quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O lado negro do negócio

Star Wars Episódio I – A Ameaça Fantasma 3D (Star Wars Episode I – The Phantom Menace, EUA, 1999)
Dir: George Lucas



E a máquina de fazer dinheiro em Hollywood não para de girar. Com a onda do 3D sendo a menina dos olhos nesses novos tempos, não só os filmes recentes já passam a ser pensados no formato (a maioria deles sem muita competência), como também tiveram a péssima ideia de relançar muita coisa convertida para o 3D (como as animações O Rei Leão e A Bela e a Fera, e logo, logo filmes como Titanic), o que é um despropósito ainda maior porque muito pouco se tem feito no sentido de transformar um filme rodado e exibido em 2D em algo para o qual ele não foi pensando.

Mas George Lucas é dos muitos que não está preocupado com isso. Lança agora o episódio primeiro da série Star Wars em 3D, o mesmo que iniciou uma nova trilogia naquele universo fantasioso que ele criou e tanto lhe foi recompensador. E é muito interessante falar dele aqui, pois na década de 70, o diretor foi um dos responsáveis por desencadear a moda do blockbuster, criando um filão de filmes puramente comerciais cujo principal objetivo era entreter pessoas por duas horas. Fez isso justamente com Guerra nas Estrelas, angariando uma legião de fãs e muito dinheiro no bolso não só com o filme, mas com a produção de qualquer briquedinho que tivesse o formato dos personagens ou elementos da saga.

Para além das leis de mercado, faz muito sentido que o relançamento de um dos filmes da série em 3D seja exatamente A Ameça Fantasma, filme com que Lucas, em 1999, ressuscitou a saga, dando início a uma nova trilogia a fim de lucrar mais em cima dos fãs que não deixariam de conferir mais outra série de eventos situados no universo mítico criado anteriormente. A história agora se repente, cujo fator “curiosidade” é voltado para o suposto uso da tecnologia 3D.

Deixo claro que nada tenho contra esse tipo de proposta, até por ser um consumidor desse tipo de produto, o que faço com gosto (quando o filme realmente vale o esforço). Pena que não seja o caso deste filme por dois motivos: a história já era um tanto sem sal, sem ritmo e pouco envolvente. Depois, e o pior de tudo, é que o 3D aqui é um embuste total, já que nada parece ter a dimensão tridimensional de campo característico da tecnologia. Chega a ser espantoso a cara de pau em oferecer um produto que não cumpre sua funcionalidade. Paga-se praticamente para ver o mesmo filme, da mesma forma, que se viu na época de seu lançamento.

Resta então para os mais novos (eu incluso) a possibilidade de ver na tela de cinema o início dessa nova saga, muito embora não tenha nada de muito empolgante. Guerreiros jedis (Ewan McGregor e Liam Neeson) são enviados para negociar a paz no planeta Naboo e encontram pelo caminho o pequeno Anakin Skywalker (Jake Lloyd), garoto com imenso potencial para se tornar um jedi. É a semente para quem se transformará no mítico Darth Vader.


Se tecnicamente, o empreendimento se revela infinitamente superior em comparação com os primeiros filmes, esse episódio ainda evidencia a enorme falta de talento de Lucas para dirigir seus atores. Se hoje podemos dizer que Portman e McGregor cresceram muito como profissionais, o mesmo não se aplica a veteranos como Liam Neeson, por exemplo, tão inexpressivo e preguiçoso quanto os demais (e nesse sentido, paradoxalmente, Jar Jar Binks, personagem controverso, criticados por muitos dos fãs como indispensável, totalmente construído por computador, é o mais vivaz de todos no filme).

Tudo parece girar em torno da diversão em retomar a saga, em agradar os fãs, sem muito o que dizer no fim das contas. A apresentação de personagens para o desenvolvimento de uma nova série permeia o filme todo (embora no Episódio VI – Uma Nova Esperança havia a mesma intenção, mas numa história com muito mais alma, ritmo e criatividade do que aqui). Agora, existe a mesma atmosfera de “premiar” os fãs com o retorno da segunda trilogia, mais uma oportunidade de vê-la na tela grande, só que com um suposto novo dispositivo, o 3D. Mas parece que a única coisa que realmente tridimensionou mesmo foi o lucro dos envolvidos no empreendimento.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Oscar 2012

Como sempre, tivemos uma festa do Oscar sem grandes surpresas, só que um diferencial: um filme muito bom ganhou dessa vez. Convenhamos que poucas vezes isso acontece, então é de se comemorar. Além disso, foi uma edição histórica por premiar, pela primeira vez, um filme não norte-americano, embora a alma de O Artista esteja impregnada da Hollywood dos primórdios, o que pareceu irresistível para a Academia.

Para mim, a maior surpresa foi o prêmio de montagem para Millennium. Não que seja ruim, muito pelo contrário, era a melhor entre os concorrentes (e olha que eu nem gosto tanto assim do filme, texto aqui), mas ninguém estava apostando nele principalmente porque o filme nem concorria na categoria principal, e isso não acontece há muito, muito tempo.

Bom ver A Separação sendo premiado, assim como foi ótimo o reconhecimento para os roteiros de Meia-Noite em Paris e Os Descendentes, a melhor coisa em ambos os filmes. E Meryl Streep, finalmente, venceu seu terceiro e tão aguardado Oscar. Agora é torcer para que ela se arrisque mais e faça filmes melhores.

Por fim, a festa foi burocrática, um tanto sem graça. Billy Crystal se esforçou, mas nada de animar muito a festa. Por isso, obrigado Angelina Jolie por ter alegrado a noite em certo momento.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Palpites para o Oscar 2012


E lá vamos nós nos divertir tentando acertar os vencedores do Oscar, premiação das mais manjadas e comerciais do cinema, grande pela autobajulação, grana e publicidade que arregimenta, e não pela qualidade muitas vezes questionável de seus concorrentes. Mas paradoxalmente, este ano temos uma seleção principal bem boa, tirando algumas poucas exceções. Em negrito, minha aposta para o vencedor da categoria, abaixo meus comentários e ordem de preferência dos indicados.


