quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Tons de horror

Castanha (Idem, Brasil, 2014)
Dir: Davi Pretto


Castanha certamente não é um filme de fácil categorização. Propõe, talvez, que deixe a própria classificação de lado quando o passeio entre ficção e documentário esteja já virando modinha na produção atual e longe de ser mais uma novidade. E que bom que seja assim. Num híbrido muito curioso, Castanha adentra o universo do artista da noite João Carlos Castanha, especialmente como transformista, e fabula muito sobre esse personagem real em sua lida diária.

Ele existe na cena noturna underground de Porto Alegre, também faz peças de teatros e esquetes para a TV. Já passou da meia-idade, mas continua com os seus shows. Lida com as pendências financeiras e com o sobrinho viciado em drogas. Vive na harmoniosa companhia da mãe. Relembra os amigos e amores do passado que já se foram.

O filme quer ser cinema direto, documentário de observação, tanto quanto quer privilegiar a encenação, o fake, que está na própria essência do ser transformista, sem que isso tudo torne o longa pretensioso. Ao contrário, o filme parece muito consciente do fluxo de experimentação que está na constância de sua construção, sem deixar de olhar com carinho para o personagem que retrata.

Intérprete de si mesmo, Castanha se desnuda para a câmera, assim como também se assume como personagem. Abre a intimidade de sua memória e da casa onde mora com a mãe, Celina, que também empresta sua encenação ao filme. Talvez não seja dos performers mais talentosos ou que faz grudar a atenção na tela, mas “doa” seu trabalho e sua morada de forma cativante.  

A dualidade entre o real e o encenado ganha um frescor interessante no filme porque, nessa mescla, nem tudo está claro, dado de bandeja na história. Faz com que o espectador questione-se o tempo todo sobre a natureza das imagens – estamos agora diante de uma ficcionalização ou captação do real? Quando elas se misturam? Perfazem, assim, um jogo de cena do qual é difícil de fugir, mas sem a dureza de se impor à narrativa. 

A forte cena inicial, por exemplo, veste de mistério e horror o protagonista, nu e coberto de sangue numa rua deserta. Para além do encenar, o filme se abre ao comentário subjetivo, mais do que a um perigo concreto à espreita. Esse mesmo tom de medo e suspense aparece em outros momentos do filme, uma forte e estranha atmosfera que passa a dominar a vida cotidiana desses personagens. É o perigo de estar no mundo, de ser o que é, de lutar contra as adversidades e continuar seguindo.

Nenhum comentário: