domingo, 31 de março de 2013

Língua do corpo


Super Nada (Idem, Brasil, 2012)
Dir: Rubens Rewald 



Como um palhaço triste que faz alegrar as pessoas, Gustavo (Marat Descartes) vive de performances teatrais e de rua, ganhando dinheiro em encenações fajutas, ensaiando apresentações, à espera de uma grande oportunidade. E ela vem, mas como convite para uma participação no programa cômico de TV “Super Nada”, um desses bem decadentes e de comédia ridícula, mas do qual Gustavo é fã confesso. Além disso, não há muitas pretensões na vida desse homem. Antes de sucesso, ele quer sobreviver de sua arte.

Daí que Super Nada é um filme tristíssimo na forma como equilibra o cômico e o dia a dia pouco engraçado do protagonista, afogado em dívidas e com problemas no relacionamento com a namorada (Clarissa Kiste). Através da comédia, a narrativa revela a vida sem grandes perspectivas de um artista querendo ser maior.

É também um filme que evidencia o corpo enquanto linguagem, mas também como sustento. É como uma versão masculina do ótimo Riscado, em que uma personagem sobrevivia do trabalho de atriz em pequenos bicos, sempre na iminência de conseguir algo maior. O corpo na tela ganha outra dimensão, maior, decisiva, porque é de seu desempenho que depende o sucesso do artista.

Nesse sentido, Marat Descartes revela uma desenvoltura corporal incrível na forma como assume uma série de personagens com trejeitos os mais diversos, nos fazendo crer na aptidão daquele homem para o seu ofício. Jair Rodrigues, como o protagonista do programa “Super Nada”, é também uma presença luminosa, dono das melhores tiradas do filme, partindo de uma composição que é muito natural. É como se não fosse um ator atuando, mas uma figura que vive a si mesmo, sem tiques de interpretação.

Mas Super Nada não se limita a acompanhar essa rotina de sobrevivência e ganha outros contornos à medida que o personagem entra num turbilhão de erros e desvios de caminho, sempre tentando fazer o melhor, mas trocando os pés pelas mãos. Mesmo assim, o diretor Rubens Rewald não cai na tragédia pura; pelo contrário, faz um filme hilário que acaba se tornando uma comédia de erros ao mesmo tempo engraçada e também melancólica.

Entre o real e o fingimento, Super Nada é um brinde à comédia, à performance do corpo, mas também filma com desenvoltura um personagem na corda bamba, fazendo os outros rirem enquanto ele mesmo tenta se sustentar para não cair.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Exercício de amoralidade

Killer Joe – Matador de Aluguel (Killer Joe, EUA, 2011)
Dir: William Friedkin




William Friedkin retorna agora aos filmes policiais exatamente 40 anos depois de ter lançado Operação França, um de seus trabalhos mais festejados no gênero. O tempo nos prova que ainda existe vigor e força criativa num cineasta que parecia estanque. Foi assim também quando ele voltou ao cinema de horror com o angustiante Possuídos (depois do marco que é O Exorcista), filme pouco visto, mas muito apreciado num círculo restrito de cinéfilos, obra psicologicamente potente.

Parece que acontece o mesmo com esse Killer Joe – Matador de Aluguel, filme brutal, de tons amorais, que não fez muito sucesso nos Estados Unidos e chega aqui com lançamento bem restrito. Sua maior qualidade está no percurso de insanidade que vai se expandindo à medida que a história avança, como um neonoir de formas trágicas, jogando o espectador num covil de personagens sem escrúpulos.

Logo no início somos apresentados ao conflito do filme, sem preâmbulos. Rapaz (Emile Hirsch) convence o pai (Thomas Haden Church) e a madrasta (Gina Gershon) a contratarem um assassino para matar a mãe dele a fim de que possam ficar com o dinheiro do seguro de vida, e ele possa pagar uma enorme dívida de drogas. E é a irmã mais nova dele (Juno Temple) a garantia que o assassino (Matthew McConaughey) pede para fazer o trabalho sujo sem receber nada em adiantamento.