Melhor Filme

O Artista
Os Descendentes
Tão Forte e Tão Perto
Histórias Cruzadas
A Invenção de Hugo Cabret
Meia-Noite em Paris
O Homem Que Mudou o Jogo
A Árvore da Vida
Cavalo de Guerra

Há um bom tempo que uma seleção principal não era tão boa assim, com mais da metade deles indo de ótimos a excelentes, dá até gosto de ver. E é evidente a comoção que O Artista causou na crítica e nos círculos de premiações, ganhando tudo na temporada. É um filme franco-belga, mas que é uma ode ao cinema clássico norte-americano dos primeiros tempos. Assim também é A Invenção de Hugo Cabret, mas talvez seja lúdico demais para a Academia. Os Descendentes, drama simples, direto e comovente, seria o maior concorrente, mas o saudosismo deve marcar presença nessa edição do Oscar. A Árvore da Vida é muita viagem para a Academia, nem sei como conseguiu indicação. E é ótimo ver o talento de Woody Allen representado por Meia-Noite em Paris. Histórias Cruzadas e Tão Forte e Tão Perto são os azarões e péssimos representantes do ano.

Minha ordem de preferência: A Árvore da Vida, O Artista, Os Descendentes, Meia-Noite em Paris, A Invenção de Hugo Cabret, Cavalo de Guerra, O Homem Que Mudou o Jogo, Histórias Cruzadas, Tão Forte e Tão Perto.


Melhor Direção

Woody Allen (Meia-Noite em Paris)
Michel Hazanavicius (O Artista)
Terrence Malick (A Árvore da Vida)
Alexander Payne (Os Descendentes)
Martin Scorsese (A Invenção de Hugo Cabret)

Há de se respeitar uma seleção de diretores que tem Martin Scorsese, Woody Allen e Terrence Malick. Mas a aposta recai sobre o “novato” no mainstream norte-americano, Michel Hazanavicius. E seria uma vitória merecidíssima pela inteligência com que conduz um filme de recursos antigos. Mas não descartaria uma vitória de Scorsese, caso queiram premiar alguém da terra, por um filme também com cara de saudosismo ao cinema de antes. Malick é meu preferido de todos, mas é uma azarão aqui. E a direção de Payne, por mais que eu goste de Os Descendentes, não é o ponto forte do filme.

Minha ordem de preferência: Terrence Malick, Michel Hazanavicius, Martin Scorsese, Woody Allen, Alexander Payne.


Melhor Ator

Demián Bichir (A Better Life)
George Clooney (Os Descendentes)
Jean Dujardin (O Artista)
Gary Oldman (O Espião Que Sabia Demais)
Brad Pitt (O Homem Que Mudou o Jogo)

Dujardin esbanja carisma, Clooney esbanja vulnerabilidade, Oldman esbanja sobriedade. Todas grandes atuações, tendo o primeiro vantagem pelo amor que tomaram por seu filme, além de ter levado vários prêmios prévios. Clooney é seu maior adversário, podendo surpreender pelo respeito que conquistou em Hollywood. Pitt vinha com mais força no início da temporada, mas perdeu fôlego. Demián Bichir deve comemorar muito essa indicação porque já é de bom tamanho.

Minha ordem de preferência: Jean Dujardin, George Clooney, Gary Oldman, Brad Pitt, Demián Bichir


Melhor Atriz

Glenn Close (Albert Nobbs)
Viola Davis (Histórias Cruzadas)
Rooney Mara (Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres)
Meryl Streep (A Dama de Ferro)
Michelle Williams (Sete Dias com Marilyn)

Indiscutivelmente, a maior disputa da noite. A briga Davis X Streep já teve vários altos e baixos e hoje parece meio empatada. Williams cresceu na temporada enquanto Close perdeu, muitos culpando seu filme por isso. Mas A Dama de Ferro não é uma obra das mais interessantes, porém é protagonizada por uma unanimidade em Hollywood, querida, recordista de indicações, dois Oscars já na estante, sendo o último vencido há 29 anos. Seria a reafirmação do seu talento depois de tantas indicações e perdas, isso caso Davis não tenha conquistado o coração dos votantes (ainda mais por ser negra, de origem humilde), por um filme de “superação” e culpa espiada que os norte-americanos amaram. Neste momento, apostaria em Streep, mas me reservo ao direito de mudar o palpite até mais tarde.

Minha ordem de preferência: Meryl Streep, Viola Davis, Rooney Mara


Melhor Ator Coadjuvante

Kenneth Branagh (Sete Dias com Marilyn)
Jonah Hill (O Homem Que Mudou o Jogo)
Nick Nolte (Guerreiro)
Christopher Plummer (Toda Forma de Amor)
Max von Sydow (Tão Forte e Tão Perto)

Uma unanimidade aqui: Plummer ganhou tudo. Nem seu filme e atuação são assim tão grandiosos, mas é o velhinho da vez que parece estar sendo premiado mais pelo conjunto da obra do que necessariamente pelo papel. É a oportunidade que não querem deixar passar. Mas outro velhinho que a Academia passou a gostar foi de Max von Sydow, por um filme que só entrou aqui por conta do marketing pesado. Ainda assim, uma atuação melhor que a do Plummer. Hill e Note também estão ótimos, mas concorrem por fora.

Minha ordem de preferência: Nick Nolte, Max von Sydow, Jonah Hill, Christopher Plummer.


Melhor Atriz Coadjuvante

Bérénice Bejo (O Artista)
Jessica Chastain (Histórias Cruzadas)
Melissa McCarthy (Missão Madrinha de Casamento)
Janet McTeer (Albert Nobbs)
Octavia Spencer (Histórias Cruzadas)

Outra unanimidade, mas sem o fator conjunto da obra. Spencer tem vencido tudo, é uma personagem forte (além de caricatural) e seria uma vitória garantida para Histórias Cruzadas caso Davis perca na categoria principal. Chastain, indicada pelo filme errado (deveria ter sido lembrada por A Árvore da Vida), corre por fora, assim como McTeer que até chegou a surgir como concorrente que podia ameaçar, mas a recepção a seu filme não ajudou muito. E o que a Bejo tá fazendo aqui em coadjuvante se ela é protagonista da história? Pura jogada para ser indicada, sendo a melhor de todas as candidatas. McCarthy se beneficia de um filme que também foi sucesso e só, sendo um mistério sua indicação aqui.

Minha ordem de preferência: Bérénice Bejo, Jessica Chastain, Melissa McCarthy, Octavia Spencer.


