiano nunca deixou de ser político e vai carregar essa característica (quase um estigma) por muito tempo. Mesmo quando o filme não chega a ser uma história brilhante, há aqueles que encantam pela predisposição de tratar de temas assim, como esse
Meu Irmão é Filho Único. Os irmãos Manrico (Riccardo Scarmaccio) e Accio (Elio Germano) brigam desde crianças, sendo Accio o garoto problema da família que desiste do seminário e foge de casa; ainda muito jovem, ele se alia ao partido fascista, em oposição ao viés comunista seguido por seu irmão e também por toda a família, talvez mais como uma forma de rebeldia. As coisas vão se complicar quando, mais velho, Accio se apaixonar por Francesca (Angela Finocchiaro), a namoradinha de seu querido irmão, agora um operário engajado na causa socialista. A câmera na mão justifica o constante clima conflituoso entre os dois, embora essa relação encontre altos e baixos; por mais que se estapeiem, no fundo, eles se adoram. No entanto, chega um momento em que o longa se torna repetitivo nesse sentido, os irmãos brigam feio, se envolvem com situações sérias (como sabotagens e emboscadas), mas logo depois estão juntos, a despeito de suas opiniões opostas. Porém, é justo dessa dualidade que surge a melhor cena do filme, quando uma briga corpo a corpo se transforma num abraço. Mesmo com final fatalista, talvez essa seja a essência do filme: o confronto fraterno que, na realidade, é afeto.
As Chaves de Casa (Le Chiavi di Casa, Itália/França/Alemanha, 2004)
Dir: Gianni Amelio


Mas não só de histórias políticas vive o cinema italiano. O drama sutil também faz parte de muitas produções feitas no país, como é o caso do simples, mas tocante
As Chaves de Casa. Gianni (Kim Rossi Stuart, diretor e ator do ótimo
Estamos Bem Mesmo Sem Você) é o pai de um garoto que possui deficiência física e mental; num corpo atrofiado de 15 anos, Paolo (Andrea Rossi) não tem capacidade psicológica de discernir ao certo as coisas. Gianni acompanhará o garoto em um tratamento de rotina num hospital na Alemanha. Acontece que desde o nascimento de Paolo, eles não se vêm pois Gianni o abandonou, depois da morte da mãe durante o parto. O estranhamento do pai pela situação se apresenta pelas imediatas dificuldades em controlar os impulsos impensados do menino. Nesse percurso, ele irá conhecer Nicole (Charlotte Rampling), mãe de uma garota também deficiente mental, representante viva daqueles que dedicam sua vida a cuidar de uma criança especial, em detrimento de sua própria. O filme em nenhum momento procura arrancar emoção, nem com musiquinha melodiosa, nem diálogos chorosos. Mesmo assim o texto é forte, bastante direto e muito sincero. É com essa simplicidade que o longa alcança o espectador em nossa vulnerabilidade diante do drama de Gianni. Por mais que ele passe a sentir o amor de poder cuidar do filho, isso não é tarefa fácil. É uma forma de se auto-consumir, de perder a liberdade em prol do cuidado ao outro, tarefa pela qual ele ainda possa não estar preparado. Mas quem estaria? O final em aberto do filme parece fazer justamente essa pergunta.