quinta-feira, 28 de março de 2013

Exercício de amoralidade

Killer Joe – Matador de Aluguel (Killer Joe, EUA, 2011)
Dir: William Friedkin




William Friedkin retorna agora aos filmes policiais exatamente 40 anos depois de ter lançado Operação França, um de seus trabalhos mais festejados no gênero. O tempo nos prova que ainda existe vigor e força criativa num cineasta que parecia estanque. Foi assim também quando ele voltou ao cinema de horror com o angustiante Possuídos (depois do marco que é O Exorcista), filme pouco visto, mas muito apreciado num círculo restrito de cinéfilos, obra psicologicamente potente.

Parece que acontece o mesmo com esse Killer Joe – Matador de Aluguel, filme brutal, de tons amorais, que não fez muito sucesso nos Estados Unidos e chega aqui com lançamento bem restrito. Sua maior qualidade está no percurso de insanidade que vai se expandindo à medida que a história avança, como um neonoir de formas trágicas, jogando o espectador num covil de personagens sem escrúpulos.

Logo no início somos apresentados ao conflito do filme, sem preâmbulos. Rapaz (Emile Hirsch) convence o pai (Thomas Haden Church) e a madrasta (Gina Gershon) a contratarem um assassino para matar a mãe dele a fim de que possam ficar com o dinheiro do seguro de vida, e ele possa pagar uma enorme dívida de drogas. E é a irmã mais nova dele (Juno Temple) a garantia que o assassino (Matthew McConaughey) pede para fazer o trabalho sujo sem receber nada em adiantamento.

Estamos, portanto, no terreno dos tipos sem escrúpulos, das famílias desestruturadas e dos acordos que põe em garantia as próprias vidas dos envolvidos, tudo beirando o doentio e a desarmonia. A família vive num trailer desarrumado, tratam-se com arrogância, não há arrependimento quando um trai o outro. À noite, quando a madrasta abre a porta para o enteado, ela aparece nua da cintura pra baixo, e a câmera faz questão de mostrar a vagina cabeluda da mulher, diante da indignação do rapaz. É nesse tipo de amoralismo que Friedkin se debruça, essa podridão que permeia o filme do início ao fim (e que fim!).

Friedkin e o roteirista Tracy Letts, baseando-se numa peça de teatro desse último, acrescenta outras camadas à história, seja no perfil insano, mas bem apresentável, de Joe (um policial, na verdade, o que revela outro desvio de comportamentos sociais decadentes), seja na doçura virginal e psicologicamente debilitada da garota que passa a ser sua “amante”. O encontro entre os dois cria um casal estranhíssimo, cada qual mentalmente perturbados à sua maneira.

Além disso, a reviravolta final faz encaixar uma série de pistas que o filme vai deixando pelo caminho, revelando um roteiro redondinho e surpreendente, perpassando pelas atitudes tortas e vis dos envolvidos. Na meia hora final, o filme explode em grotesca violência (com a bizarra e já famosa cena envolvendo uma coxa de frango). Quando acaba, larga o espectador sem amparo, desconcertado, assim como as trajetórias sem perspectivas de seus personagens.

2 comentários:

Leandro Afonso disse...

É a combinação perfeita de um roteiro que orgulha manuais com uma direção segura, que combina tesão e fluidez. De toda a geração do Sexo, Drogas e Rock n' Roll, seria Friedkin quem melhor envelhece?

Rafael Carvalho disse...

Leo, o Friedkin envelheceu muito bem, não? Acho incrível como ele consegue se desvencilhar de certos lugares comuns num filme mais amoral, mais doentio. Mas o roteiro tá redondinho, nada sobra ali. E a metade final é sensacional.