Melhor Roteiro Original

O Artista
Missão Madrinha de Casamento
Margin Call - O Dia Antes do Fim
Meia-Noite em Paris
A Separação

Que bonito ver A Separação aqui, o roteiro é a grande força desse filme que cruzou a barreira do estrangeirismo. Ótimo também é o de Margin Call. Mas o favorito é mesmo Allen e seu retorno ao passado, num filme que é sua maior bilheteria de sempre, sendo adorado pela Academia e sem tantas indicações pela quantidade de ótimos filmes que vem fazendo nos últimos anos. Concorrente forte é O Artista caso seja um agregador de prêmios na noite.

Minha ordem de preferência: A Separação, Meia-Noite em Paris, Margin Call - O Dia Antes do Fim, O Artista, Missão Madrinha de Casamento.


Melhor Roteiro Adaptado

Os Descendentes A Invenção de Hugo Cabret
Tudo pelo Poder
O Homem Que Mudou o Jogo
O Espião Que Sabia Demais

A provável vitória de Os Descendentes aqui tem gosto de consolação, além de ser um dos pontos altos da película. Parecia o filme fadado ao Oscar, mas que esbarrou no paredão de saudosismo de O Artista. O Homem que Mudou o Jogo é um possível forte concorrente, já que beisebol é uma paixão dos norte-americanos. Tudo pelo Poder e O Espião que Sabia Demais são bem melhores, mas devem se contentar com a indicação. A Invenção de Hugo Cabret pode surpreender se quiserem valorizar o filme do Scorsese e sua homenagem a George Méliès, mas já acho difícil de acontecer.

Minha ordem de preferência: Os Descendentes, Tudo pelo Poder, O Espião Que Sabia Demais, A Invenção de Hugo Cabret, O Homem Que Mudou o Jogo.


Melhor Animação

Um Gato em Paris
Chico & Rita
Kung Fu Panda 2
Gato de Botas
Rango

Que sorte, hein Rango! As Aventuras de Tintim foi desconsiderado pela Academia, muito por conta do processo de captura de movimento que polemiza sobre o verdadeiro trabalho de “animar”. E olha que o filme do Spielberg estava ganhando muita coisa na temporada. E ainda teve a pixar que cometeu, justo ano passado, um filme fraquíssimo e não muito bem visto depois de uma série de filmes de sucesso, revertidos em Oscar. Ou seja, o caminho foi aberto para Rango e a empresa independente de George Lucas. E digo, merecidíssimo. A continuação de Kung Fu Panda pode ameaçar, mas acho difícil. E legal indicarem Um Gato em Paris e Chico & Rita, animações tradicionais, de traços simples, embora não sejam grandes filmes. Gato de Botas é um azarão aqui.

Minha ordem de preferência: Rango, Kung Fu Panda 2, Um Gato em Paris, Chico &Rita, Gato de Botas.


Melhor Filme Estrangeiro

Rundskop (Bélgica)
HearatShulayim (Israel)
In Darkness (Polônia)
Monsieur Lazhar (Canadá)
A Separação (Irã)

Um dos burburinhos mais controversos que li nos últimos dias foi de que talvez a vitória aqui esteja com Agnieszka Holland e seu In Darkness. Parece improvável já que o iraniano A Separação vem ganhando tudo, tendo sido lembrado também em roteiro. Mas não descartaria uma vitória surpresa do candidato polonês, filme sobre o Holocausto, tema tão caro aos votantes da Academia, de uma diretora erlativamente conhecida em Hollywood. Acho difícil, mas é um número reduzido os que votam aqui e a categoria já nos trouxe surpresas. Mas continuo apostando em A Separação, esse grande filme, um dos melhores dessa edição do Oscar.

Minha ordem de preferência: A Separação, Rundskop (Bullhead).

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Sem nuance, sem cor

Histórias Cruzadas (The Help, EUA/Índia/Emirados Árabes, 2011)
Dir: Tate Taylor



Que os negros foram vítimas de preconceito racial por muito tempo nos Estados Unidos, disso eu já sabia (e continuam sendo, como em muitos outros lugares do globo). Que a segregação racial era permitida por decreto de lei até pouco tempo, eu também já tinha conhecimento. Que as relações trabalhistas para essa parcela da população eram ainda mais complicadas e exploradoras, não é difícil imaginar. Que os negros tiveram sua história manchada pela imposição de superioridade dos brancos, isso é o mais lamentável de tudo. Então, o que Histórias Cruzadas tem de relevante para contar?

Se “nada” é a resposta mais pertinente a essa questão, o filme se torna ainda mais desproposital em seu intuito inicialmente benevolente por se configurar como uma colagem de histórias de vidas marcadas pelo preconceito latente de uma tal sociedade. Conhecemos o ponto de vista de várias mulheres negras e seus casos de discriminação, mas o filme não consegue apresentar nenhuma delas como algo que fuja do óbvio. Pior, o filme alcança, quase sempre, o tom da caricatura e do maniqueísmo, simplificando ainda mais a situação que quer combater, mirando no preconceito e acertando no constrangimento.

Parece haver boas intenções em denunciar o preconceito racial, mas é tudo tão raso que fica difícil encontrar razões para falar bem do filme. E é muito fácil ficar do lado dos oprimidos e dos coitadinhos, em detrimentos dos patrões maus e desrespeitosos, quando esses últimos são pintados como grandes vilões, esquecendo-se de motivos sociais, históricos e políticos. Assim, o filme se torna até ingênuo, não dá pra levá-lo tão a sério como a situação pede, e esse é seu maior pecado.

Há ainda um certo servilismo no ar quando uma jovem jornalista, branca, decide escrever um livro que relata as histórias das empregadas domésticas, negras, no estado do Mississipi, em plena década de 60. É preciso que um branco seja o anjo redentor da classe oprimida, que com sua bondade é responsável por tentar mudar a vida realmente difícil daquelas mulheres.

Aí, o que deveria ser emocionante e verdadeiramente triste, acaba soando como algo forjado para aquilo, e não funciona. O filme ainda se ancora em boas atuações, como a de Viola Davis, interpretando uma das principais empregadas e dona de uma história de vida dura, que encontra força para denunciar sua dignidade ferida há tempos, defendendo sua personagem sem exageros dramáticos. O mesmo não se pode dizer das atuações caricaturais de Octavia Spencer (a que carrega mais nos trejeitos), Jessica Chastain e Bryce Dallas Howard. Destaque também para uma Alisson Janney que administra uma personagem com mais nuances que as outras.