Estamos, portanto, no terreno dos tipos sem escrúpulos, das famílias desestruturadas e dos acordos que põe em garantia as próprias vidas dos envolvidos, tudo beirando o doentio e a desarmonia. A família vive num trailer desarrumado, tratam-se com arrogância, não há arrependimento quando um trai o outro. À noite, quando a madrasta abre a porta para o enteado, ela aparece nua da cintura pra baixo, e a câmera faz questão de mostrar a vagina cabeluda da mulher, diante da indignação do rapaz. É nesse tipo de amoralismo que Friedkin se debruça, essa podridão que permeia o filme do início ao fim (e que fim!).

Friedkin e o roteirista Tracy Letts, baseando-se numa peça de teatro desse último, acrescenta outras camadas à história, seja no perfil insano, mas bem apresentável, de Joe (um policial, na verdade, o que revela outro desvio de comportamentos sociais decadentes), seja na doçura virginal e psicologicamente debilitada da garota que passa a ser sua “amante”. O encontro entre os dois cria um casal estranhíssimo, cada qual mentalmente perturbados à sua maneira.

Além disso, a reviravolta final faz encaixar uma série de pistas que o filme vai deixando pelo caminho, revelando um roteiro redondinho e surpreendente, perpassando pelas atitudes tortas e vis dos envolvidos. Na meia hora final, o filme explode em grotesca violência (com a bizarra e já famosa cena envolvendo uma coxa de frango). Quando acaba, larga o espectador sem amparo, desconcertado, assim como as trajetórias sem perspectivas de seus personagens.

sábado, 23 de março de 2013

Marcado


A Caça (Jagten, Dinamarca, 2012)
Dir: Thomas Vinterberg 



Se tomarmos Thomas Vinterberg como um cineasta irregular, é de se louvar que esse seu mais novo filme seja um trabalho muito maduro, longe da histeria e “inovação” de um Festa de Família ou da dificuldade em desenrolar os dramas de seus personagens, como no recente Submarino. Mas com A Caça o cineasta parece ter amadurecido. Filme intenso, sobre tema sério e espinhoso, consegue montar uma história que, sob o ensejo de discutir a questão da pedofilia, é na verdade um estudo complexo sobre a mentira.

Porque sabemos desde o início que o professor de uma escola infantil, Lucas (Mads Mikkelsen), não cometeu nenhum tipo de ato indecente contra a pequena Klara (Annika Wedderkopp) que, por se sentir “rejeitada” por ele, passa a sustentar o fato do professor ter se mostrado nu para ela. Por sua vez, a posição de homem divorciado e de pouco trato com as mulheres, representada bem demais por um Mikkelsen reservado, ajuda a compor a fragilidade desse homem diante de acusações tão fortes, ainda mais vindas de uma criança tomada por inocente, que encontra na pequena cidade em que vive repercussões das mais negativas e arrasadoras para ele.

A vida de Lucas então se torna um inferno, e o filme acompanha seu esforço para manter a dignidade e lutar por inocência. É mais uma história dura, que sabe dar a dimensão exata de humanidade e consideração por todos os personagens, seja por Lucas e sua família que também sofre com as acusações, seja por seus amigos e colegas de trabalho que passam a enxergar o professor de forma mais cruel. Parece inevitável que o fio da mentira corroa e abale os julgamentos que as pessoas tinham sobre o protagonista. Sem demonizar nenhum desses personagens que confrontam Lucas, o filme monta uma situação que afunda na própria natureza corrosiva da fidelidade humana.


Filmado com a tensão que a história exige, mas sem abusar tanto da câmera trêmula, como podia muito bem ser um resquício artificioso do Dogma 95, Vinterberg acerta a mão ao lidar com o tempo do filme. Os acontecimentos se dão de forma pausada, na medida certa, a fim de valorizar a experiência emocional que é acompanhar esse homem acuado em sua própria comunidade, à medida que aumenta a crise entre os personagens através dessa hostilização. O filme se tona brutal a partir daí. 

