Dir: Friedrich W. Murnau

Pode parecer um grande exagero ou então conversa para promover a obra, mas Aurora é um dos filmes de minha vida, obra-prima do cinema mudo e espetáculo fascinante em preto-e-branco. Da simples e universal história de amor, o filme alcança a grandeza das melhores obras do cinema mundial.
Um homem (George O’Brien) e sua bela esposa (Janet Gaynor) vivem numa fazenda, quando ele se vê perdidamente apaixonado por uma mulher da cidade (Margaret Livingston) que passa uns dias no campo. Malignamente, ela tenta convencê-lo a matar a mulher e fugir com ela para a cidade, onde teriam uma vida melhor.
Num primeiro momento, o homem vive num dilema, pois ao mesmo tempo que ama a esposa, parece estar fatigado daquela vida comum. A cidade representa a tentativa de mudança, de crescimento, embora a paixão repentina pela estranha seja um fator de extrema relevância para essa crença cega.
Nesses momentos, o filme ganha um tom de crescente suspense, nos transmitindo um sentimento de apreensão pela disposição dele em cometer o crime. No momento em que o coração falar mais alto, a narrativa ganhará ares amorosos e cativantes, acompanhando a paixão entre dois personagens da forma mais despretensiosa possível. Aqui, o filme se eleva a um estágio de pura leveza e graça, parecendo estampar em cada fotograma a palavra A-M-O-R (quase escrita na testa dos personagens). Ao fim, mais uma vez, o suspense surge através de um incidente que coloca em risco a atmosfera de felicidade; e nos coloca em total estado de inquietação.
É evidente o domínio técnico que Murnau possui no filme, seja na utilização de longos planos ou nos movimentos de câmera rebuscados, como na cena do encontro entre o homem e a amante em que, num mesmo plano, a câmera o segue, se torna subjetiva (ou seja, toma o lugar do personagem) para depois revelar sua figura no quadro novamente.
Esse é o primeiro filme dirigido por Murnau nos EUA, egresso do Expressionismo alemão. Logo de início dá para notar o clima de suspense, característico do cinema noir (introduzido no cinema americano justamente por cineastas alemães que lá irão fazer carreira), muito reforçado também pelo cinema mudo que exigia atuações viscerais do elenco. E se a expressão dura de George O’Brien vai do desespero ao arrependimento, a doce face de Janet Gaynor transita do descrédito à paixão plena.

Há também no contexto da obra um interessante conflito entre a vida no campo e na cidade. O primeiro é o lugar da calmaria, da simplicidade; a segunda representa oportunidades de prosperidade (sem esquecer que na década de 20 os centros urbanos dos EUA estão em crescente ascensão). Mas ao longo da obra, ambos os lugares poderão ser vistos como propícios à realização.
Num único filme, Aurora consegue ser, ao mesmo tempo, uma narrativa sobre amor, traição, culpa e redenção. É o filme sobre amor, traição, culpa e redenção mais lindo que eu já vi.