E é exatamente isso que falta em grande parte dos papéis do filme. A questão do preconceito racial possui muito mais raízes, contrastes e desdobramentos do que o filme apresenta, o que adianta pouco para discutir o problema com um mínimo de relevância. Enfim, é uma obra com claro propósito de emocionar com movimentos rasteiros, vangloriando-se de seu espírito aparentemente engajado, mas que diz muito pouco sobre o assunto sobre o qual se debruça.

Disfarçada de libelo contra o preconceito que não consegue sair do lugar-comum negros-oprimidos X brancos-opressores, Histórias Cruzadas só tem algo de bom: a constituição técnica de época, com ótimos trabalhos de direção de arte e figurinos, esses últimos estilosos ao extremo, inclusive os das empregadas pobres. É como um embrulho bonito para um conteúdo que não tem nada de belo, nada de limpo. Tão asséptico como a maneira utilizada para falar de tema tão espinhoso e contundente.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Puro de sangue e de coração

Cavalo de Guerra (War Horse, EUA, 2011)
Dir: Steven Spielberg



O que faz um filme ser piegas? Até que ponto a pieguice pode ser tolerável ou extrapola o bom senso? É interessante pensar nessas questões à luz do novo filme de Steven Spielberg, bastante acusado por parte da crítica e do público de ser exatamente emotivo demais, lacrimoso ao extremo. Acredito que muito por conta dessas opiniões, fui para a sessão do filme imaginando que encontraria uma obra bastante chorosa. Mas qual a minha surpresa ao me deparar com uma história tocante (com sua dose de pieguice sim, porque estamos falando de Spielberg), mas em nenhum momento ridícula na sua emotividade. Às vezes, parece prestes a derrapar por esse caminho, mas sempre se recupera a tempo.

Cavalo de Guerra está longe da alcunha de meloso que andam pintando, coisa que o próprio diretor realmente já fez anteriormente, como em Amistad e A Cor Púrpura. Talvez resida aí certa resistência, birra mesmo, contra o diretor quando esse seu mais novo filme tem um pé, sim, no dramalhão. Acusam o filme de manipulador. Mas qual arte mais manipuladora e calcada na farsa do que o próprio cinema? Spielberg se utiliza da relação construída entre seres humanos e um animal para falar de lealdade e amizade, temas bastante caros ao diretor. Porém, no fundo, parece uma história sobre instinto, esse que cria conexões entre seres vivos de forma inexplicável.

O filme é como uma sinfonia de corações puros. O cavalo, nascido na fazenda de uma humilde, mas trabalhadora, família, vai passar por diferentes donos no decorrer dos conflitos da Primeira Guerra Mundial, quando tiver de ser vendido para que eles não percam a fazenda para um rico arrendatário. Seu primeiro dono, o garoto Ted Narracott (Jeremy Irvine), será o responsável por domesticar o animal bravio e irascível, conquistando sua confiança.

E é nas mãos do jovem ingênuo que o filme mais abusa do tom emotivo, com o garoto fazendo cara de choro cada vez que ameaçam o animal. Mas depois dele, todos os demais que, por força do acaso, se afeiçoarem ao bicho, terão seus destinos traçados pelos caminhos trágicos da guerra. Aí, o filme administra muito melhor as relações de comunhão entre homem e animal, acrescentando anseios e preocupações pessoais desses novos "donos", que não estejam ligados somente à tentativa de preservar a a vida do cavalo, antes a suas próprias. Além de que o processo se revela cíclico, muito bem orquestrado por um roteiro que não deixa nenhuma das reviravoltas soarem forçadas (talvez somente a última).

Plasticamente, o filme é um deleite. A fotografia primorosa de Janusz Kaminski, parceiro habitual do diretor, valoriza os planos abertos da paisagem rural do Reino Unido e da França (que lembram o melhor John Ford em sua grandiosidade épica no western). Trabalho semelhante em qualidade vem de outro colaborador inseparável de Spielberg, o compositor John Williams, conferindo tom épico à música, presente a todo o instante na narrativa (trilha melhor, inclusive, do que fez para o recente As Aventuras de Tintim, do mesmo cineasta).

Além de momentos esteticamente belíssimos, existem cenas de pura força dramática: a alimentação pelas costas, a invasão ao acampamento alemão, o conflito nas trincheiras, o resgate do cavalo preso no arame farpado. Nenhuma delas piegas. Mas há de se destacar também uma cena final belíssima, fotografada com extrema beleza, essa sim feita para chorar, mas nunca piegas porque é honesta com seus personagens e com a sensibilidade do espectador. Cavalo de Guerra termina fazendo jus a cada lágrima de emoção derramada porque sabe quando elas podem brotar com sinceridade.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Cinema de fascínio

A Invenção de Hugo Cabret (Hugo, EUA, 2011)
Dir: Martin Scorsese



“Que filme lindo esse trabalho de Martin Scorsese”. Diante dessa frase minha, um amigo achou estranho aquele adjetivo referente a um filme do mesmo diretor de Taxi Driver, Os Bons Companheiros, Os Infiltrados. Pois A Invenção de Hugo Cabret é lindo mesmo, um Scorsese lúdico como nunca se viu em sua filmografia, enveredando por caminhos distintos, abraçando a tecnologia 3D com a garantia de quem faz valer suas potencialidades e criando ainda uma das mais lindas homenagens ao cinema dos primeiros tempos. Em especial a Georges Méliès e sua veia criativa que dotou o cinema do fascínio pela ficção e pela fantasia.

Seria um filme marcadamente infanto-juvenil, ingênuo mesmo, se não fossem as referências explícitas à história do cinema, o que não deixa perder a graça para os mais novinhos, mas que serve para conquistar qualquer apaixonados pela sétima arte. Adaptado do livro homônimo do norte-americano Brian Selznick, A Invenção de Hugo Cabret é um deleitosa viagem pelo universo esperançoso de um órfão que mora entre as paredes de uma estação de trem da França no início do século passado, cuidando e dando corda aos relógios do lugar, ofício herdado do pai.