Mas se há uma ressalva a fazer, ela está num epílogo desnecessário que arrasta o final do filme por minutos a mais, mastigando um pouco a resolução da história, beirando o moralismo até. Mesmo assim, na exata cena final, o filme, brilhantemente, faz questão de pontuar que, uma vez tido como caça por seus próprios pares, depois de permanecido na mira da vigilância social, um homem leva por muito tempo dentro de si o estigma da perseguição.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Curtinhas


Tudo que o Céu Permite (All that Heaven Allows, EUA, 1955)
Dir: Douglas Sirk

Melodrama rasgado de um dos maiores estetas desse gênero, Tudo que o Céu Permite é um primor de composição, mesmo que esteja atado ao sistema comercial do filme clássico hollywoodiano. Mas é mesmo nesse meio que Douglas Sirk sente-se a vontade para construir os dramas românticos que o notabilizaram, demarcando sua influência por muito tempo depois, até os dias atuais. É muito fácil torcer pela protagonista desse filme, uma viúva (Cary Scott) que vive com os filhos e se vê cortejada por alguns homens. Mas ela vai cair de amores mesmo é pelo jardineiro da família, o simples, mas carinhoso, Ron Kirby (Rock Hudson).

As convenções sociais de uma classe média norte-americana de meados do século passado são as vilãs aqui, encarnadas não só na hipocrisia social, via falatório geral que chega à protagonista de forma impiedosamente direta, mas mesmo dentre os filhos dela, ambos dando as costas para a mãe e sua busca pela felicidade amorosa. Como história, esse seria mais um drama romântico assim como tantos outros, mas há aqui o olhar afiado de Sirk para a composição visual, abusando das cores de tons fortes, um trabalho de mise-en-scène cuidadoso e sem firulas, aliado a um texto rápido, objetivo e cheio de nuances. É como se alcançasse, com extrema simplicidade, um nível de proeza sem abandonar as normas clássicas da narrativa. Por tudo isso resiste ao tempo e continua hoje como uma das maiores referência para o melodrama.


O Medo Devora a Alma (Angst Essen Seele Auf, Alemanha Ocidental, 1974)
Dir: Rainer Werner Fassbinder 


Fassbinder, fã confesso de Douglas Sirk, não resistiu e praticamente adaptou aqui a trama de Tudo que o Céu Permite. O melodrama do diretor do Novo Cinema alemão segue os mesmos passos narrativos, embora o drama clássico e rasgado dá lugar a um tratamento mais duro, seco, além, é claro, do contexto social ser uma Alemanha que se reergue política e economicamente. Nesse momento, muitos imigrantes vivem em busca de trabalho no país e é por um deles que a viúva Emmi (Brigitte Mira) vai se envolver, o marroquino Ali (El Hedi ben Salem), que na verdade tem o mesmo nome do ator que o interpreta, mas é chamado de Ali pela facilidade da pronúncia. Ou seja, a condição de imigrante o anula enquanto indivíduo autônomo, é mais um na massa de trabalhadores de fora.

Mas apesar de O Medo Devora a Alma contar com a condução segura de Fassbinder, falta maior consistência no roteiro, especialmente na forma como o casal é confrontado com os olhares de desprezo que expõem o preconceito social/racial. Tudo parece ser muito escancarado, conformado para que sintamos pena pela situação. Falta mais sutileza no embate que se estabelece entre os dois e as pessoas ao redor que rejeitam aquela relação. Como forma de deixar à mostra nitidamente o preconceito, o filme esbarra numa crítica por vezes somente interessada em se fazer presente no discurso do filme. Mas apesar disso, Fassbinder enche de ternura aquela relação que luta para vencer as convenções e até mesmo se sustentar com segurança pelo próprio casal.


Amor é Tudo que Você Precisa (Love Is All You Need, Dinamarca/Suécia/Itália/França/Alemanha, 2012) 
Dir: Susanne Bier


A dinamarquesa Susanne Bier é uma das diretoras que hoje dialogam muito bem com o melodrama, embora seus filmes costumam ser mais densos, como o maravilhoso Depois do Casamento. Fugindo um pouco dessa vertente, esse Amor é Tudo que Você Precisa investe na comédia romântica por meio do encontro inusitado de um casal improvável, mas fadado ao entrelace amoroso. O ambiente da costa italiana confere o tom de exotismo, e a festa de casamento de um jovem casal inspira as paixões vindouras, novas e as que se prometem há algum tempo. Pois é o pai do noivo e a mãe da noiva que formam o par central da história; Ida (Trine Dyrholm), uma cabeleireira recentemente trocada pelo marido por uma moça mais jovem, e Philip (Pierce Brosnan), o homem de negócios fechado em seu mundo de trabalho. 

