Dir: Alfred Hitchcock

Conta-se que Alfred Hitchcock sempre quis fazer um filme em um único plano-sequência, mas era impossibilitado pelo rolo da película que só filmava dez minutos. O máximo que conseguiu foi criar um filme divido em oito longos takes em seqüência, escondendo os cortes em momentos que poderiam passar despercebidos ao público. É disso que faz Festim Diabólico um filme diferencial na vasta obra do cineasta. Mas existe também uma interessante discussão moral acerca da superioridade de um ser humano em relação a outro.

Logo de início, presenciamos a cena de assassinato de um jovem por dois outros rapazes dentro de um apartamento. Brandon (John Dall) e Philip (Farley Granger) enforcam um ex-colega e escondem o corpo num baú localizado em plena sala de jantar, local onde, em seguida, será dada uma festa. Os convidados? Família e amigos do morto, além de um antigo professor dos rapazes (vivido por James Stewart, um dos atores preferidos de Hitchcock). A intenção dos jovens assassinos é praticar o “crime perfeito” e desafiar a inteligência de todos, enquanto tentam se manter acima de qualquer suspeita, num exercício de frieza e autocontrole (exceto Phillip que vacila em vários momentos).
E nessa experiência de filmar longos planos, o diretor cria um verdadeiro balé com a câmera, pois “ela” se sente livre para passear pelos cantos da casa, acompanhando as ações dos vários personagens em cena, ou melhor, somente aquelas que importam ao desenvolvimento da história. Portanto, o diretor está sempre movendo e direcionando a câmera, focando a imagem em um detalhe específico e acaba criando enquadramentos e ângulos inesperados, demonstrando um virtuosismo técnico invejável.
Mas o filme não é só técnica, muito menos uma simples história de assassinato. O diretor aproveita a situação e aborda, através de um ótimo roteiro, uma questão moral levantada por um dos assassinos: a divisão da raça humana em uma classe superior e outra inferior, tendo esta primeira a liberdade de poder eliminar os mais fracos. Brandon, ao se julgar “melhor” pela sua suposta inteligência e audácia, vê na prática de um crime perfeito a forma ideal de provar a sua superioridade, e considerando a vítima um ser menor, não vê problema nenhum em eliminá-lo.
Sendo assim, Festim Diabólico se uni à obra de Hitchcock não só como um filme capaz de fazer uma pequena análise acerca da alma humana, mas também, e principalmente, ao trabalhar a estrutura técnica de forma a deixar sua marca na história da Sétima Arte, reinventando a linguagem cinematográfica.
PS: Blindness, do Fernando Meireles, adaptado do bestseller Ensaio Sobre a Cegueira, escrito pelo português José Saramago, vai abrir o Festival de Cannes. Maravilha! E mais dois filmes na competição: What Just Happened (Barry Levinson) e Entre Les Murs (Laurent Cantet). Meireles na abertura, Walter Salles na Mostra Competitiva e Mateus Nachtergaele na Un Certain Regard. A projeção internacional do cinema brasileiro esse ano promete.