Hugo (Asa Butterfield) é esse menino solitário, obcecado por desvendar o mistério que cerca um autômato (boneco mecânico feito de metal que imita os movimentos dos humanos) deixado pelo pai (Jude Law). Seu encontro inicialmente desastroso com o velho dono de uma loja de bugigangas na estação (Ben Kingsley) e também com a neta deste (Chloë – Grace – Moretz), vai lhe abrir outros caminhos e algumas grandes surpresas (e para o espectador também, principalmente quando se revela a verdadeira identidade de um dos personagens).

Há de se pontuar que a direção de Scorsese continua vigorosa e segura, mas por vezes o ritmo da narrativa vacila, ou se demora um pouco para alcançar seu desfecho nas sequências. O fator emotivo também se estende em alguns momentos, sendo uma grande preocupação do filme, ainda mais na parte final. Mas nada que faça perder o interesse na história, principalmente quando ganha o tom é de aventura, e há muitos destes. Há ainda proximidades bastante interessantes entre o universo diegético do filme e sua relação direta com o cinema. Primeiro, o mundo dos relógios, engrenagens e maquinarias remete ao próprio cinema enquanto artifício, trabalho manual (que dá muito trabalho, ainda mais naquela época), como se mostra na última parte da película.

Além disso, toda a beleza visual, onipresente na narrativa, parece remeter ao universo onírico e suntuoso da imaginação, da criação lúdica, algo que o cinema começou a imprimir na tela, causando fascinação. Assim, o filme é dotado de um trabalho estético impecável e de extremo bom gosto, desde a reconstituição detalhista de época, à luminosidade gritante e a uma trilha sonora viva, resplandecente. Há muito tempo que um filme não parecia reunir um conjunto técnico que fosse tão impactante e também importante para a narrativa, a ideia de fantasia e sonho lúdico fazendo soltar aos olhos (e ouvidos) tamanha a beleza plástica.

E vindo de um mestre inconteste do cinema, é também uma grande alegria poder presenciar um uso tão bom do recurso 3D, sem exageros, em meio a tantos exemplares desastrosos que vemos por aí nos cinemas. A história contada aqui está acima do exibicionismo dessa técnica, que se preocupa com a supervalorização de determinados objetos de cena, como ponteiros de relógio, trens, fumaça, fogos de artifício (é exemplar, por exemplo, como o diretor utiliza o efeito para alargar a cara de um personagem a fim de torná-lo mais ameaçador). Mas mais que isso, o 3D permite também a configuração, de novo, de uma atmosfera de fantasia e sonho, uma fuga do mundo real para revelar justamente o quanto o cinema tem de tão mágico e fabular. É como se o filme precisasse ser feito em 3D.

Grande celebração do poder do cinema enquanto artifício do sonho, A Invenção de Hugo Cabret se revela um dos desfrutes mais belos que Martin Scorsese pode nos oferecer. O diretor das narrativas policias e violentas nos entrega aqui uma história de coração, singela e plena, renovando o amor ao cinema e sua potência universal de criação de mundos. Reverencia o gênio criador do homem que vislumbrou o status de arte desse invento para nos fazer acreditar, mais de cem anos depois, que o cinema permanecerá vivo enquanto houver quem ainda o leve adiante com respeito e sabedoria.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Cinema de outrora

O Artista (The Artist, França/Bélgica, 2011)
Dir: Michel Hazanavicius



De longe, poderia espantar que um filme francês, mudo e em preto-e-branco, fosse um dos trabalhos mais festejados nessa temporada de prêmios norte-americanos. Mas tudo se torna compreensível quando se percebe que O Artista é uma grande celebração do cinema hollywoodiano dos primórdios, dominados pelas histórias de aventura e pelo culto às estrelas, encantando plateias que presenciavam e aprendiam a amar o cinema como novo invento do século XX. Com o apoio da poderosa Weinstein Company, o filme ganhou força nos Estados Unidos e se mostrou como uma irresistível homenagem ao cinema de outrora.

Mais interessante ainda é perceber que o enredo de O Artista é bastante simples e até mesmo ingênuo, não há nada de muito novo ali. Astro do cinema mudo, George Valentin (Jean Dujardin) conhece coincidentemente a aspirante a atriz Peppy Miller (Bérénice Bejo, esposa do diretor). Ela irá fazer carreira como estrela de filmes sonoros, nova sensação que revolucionou a indústria cinematográfica em tempos de quebra da Bolsa de Valores, em detrimento do velho astro que recusava aquela inovação, caindo em ostracismo e decadência. Claro que uma insinuação romântica entre os dois não podia deixar de constar na trama.

O maior dos acertos de Hazanavicius é fabricar seu filme utilizando os recursos cinematográficos usados em fins da década de 20, quando a narrativa tem início. Desde o aspecto de tela “quadrado” (o widescreen só irá surgir na década de 50), o uso de letreiros, exagero nas expressões e gestos dos atores, preto-e-branco das imagens e o recurso do som reservado somente à trilha sonora musical, tudo é reproduzido como se o filme tivesse sido rodado naquela época, o que confere imenso charme ao projeto, num misto de saudosismo e homenagem a um cinema que ficou pra trás.

Mas o diretor não só reproduz o conceito dos filmes dos primeiros tempos, como usa inteligentemente os recursos do qual se mune para construir sua narrativa, dotando-a de ritmo, perspicácia e vigor, mantendo interesse constante. Junta-se à história adorável, um trabalho técnico de primeira, com destaque para uma fotografia absurda de linda, que varia entre a luminosidade de Peppy como nova estrela de cinema e o obscurantismo que a carreira de Valentin passa a assumir, além de uma trilha sonora onipresente como era de se esperar para um filme sem falas (ou quase sem, já que elas também se farão presentes no seu devido tempo).

Interessante notar admiração notável desse diretor pelo cinema norte-americano, principalmente quando descobrimos que seus dois longas anteriores (Agente 177 e OSS 177 – Rio ne Répond Plus, este último ambientado no Rio de Janeiro, ambos protagonizados por Jean Dujardin) são paródias das histórias de agentes secretos, com referência evidente ao personagem 007 e seu mundo de espionagem. A comédia que reina nesses filmes se mantém aqui no novo projeto, também dominado pelo melodrama mais doce.