Mas mesmo com essa atmosfera de amor prometido, o filme adentra também o drama familiar que reúne as pessoas para que elas possam lavar a roupa suja dos conflitos que se acumulam em qualquer família. O problema do roteiro é que na maior parte das vezes ele infantiliza os personagens, primeiro para apostar em um humor abobalhado (embora nunca apelativo), e depois a fim de forçar determinadas reviravoltas um tanto quanto improváveis. No âmbito da infantilização, quem mais sofre é mesmo a protagonista, tão ingênua em sua atitude passiva diante dos problemas que lhe surge, tudo para que a aproximação com o galante personagem de Brosnan pareça a melhor opção de redenção depois de tanto desamor e desprezo. Uma protagonista fragilizada, emocionalmente abalada (ela termina um tratamento de câncer que lhe tirou um seio), mas usada como isca para uma ação de reviravolta. De fato, Bier se dá melhor quando pega mais pesado.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Como nossos pais


A Busca (Idem, Brasil, 2013)
Dir: Luciano Moura


  
Quando o filme do estreante no longa-metragem Luciano Moura foi exibido no Festival de Sundance ano passado, o título era outro. Chamava-se “A Cadeira do Pai”, enunciado talvez mais pertinente e menos genérico que apontava para a questão central da história: as relações entre pai e filho em estado de distanciamento. O que o filme põe em questão é a necessidade vital do encontro entre esses pares, apesar de não ultrapassar muito esse objetivo.

Mudando o título para A Busca, uma opção mais comercial, é interessante notar como a história começa como um drama familiar e se transforma num road movie ocasional. Isso porque quando o filho de Theo (Wagner Moura) e Branca (Marina Lima) desaparece, em meio ao processo de separação e desentendimento dos pais, descobre-se que o garoto partiu numa jornada fora da cidade, montado a cavalo. Theo parte então à procura de seu filho, num processo que também envolve seus embates com o próprio pai. 

Como drama que busca dar vazão e consistência aos conflitos daquela família, A Busca é, ao mesmo tempo, um trabalho sutil que foge do sentimentalismo puro, mas também não deixa de ser frustrante na não resolução dos maiores problemas de seus personagens. Não há aqui grandes conversas e discussões de relação que fazem lavar a roupa suja de situações tão complicadas – os pais do garoto não sabem se se amam ou se odeiam. Há certa sutiliza em não banalizar esses conflitos, não torná-los tão simples de resolver, ainda mais utilizando como desculpa a fuga do garoto, uma situação de risco que acaba aproximando a todos.

Mas nesse tratamento singular, na opção em deixar muita coisa em aberto, talvez um modismo relutante de certos filmes contemporâneos, principalmente quando os personagens chegam ao lugar que objetivam, o filme parece não conseguir avançar em suas proposições dramáticas. É como se a história se furtasse dos embates que ela mesma propõe no seu enredo e terminasse mal resolvida.

Para sanar esses problemas, Moura aposta na força de seus atores, e Wagner Moura é o destaque óbvio pela forma como equilibra o desespero de um pai preocupado e o autocontrole em descobrir e seguir os rastros do garoto fujão. E caso Lima Duarte, numa participação ao final do filme, tivesse mais tempo em tela, entregaria uma atuação bem mais marcante. Toda sua composição é singela, mas transparece uma emoção fortíssima por um reencontro inesperado.

Mesmo assim, ainda incomoda no filme a forma como os caminhos percorridos por Theo e, principalmente, as pessoas que ele encontra em sua desesperada jornada são conformados pelo roteiro para que ele sempre tenha um nova informação sobre os rumos seguidos pelo filho, num acúmulo incrível de coincidências. Sem falar em alguns momentos constrangedores, como o pernoite na festa hippie em que Theo ajuda a realizar um parto. Sem essas facilidades, a narrativa certamente sairia do caminho pretendido, a busca se extraviaria, e tudo isso para que o filme se encerre no momento mais promissor.


terça-feira, 12 de março de 2013

Lá mais uma vez


Oz: Mágico e Poderoso (Oz the Great and Powerful, EUA, 2013)
Dir: Sam Raimi 
  

Quando O Mágico de Oz estreou em 1939, esbanjando todo o seu visual colorido, o filme representava um trunfo em termos mercadológicos, justamente pelo recurso da cor, uma inovação técnica para o período, explorada via história de cunho infantil e fantasioso. Era uma forma de a indústria sacudir o interesse do público por algo nunca antes visto daquela maneira e levar mais pessoas ao cinema. Mas o filme acabou se tornando mais que isso, assim como seu irmão gêmeo versão adulta ...E o Vento Levou, incutido do mesmo propósito de novidade. Tudo graças a uma história cativante de tons fabulares que ficou marcada na história do cinema.

