A Bela da Tarde (La Belle de Jour, França, 1967)
Dir: Luis Buñuel


Luis Buñuel adorava espinafrar a classe burguesa, esse era um deus principais temas e preocupações. Em
A Bela da Tarde ele utiliza o tema da perversão sexual, de uma mulher casada, para esse intento, tentativa bem-sucedida de bater de frente com o conservadorismo de uma classe alta tão cheia de “princípios” em plenos anos 60. Embora esteja longe de ser um dos meus favoritos do diretor,
A Bela da Tarde vale muito por mexer, de forma sóbria e ao mesmo tempo complexa (porque aborda a psicologia e a sexualidade humanas), com aquele estilo direto do diretor.
Catherine Deneuve, poucos anos depois de interpretar a frígida protagonista de
Repulsa ao Sexo, do Polanski, personifica essa mulher que, um tanto infeliz no casamento, procura satisfazer seus desejos indo trabalhar num bordel de luxo; mas ela só pode à tarde, ninguém deve suspeitar disso. Buñuel, nunca escandaloso, não possui intenção nenhuma de chocar para chamar atenção para o filme. Sua veia surrealista surge nas divagações sexuais da protagonista, e ainda prega peças no espectador pois muitas vezes não conseguimos distinguir se aquilo acontece no plano psicológico ou não. Mais um belo jogo proporcionado pela mente humana e pelo mestre espanhol.
Sempre Bela (Belle Toujours, França/Portugal, 2006)
Dir: Manoel de Oliveira


Quanta elegância, Sr. de Oliveira. A idade avançada do realizador perece ser o principal fator para tamanho talento e segurança na condução de um filme. Ao mesmo tempo, é tarefa arriscadíssima assumir a continuação de um clássico absoluto do cultuado cineasta Luis Buñuel em sua fase francesa surreal. Oliveira, espertíssimo, soube resgatar a história da mulher casada que passava as tardes num bordel para satisfazer seus desejos. Mas agora o foco do filme não é mais a mulher, ou pelo menos não é a protagonista, lugar esse ocupado por Henri Husson (Michel Piccoli, reprisando seu papel no filme anterior), que reencontra Séverine (agora vivida por Bulle Ogier) depois de muito tempo.
Longe de copiar a escrita direta e pontuada de surrealidade de Buñuel, Oliveira faz jus a seu próprio estilo de filmar: nada transcorre apressadamente, os planos são longos e fixos, o texto é conciso, tudo é econômico. É também um filme sobre uma busca pois Henri, ao ver Séverine num teatro, perde-a de vista e passa a rondar Paris à busca da mulher de seu amigo que, outrora, sob indicação sua, foi trabalhar no bordel. Portanto, conhece o segredo daquela mulher. Nesse caminho, o personagem mantém diálogos interessantes com outras pessoas num bar, como o barman e duas velhas prostitutas; falam sobre amor, tempo, juventude, assuntos que poderiam soar ocasionais se não dissessem tanto sobre os personagens. A direção de arte também faz um belo trabalho, em especial na sequência final do jantar, em que, aí sim, Oliveira evoca Buñuel na dúvida que permanece.
Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, EUA, 2010)
Dir: Tim Burton


Esse filme de Tim Burton soa estranhamente como uma continuação de algum filme anterior que pouca gente parece ter visto. Esse “filme” anterior parece ser o próprio livro homônimo de Lewis Carol que é a base de toda a história. Mas aqui, Alice já está crescida e retorna ao mundo da fantasia depois de já ter estado por lá. Agora, surge como a “escolhida” para derrotar as forças do mal e devolver o poder ao lado do bem (o que me lembrou estranhamente
As Crônicas de Nárnia, numa referência pouco positiva).
Parece que Tim Burton não quis fazer mais um filme sobre a menininha curiosa e de mente completamente fértil que adentra um lugar misterioso, muito embora talvez isso fosse bem mais fiel ao universo cinematográfico do diretor. Desde o início eu estava achando estranho o tom de aventuresco do longa e é assim que ele se apresenta. Dessa forma, a obra perde todo o subtexto do poder da imaginação, deixando para trás o misto de encantamento e estranheza de sua protagonista, apostando numa história que se quer épica. Alem disso, a roupagem visual é carregada demais. A fantasia perdeu o encanto.
O Escritor Fantasma (The Ghost Writer, Reino Unido/França/ Alemanha, 2010)
Dir: Roman Polanski


Polanski continua afiadíssimo. Seu mais novo projeto, finalizado pouco antes da reviravolta que o levou à prisão recentemente, é um thriller de competentíssimo apresentado da forma mais clássica possível, adotando aquele ar de puro mistério, recheado de intrigas e suspeitas que podem vir de qualquer parte. No fim das contas, a narrativa é muito simples, nada de grandes surpresas ou reviravoltas megalomaníacas, mas é a partir daí que ele leva seu protagonista, o escritor por encomenda vivido por Ewan McGregor a adentrar o mundo sombrio de Adam Lang (Pierce Brosnam, em ótima performance), um político de rabo preso recentemente sob a mira da mídia por seus negócios escusos.
Polanski tem um ótimo roteiro em mãos e faz com que a narrativa evolua mantendo sempre o interesse na história, à medida em que cresce a tensão, ajudada muito por uma fotografia carregada num tom de azul sombrio. O filme parece reviver os bons tempos de
Chinatown ou mesmo do mais recente
Busca Frenética, para apostar em momentos de pura tensão. A cena do bilhete passando de pessoa a pessoa (numa última revelação importante) só não é melhor que a cena final, um lembrete de que as consequências pela descoberta da verdade podem ser gravíssimas.