Nesse sentido, o carisma em alta de Dujardin e Bejo são outra grande força do filme, construindo personagens adoráveis em suas trajetórias opostas, mas de evidente química romântica. O casal de atores encarna perfeitamente o espírito expressivo das atuações daquela época, mas sem nunca ultrapassar o tom.

O filme é ainda repleto de ótimos momentos. A cena do pesadelo sonoro é genial, assim como a última sequência que, além de resolver muito bem o conflito dos personagens num momento crítico, é mais uma afirmação da necessidade do cinema em se reinventar, de seguir adiante, de buscar novas perspectivas e estratégias. Tudo isso para encantar e nos satisfazer. Exatamente o que O Artista é primoroso em fazer.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Nossa linhagem

Os Descendentes (The Descendants, EUA, 2011)
Dir: Alexander Payne



Envolto em classicismo e dirigido sem grandes rigores, Os Descendentes é uma grande surpresa nessa temporada de premiações por ser muito simples na sua forma, mas mantendo o interesse todo o tempo. Muita da responsabilidade recai sobre um roteiro redondinho, carinhoso com seus personagens, maduro, sem que facilite a vida de cada um; no fundo, é uma história dura. Equilibra satisfatoriamente bem o drama pesado e o comentário cômico, mostrando que de boas ideias, mesmo que nunca inovadoras, pode-se fazer um grande filme.

É muito interessante que seja ambientado nas ilhas do Havaí, paraíso turístico praieiro que logo vem à mente quando se pensa em relaxar e curtir a vida, ideia desmistificada já no início do longa. A cidade grande e seus edifícios convivem também com a pobreza e os problemas sociais, e nem todos estão felizes ali. Por sua vez, o diretor Alexander Payne joga no terreno dos dramas familiares que pegam os personagens desprevenidos com algum acontecimento trágico, embora o filme nunca force um tom pesado. As lágrimas serão sempre bem-vindas, assim como algumas risadas para quebrar a tensão emocional.

Isso porque a esposa do advogado Matt King (George Clooney) está de coma no hospital depois de sofrer um acidente de lancha. O casamento já estava deteriorado antes do incidente, mas nesse momento Matt cuida com afinco para que ela tenha conforto e o cuidado necessário. No entanto, a iminência da morte da mulher e a descoberta de que ela tinha um amante complicam ainda mais a situação.

Há ainda uma subtrama que envolve um largo e valioso terreno natural pertencente à família de Matt, descendentes de uma antiga linhagem de monarcas que governavam as ilhas no passado. Sob a custódia de Matt, o local precisa ser vendido para não configurar um monopólio, o que aguça a cobiça dos primos mais gananciosos.

Pois Os Descendentes, em escala maior, é sobre o que deixamos para a posteridade, os laços que construímos e de como somos responsáveis por eles, em especial no âmbito da família. Daí a importância da relação inicialmente conflituosa entre Matt e suas duas filhas, principalmente com Alexandra (Shailene Woodley), adolescente rebelde e cheia de atitude, brigada com a mãe e afastada do pai, de quem desaprova certa atitude passiva demais. Ou seja, tem-se aí um lar desarmônico.

Matt não tem pulso firme para lidar com nenhuma delas. Mas o momento difícil irá aproximá-los inevitavelmente, pondo à prova o próprio papel de pai desempenhado por ele. E o que pareciam desavenças intransponíveis, vão se revelando muito mais desacordos não resolvidos por falta de compreensão e proximidade entre as partes envolvidas (destaque para as ótimas interpretações de Clooney e Woodley, numa química precisa que vai crescendo junto com o filme). Nesse ponto, a narrativa não abre mão de ser cruel com aquelas pessoas, e também não os livra de seus próprios defeitos e atitudes, o que os tornam sempre mais humanos, e, por isso, mais interessantes.

Assim, Os Descendentes se beneficia de uma certa ternura que se revela nas ações de cada um, acompanhada pela complexa relação que se estabelece entre eles (e cada novo personagem que surge vai revelando outras nuances até o fim do filme, sem serem julgados pelo roteiro). O filme respeita o drama particular de todos, assim como as emoções sinceras que podem aflorar no espectador. O exato plano final, quase uma afronta, é também um belo convite para que procuremos investigar e questionar nossas próprias relações com aqueles a quem devemos laços de linhagem, nossas raízes.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Curtinhas

Sapatinhos Vermelhos (The Red Shoes, Reino Unido, 1948)
Dir: Michael Powell e Emeric Pressburger


Apontado como uma das grandes referências para Cisne Negro, esse Sapatinhos Vermelhos é mais uma bela e intensa investida no universo da dança e dos sacrifícios feitos para alcançar a perfeição e o sucesso. Mas aqui, o fator romance entra em jogo através do triângulo amoroso entre a bailarina Victoria (Moira Shearer), estrela do espetáculo homônimo ao filme, e a relação dividida entre o compositor do espetáculo (Marius Goring), sua grande paixão, e Boris (Anton Walbrook), o empresário dono da companhia de dança, a própria representação do poder. Esses dois caminhos que se apresentam a Victoria representam seu dilema, pois o sucesso de sua carreira e estrelato dependem da aprovação e boa vontade de Boris, apesar do seu talento comprovado. E ele está disposto a prejudicar a própria companhia caso não consiga conquistar o amor dela.

A trama do espetáculo, sobre uma garota que calça os sapatos vermelhos que a mantêm dançando até a morte, é o puro reflexo da obstinação, temática maior do próprio longa. A dupla de diretores, que construíram uma bela parceria no cinema, filma com sutileza, mas com enorme beleza visual, além do lirismo romântico que ronda toda a história, fazendo jus ao bom melodrama. A fotografia, levemente embaçada, dota o filme de uma atmosfera quase onírica, acentuando o tom romanesco. Mas o melhor é quando as cenas de dança se afastam do “teatro filmado” e ganham o mais puro espírito cinematográfico, com trucagens, cortes rápidos e transições de cenas que o afastam do mundo dos palcos. Toda a beleza das imagens e da dança para disfarçar as disputas por poder e paixão.