Hoje, com a ideia de retornar a mitologia do filme, extraída da série de livros escritos pelo norte-americano L. Frank Baum, Oz: Mágico e Poderoso resgata o mesmo espírito de ingenuidade e toma cuidado para nunca desvirtuá-lo, a maior surpresa desse filme. Claro que estão lá os efeitos especiais de encher os olhos e o modismo recente do 3D como espetáculo de sensações, marcas indispensáveis para a indústria de entretenimento de nossos dias.

Mas há um cuidado no enredo ao trazer uma série de referências ao filme anterior, ao mesmo tempo em que sua história caminha por conta própria, sem ferir os acontecimentos do que viria a seguir no filme de 1939. Como prequel, o longa narra a chegada do famoso mágico Oscar Diggs (James Franco) ao mundo de Oz a bordo de um balão, como o próprio personagem conta de relance no filme anterior. Fugindo de uma realidade que lhe renegava o reconhecimento como grande ilusionista (e a primeira parte do filme é toda em preto-e-branco, com um aspecto de tela 4x3), Oscar precisa agora provar seu talento naquele mundo cheio de possibilidades encantadas.

A jornada de Oscar, também chamado de Oz, numa feliz coincidência que o torna reconhecido como o grande mago que viria a reinar naquele mundo, torna-se então uma busca pelo prestígio que ele tanto almejava. Acontece que ele não passa de um mero ilusionista de feiras, seus truques não têm nada de magia, como os das bruxas que ele encontra pelo caminho (vividas por Michelle Williams, Mila Kunis e Rachel Weisz). Isso já estava inscrito lá em O Mágico de Oz, com o personagem sendo desmascarado no final, restando aqui o relato de como esse homem chega ao poder, através de suas técnicas e bom coração, apesar de desajeitado.


E quem diria, aquele Sam Raimi dos filmes de horror trash grotesco comanda aqui um espetáculo visual belíssimo pela pompa da produção, talvez exagerado demais, mas que pega carona no próprio universo do mundo fantasioso de Oz. Há também a mesma ingenuidade dos personagens em seguir seus anseios e desejos, aqui representados pela série de coadjuvantes que se juntam a Oz na sua jornada. 
 

O roteiro também precisa se deter em certas intrigas em que pesam o verdadeiro caráter das bruxas, como na tentativa de esconder as verdadeiras pretensões daquela interpretada por Weisz. Mas com isso, Oz segue tentando encontrar seu verdadeiro caminho e, quem sabe, se tornar o grande mago do lugar. Na ausência de magia pura, sobra a ilusão do truque, como forma de fazer as pessoas acreditarem no inexplicável. No fim, há ainda uma bela celebração do dispositivo cinematográfico enquanto ferramenta de artifício e ilusão. Mágico e poderoso mesmo é o cinema.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Anjos caídos


A Parte dos Anjos (The Angel´s Share, Reino Unido/França/Bélgica/Itália, 2012)
Dir: Ken Loach


Entre um filme de veia mais politizada e outro mais despretensioso, Ken Loach vai construindo sua extensa filmografia. A Parte dos Anjos pode ser reunido nesse segundo grupo, muito embora a comédia e o comentário social caminhem juntos, sem que um se sobreponha ao outro, num equilíbrio que nem sempre se consegue facilmente. O mérito de Loach é mantê-lo bem, apesar de o enredo bambear em alguns momentos.

Mas com muita segurança, Loach nos conta mais uma história de outsiders, dessa vez mirando em jovens que cometem pequenos crimes e infrações, condenados a prestarem serviços comunitários. Começa apresentando um grupo de pequenos infratores, mas é a um deles que o filme vai se apegar. Robbie (Paul Brannigan) escapa por pouco da prisão depois de uma agressão pesada e, pelas mãos do instrutor Harry (John Henshaw), tem contato com a produção e provação de uísque, revelando um talento nato como provador da bebida.