Ataque ao Prédio (Attack the Block, Reino Unido, 2011)
Dir: Joe Cornish


Muito grata surpresa esse Ataque ao Prédio, lançado no Brasil direto em DVD. Filme de invasão alienígena, ambientado no subúrbio londrino dominado pelas gangues de meninos que mal chegaram à adolescência, conta com ótimos personagens jovens, senso de perigo aguçado, além de ser hilário em muitos momentos. O tipo de diversão deliciosa que sabe respeitar a inteligência de quem assiste, consegue surpreender pela seriedade com que desenvolve sua narrativa e ainda encontra espaço para comentários sociais sobre o estado de violência (e de como ele brota) nesses rincões menos “olhados” das grandes metrópoles (nesse caso, ricas). Tudo isso, através da história de aliens perigosos.

A composição visual desses bichos do espaço é das mais interessantes, dos dentes fosforescentes esverdeados ao negrume dos pelos que dificulta bastante a visibilidade por parte de suas vítimas, fazem deles seres curiosos na mesma medida que perigosos. E mesmo que exista uma atmosfera de aventura e adrenalina nas perseguições, eles causam muita sangria entre os personagens, boas doses de violência que não poupam nem aqueles com quem os filme nos faz simpatizar. O roteiro deixa passar situações relevantes (como a não intervenção de mais ninguém exceto dos jovens do bairro, em maioria negros, os párias da sociedade, embora o estado seja de calamidade geral). De qualquer forma, o filme ganha pelas diversas nuances que consegue lançar sobre esses personagens, sem nunca perder o senso de aventura e adrenalina.


Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, EUA, 2011)
Dir: Paul Feig


Eu realmente não vou com a cara de comédias que precisam de personagens idiotas, fazendo coisas idiotas só para soarem engraçados (e acabam soando idiotas). Em certa medida, é o caso de Missão Madrinha de Casamento que se esforça para ser uma comédia escrachada versão feminina de tantas outras por aí em que homens com idade mental reduzida fazem bobagens juntos (Se Beber Não Case é uma primeira lembrança). Aqui, quando a melhor amiga de Annie (Kristen Wiig, também roteirista) a convida para ser sua madrinha de casamento, ela, é claro, se atrapalha completamente nas tarefas de auxiliar a noiva e preparar as prévias do casório, além de amargurar seu próprio encalhamento e vazio emocional. Então começam as trapalhadas que envolvem a entrada em cena de outras amigas esquisitas com quem Annie precisa lidar, além da rivalidade com a socialite Helen (Rose Byrne), muito mais apta para os afazeres da ocasião.

Cada uma delas tão excêntricas como abobalhadas (a personagem de Melissa McCarthy, gorda e solteirona, é a que mais sofre com a caricatura e o exagero para parecer engraçada – e ainda é um mistério para mim sua indicação ao Oscar). Daí que vêm as situações inconvenientes de onde o filme tenta tirar sua graça (sinceramente, moças cagando em pias ou num vestido de noiva não me fizeram rir, tipo de humor escatológico que soa carregado, preguiçoso e datado demais). Mas as coisas mudam quando, na terceira parte do filme, os dilemas de solidão amorosa de Annie e sua relação com os laços de amizade têm maior destaque, as personagens ganham nuances e o filme encontra o caminho entre o carinhoso e o divertido, sem se render a idiotices. Mudança que vem tarde demais.


Toda Forma de Amor (Beginners, EUA, 2010)
Dir: Mike Mills


Toda Forma de Amor tenta se beneficiar bastante de um certo tom melancólico que provém não só do estado de momentânea apatia de um filho (Ewan McGregor), como também da doença terminal de um pai (Christopher Plummer). Acontece que esse pai, agora viúvo, resolveu assumir sua homossexualidade já em idade avançada, o que injeta ao mesmo tempo estranhamento e uma certa coragem nesse filho com dificuldades de manter relacionamentos. Uma pena que o tom de produto indie, apostando em certas esquisitices e tom tristinho, torna muitas coisas no filme dispensáveis e engessadas, girando de forma não-linear sobre sua própria melancolia.

Christopher Plummer, cotadíssimo para o Oscar de coadjuvante por esse trabalho, está bem (é o tipo de premiação pelo conjunto da obra, para os velhinhos). Mas bem mesmo está Mélanie Laurent esbanjando doçura e beleza, numa personagem misteriosa, embora cheia de estranhezas, contornados muito bem pela atriz que faz um ótimo contraponto a McGregor e seu baixo astral. No conjunto da obra, são as atuações, na medida exata, sem exageros, a grande força de sustentação do filme, embalado por um musiquinha doce (e triste, no pianinho, é claro).

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Cédula de melhores de 2011

Link
Nesta época do ano é tempo de escolher os melhores do cinema que chegaram no Brasil em 2011 nas diversas categorias. Além do exercício de julgamento, é preciso votar no Blog de Ouro, prêmio da Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos (SBBC), e também no Alfred, concedido pela Liga dos Blogues Cinematográficos, grupos dos quais prazerosamente faço parte. Embora existam algumas pequenas diferenças entre as duas premiações, minha cédula ideal seria assim:


Melhor Filme

A Árvore da Vida

Cópia Fiel

Um Lugar Qualquer

O Palhaço

Melancolia

Por um fio: Vênus Negra


Melhor Direção

Terrence Malick (A Árvore da Vida)

Abbas Kiarostami (Cópia Fiel)

Sofia Coppola (Um Lugar Qualquer)

Manoel de Oliveira (Singularidades de uma Rapariga Loura)

Agnès Varda (As Praias de Agnès)

Por um fio: Lars Von Trier (Melancolia)


Melhor Atriz

Juliette Binoche (Cópia Fiel)

Yun Jeong-hie (Poesia)

Michelle Williams (Namorados para Sempre)

Karina Teles (Riscado)

Kirsten Dunst (Melancolia)

Por um fio: Yahima Torres (Vênus Negra) e Natalie Portman (Cisne Negro)


Melhor Ator

Selton Mello (O Palhaço)

Javier Bardem (Biutiful)

Ryan Gosling (Namorados para Sempre)

Michael Fassbender (X-Men: Primeira Classe)

Eric Elmosnino (Gainsbourg – O Homem que Amava as Mulheres)

Por um fio: Ryan Gosling (Tudo pelo Poder) e Fernando Bezerra (Transeunte)


Melhor Atriz Coadjuvante

Bryce Dallas Howard (Além da Vida)

Melissa Leo (O Vencedor)