Os personagens estão entre o limite da vida delinquente e a possibilidade de reintegração social com dignidade. Daí que o filme, por entre a comédia que beira o politicamente correto, encontra momentos mais densos, é a mão “realista” de Loach se fazendo presente. Alguns dessas situações carecem de uma maior sutileza (como quando Robbie é confrontado com o rapaz que agrediu), como se o filme fizesse questão de lembrar a cota de tragédia que a história possui.

Porque, no fundo, existe carinho imenso por esses personagens, o roteiro nunca os condena, na medida em que ainda os leva a cometer atos impróprios, ainda mais na sua condição de vigiados pela Justiça, em prol de um bem maior. E se é na comédia de erros que o filme mais aposta, acerta bem em suas tiradas, sempre com muita leveza e tom despretensioso. A Parte dos Anjos é como uma história de redenção, um olhar tenro para um submundo cheio de mazelas, dificuldades de vida e facilidades para o crime, mas com um coração grande apontando para caminhos mais satisfatórios.


terça-feira, 5 de março de 2013

Dentro do abismo


Caverna dos Sonhos Esquecidos (Cave of Forgotten Dreams, Canadá/EUA/França/Alemanha/Reino Unido, 2010)
Dir: Werner Herzog 
  

É interessante notar como a obra ficcional do alemão Werner Herzog se imbrica com sua produção documentária, pelo menos numa esteira temática. A simbiose entre homem e natureza e os embates de sobrevivência em ambiente hostil são algumas dessas preocupações que o cineasta carrega e coloca em seus filmes. Caverna dos Sonhos Esquecidos é mais uma variação disso, aliado ao tema do ambiente hostil, pouco conhecido do homem, daquilo que é tocado pela primeira vez.

Porque a descoberta da caverna de Chauvet, no sul da França, que manteve preservada uma série de pinturas rupestres feitos por homens pré-históricos há cerca de 30 mil anos já seria por si só um material rico de exploração documental, tipicamente um assunto herzogiano. Mas o que enriquece o filme é a visão humanista do diretor e sua obsessão não só pelo contato com as gravuras, mas com aquilo que elas podem significar enquanto processo de feitura e, principalmente, o que delas se depreende em relação aos homens que a criaram, suas sensações e desejos.

Pode até soar um tanto ingênuo quando Herzog coloca a um dos pesquisadores coisas do tipo “mas será que eles sonhavam, choravam à noite? Quais as esperanças deles?”. As respostas parem impossíveis de prever, mas permanecem lá como curiosidades que ultrapassam o mero registro de vestígios pictóricos, por mais incríveis que eles sejam. Há um cuidado não somente em observar e descobrir, mas em conjecturar, em termos mais poéticos.

De fato, é uma descoberta impressionante, dada não só a qualidade do traço e a perspectiva de movimento que algumas imagens têm (“quase uma forma de proto-cinema”, reflete o cineasta), mas também o nível de preservação das gravuras, o que torna a caverna uma preciosidade arqueológica. A posição de Herzog e sua reduzida equipe em ter permissão para filmar no interior do local, uma vez que a entrada só é permite a alguns poucos pesquisadores, confere um tom de distinção e curiosidade ao projeto, tornando o espectador um convidado especial no coração de uma das grandes descobertas artístico-antropológicas sobre a pré-história. 

Talvez por isso a decisão de fazer o filme em 3D, mesmo que explorando com dificuldade a profundidade de campo, devido ao espaço apertado do interior da caverna. O recurso consegue engrandecer a vista interna do lugar, dimensionando em espaço aquilo que já é formidável em termos de realização humana e ainda funciona como celebração da descoberta e contato com material tão rico.

Há ainda um epílogo genial que encerra o filme colocando em questão a posição do homem moderno diante da trilha de descobertas sobre seus antepassados. Crocodilos albinos surgem numa região próxima à caverna onde está instalada uma usina nuclear. Num abismo de tempo, o cineasta questiona se nós, seres humanos, não somos como esses crocodilos, um espécime peculiar num ambiente surreal. Olhando para o passado, como a ajuda da luz das tochas que iluminam a caverna obscura (tal como no cinema em que as imagens só ganham vida através da luz), Herzog questiona o futuro da própria humanidade.