Trine Dyrholm (Em um Mundo Melhor)

Elle Fanning (Super 8)

Charlotte Rampling (Melancolia)

Por um fio: Miranda Colclasure (Turnê)


Melhor Ator Coadjuvante

Christian Bale (O Vencedor)

William Jøhnk Nielsen (Em um Mundo Melhor)

Paulo José (O Palhaço)

Kevin Spacey (Margin Call – O Dia Antes do Fim)

Andy Serkis (Planeta dos Macacos: A Origem)

Por um fio: Dustin Hoffman (Minha Versão do Amor)


Melhor Roteiro Original

Cópia Fiel

As Praias de Agnès

Meia-Noite em Paris

O Palhaço

A Árvore da Vida

Por um fio: Melancolia


Melhor Roteiro Adaptado

Tudo pelo Poder

Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual

X-Men: Primeira Classe

Singularidades de uma Rapariga Loura

Reencontrando a Felicidade

Por um fio: O Mágico


Melhor Elenco

O Palhaço

Tudo pelo Poder

Melancolia

Margin Call - O Dia Antes do Fim

O Vencedor

Por um fio: Potiche – A Esposa Troféu


Melhor Filme Nacional

O Palhaço

O Céu Sobre os Ombros

Riscado

Meu País

As Canções

Por um fio: Transeunte


Melhor Animação

O Mágico

Rango

Kung Fu Panda 2

Enrolados


Melhor Documentário

As Praias de Agnès

As Canções

Crítico

Pacific

Filhos de João, O Admirável Mundo Novo Baiano

Por um fio: Corumbiara


Melhor Filme de Estreia

O Céu Sobre os Ombros

Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual

Margin Call – O Dia Antes do Fim

Gainsbourg – O Homem que Amava as Mulheres

Trabalhar Cansa

Por um fio: Vejo Você no Próximo Verão


Melhor Fotografia

A Árvore da Vida

Rango

Bravura Indômita

Balada do Amor e do Ódio

O Palhaço

Por um fio: Transeunte


Melhor Montagem

A Árvore da Vida

As Praias de Agnès

As Canções

O Palhaço

Singularidades de uma Rapariga Loura

Por um fio: Namorados para Sempre


Melhor Direção de Arte

Balada do Amor e do Ódio

Rango

Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte II

Capitão América

O Palhaço

Por um fio: Meia-Noite em Paris


Melhor Figurino

Um Sonho de Amor

O Palhaço

Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte II

Balada do Amor e do Ódio

Potiche – Esposa Troféu

Por um fio: Fora da Lei


Melhor Trilha Original

O Mágico

Tudo pelo Poder

Rango

A Pele que Habito

Reencontrando a Felicidade

Por um fio: O Palhaço


Melhor Canção Original

“They Don’t Make Mistakes” (Bruna Surfistinha)

“Love Love” (X-Men: Primeira Classe)

“Chanson Illusionist” (O Mágico)

“Rango Theme Song” (Rango)

“Gathering Stories” (Compramos um Zoológico)

Por um fio: “Real in Rio” (Rio)


Melhor Maquiagem

Balada do Amor e do Ódio

Vênus Negra

Lanterna Verde

Cisne Negro

Caminho da Liberdade

Por um fio: Deixe-me Entrar


Melhores Efeitos Visuais

Tio Boonmee que Pode Recordar suas Vidas Passadas

Super 8

X-Men: Primeira Classe

Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte II

Planeta dos Macacos: A Origem

Por um fio: Lanterna Verde


Melhor Som

Missão: Impossível – Protocolo Fantasma

Super 8

O Mágico

A Casa

Carros 2

Por um fio: Thor


Cena do Ano

Aparições durante o jantar (Tio Boonmee que Pode Recordar suas Vidas Passadas)

Trupe na delegacia (O Palhaço)

Atravessando as paredes (A Alegria)

Abandono do lar (Um Sonho de Amor)

Desastre de trem (Super 8)

Por um fio: Dicky canta para a mãe no carro (O Vencedor)


Pior Filme

As Viagens de Gulliver

Elvis e Madona

Burlesque

A Garota da Capa Vermelha

127 Horas

Por um fio: O Turista


Update: Lista de indicados para o Blog de Ouro, aqui. Algumas decepções, mas va lá!

Update 2: Lista de indicados ao Alfred aqui. Também decepciona em algumas categorias, mas tem surpresas em outras.

Filmes de janeiro


1. Contos da Lua Vaga Depois da Chuva (Kenji Mizoguchi, Japão, 1953) ****½

2. Missão Madrinha de Casamento (Paul Feig, EUA, 2011) **½

3. Românticos Anônimos (Jean-Pierre Améris, França/Bélgica, 2010) ***

4. A Missão do Gerente de Recursos Humanos (Eran Riklis, Israel/Alemanha/França/Romênia, 2010) ***

5. Um Dia (Lone Scherfig, EUA/Reino Unido, 2011) *½

6. Corumbiara (Vincent Carelli, Brasil, 2009) ***½

7. Sapatinhos Vermelhos (Michael Powell e Emeric Pressburger, Reino Unido, 1948) ****

8. Bróder (Jeferson De, Brasil, 2010) **½

9. Politécnica (Denis Villeneuve, Canadá, 2009) ***½

10. Nada Pessoal (Urszula Antoniak, Irlanda/Holanda, 2009) ***

11. As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne (Steven Spielberg, EUA/Nova Zelândia, 2011) ***½

12. Ataque ao Prédio (Joe Cornish, Reino Unido/França, 2011) ***½

13. Andrei Rublev (Andrei Tarkovski, União Soviética, 1966) *****

14. Ganhar ou Ganhar: A Vida é um Jogo (Thomas McCarthy, EUA, 2011) **½

15. A Árvore do Amor (Zhang Yimou, China, 2010) ****

16. O Retorno de Tamara (Stephen Frears, Reino Unido, 201o) ***

17. Solaris (Andrei Tarkovski, União Soviética, 1972) ****½

18. O Espelho (Andrei Tarkovski, União Soviética, 1975) ****

19. A Eternidade e um Dia (Theo Angelopoulos, Grécia/França/Alemanha/Itália, 1998) ****


Revisões:

20. Cisne Negro (Darren Aronofsky, EUA, 2011) ****