domingo, 29 de janeiro de 2012

Irregular ingenuidade

Inquietos (Restless, EUA, 2011)
Dir: Gus Van Sant


Nada tenho contra personagens ingênuos e infantis, mesmo quando estes não são mais crianças. O problema é quando o próprio filme assume essas características, vendendo certa fragilidade que acaba soando irritante na sua falta de maturidade. Pois nesse seu Inquietos, Gus Van Sant tenta ao máximo equilibrar história melosa, personagens esquisitos, morbidez e romance, num conjunto que tem boas sacadas aqui e ali, mas que cai nas próprias armadilhas da caricaturas indie bonitinha que irrita. Porém, o resultado poderia ser bem pior, mas existe algo de afeto verdadeiro que ainda salva o filme do desastre total.

Porque só o desenho dos dois protagonistas já é, por si só, bem estranho. Annabel (Mia Wasikowska) é uma garota que sofre de um câncer irreversível, resta-lhe três meses de vida, mas a mocinha é cheia de vitalidade e pureza, fã de Charles Darwin (?!?). Enoch (Henry Hopper, filho de Dennis Hopper) é um órfão revoltado que nutre a mórbida mania de frequentar enterros de pessoas desconhecidas, além de ter como melhor amigo o fantasma de um kamikazi (?!?). Depois de se conhecerem por acaso, os dois se apaixonam.

O primeiro grande impasse dos personagens está no pouco tempo de vida de Annabel, o que não chega a ser um impedimento para o envolvimento de ambos. Aqui, Van Sant usa sua mão sensível para tratar o tema da morte da forma mais sutil possível, fazendo de Annabel uma garota estóica, uma personagem quase surreal. Mas é esse mesmo estado de “desimportância” que parece dotar o próprio filme de impassividade. Ela vai morrer, mas está tudo bem ao redor. Não parece haver choques, conflitos.

É a mesma visão pueril de Enoch, que revela seu lado mais revoltadinhos quando as coisas apertam, como quando Annabel tem uma grave recaída e ele vai lá ordenar ao médico dela que a cure, ou quando ele acusa a tia (que o cria) da responsabilidade pela morte de seus pais num acidente de carro por terem viajado para ir vê-la receber um prêmio. Nesses momentos, o filme não tem muito o que fazer senão dar voz aos ataques imaturos do garoto, numa infantilidade que parece dominar o próprio longa, cuja falta de traquejo (ou negligência) com assuntos mais sérios, mais adultos, é bastante sentida.


Nesse sentido, Hiroshi, o kamizaki morto na guerra contra os nazistas, se mostra como o personagem mais interessante do filme. Sua relação com a morte, além de evidente, é muito pertinente à história. Assume o tom fantástico que se mistura à própria consciência de crescimento pela qual Enoch precisa passar, ganhando ele mesmo a dimensão de um personagem em meio a um conflito próprio. Suas intervenções são os melhores momentos da película.

O filme atesta um distanciamento cada vez maior de Van Sant de um perfil seu de longas como Elefante, Gerry e Paranoid Park, projetos que revelavam um estilo mais pessoal e arrojado. Inquietos, na contramão, parece mais comercial (como um Encontrando Forrester ou Gênio Indomável) no seu embrulho adocicadamente emotivo, sem intenções de ferir ninguém da audiência. Assim, o filme, na sua irregularidade, parece infantil demais para ser levado a sério, assim como seus próprios personagens encerrados num universo paralelo e particular, um mundo de quase fantasias, não fosse a morte a provar sua cruel realidade.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Drama e fantasia

Contos da Lua Vaga Depois da Chuva (Ugetsu Monogatari, Japão, 1953)
Dir: Kenji Mizoguchi


Meu primeiro filme do mestre japonês Kenji Mizoguchi é também uma de suas obras mais festejadas e conhecidas. O título Contos da Lua Vaga Depois da Chuva parece apontar para a reunião de histórias. No entanto, no filme, adaptado de dois contos do romancista Ukinari Ueda, há uma narrativa que une a trajetória de dois homens que ambicionam o sucesso e a riqueza em meio à guerra civil no Japão feudal do século XVI.

Enquanto Genjuro (Masayuki Mori) pretende a todo custo permanecer na aldeia fabricando e vendendo artigos domésticos de cerâmica, mesmo com a eminência de ataques de saqueadores, Tobei (Eitarô Ozawa) pretende se tornar um samurai, embora não possua tanta habilidade com a espada.

O que primeiro chama atenção no filme é como Mizoguchi consegue imprimir uma atmosfera de drama social, depois passear pela história fantasiosa com uma naturalidade impressionante e ainda voltar ao comentário realista ao final do filme. Tudo isso com tamanha precisão e sem mudanças abruptas de tom. O toque fantástico está na aparição de uma misteriosa mulher que surge para Genjuro como uma viúva rica, revelando posteriormente sua verdadeira e bizarra faceta.

Além disso, existe todo um cuidado estético na construção dos planos e da narrativa, uma mise-en-scène sempre muito bem arquitetada, com destaque para longos planos em que a câmera se movimenta discretamente no espaço. Assim, não se pode acusar o diretor de calculista já que todo esse cuidado passa quase despercebido numa rápida visualização (sempre um bom sinal de trabalho bem executado), sem exibicionismos.

Não à toa, o filme levou pra casa o Leão de Prata de direção no Festival de Veneza no ano de lançamento. Cenas como a do encontro com o moribundo no meio do lago, o surgimento inesperado da voz do pai morto da viúva ou o retorno de Genjuro para casa e sua grande desilusão, ficaram famosas pela força de sua encenação, mas também por sua simplicidade estética. A única ressalva ao filme recaia sobre alguns diálogos que soam mastigados demais, como que explicando a situação dos próprios personagens em dada situação, mas nada que pese ou tire os méritos do filme.


A defesa ao feminismo e a denúncia da situação de desamparo das mulheres numa sociedade arraigada em costumes tão tradicionais quanto machistas, defesa pela qual o diretor é sempre apontado, surge no filme na relação que os protagonistas estabelecem com suas esposas (consequentemente, suas famílias). Elas são deixadas de lado pelos maridos quando a busca pelo sucesso exige que eles partam sozinhos para tentar a sorte em outra região mais próspera, abandonando-as ao sabor das circunstâncias de perigo constante.

Como diz Tobei logo no início do filme, “a ambição deve ser ilimitada como o oceano”. Essa mesma falta de limitação que cega e leva à perdição, mas da qual o ser humano nunca deixará de perseguir. Assim, Contos da Lua Vaga Depois da Chuva perpassa pelo drama e pela fantasia para, no fundo, apontar para a ganância que mora no coração do homem e que se sobrepõe à própria família. À própria felicidade.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Melhores e piores de 2011

Cinematograficamente, 2011 não foi assim tão bom quanto anos anteriores (parece uma bronca constante, não?), mas foi quando eu mais vi filmes do ano, especificamente aqueles que estrearam no país entre 1º de janeiro a 31 de dezembro, incluindo os que foram parar direto no DVD. Foram ao todo 167 longas dos quais escolho abaixo os melhores e piores.


Melhores do ano:


1. A Árvore da Vida


Porque é preciso recriar o universo para entender aquilo que nos forma enquanto indivíduos.

2. Cópia Fiel


Porque não seria o cinema uma mera e soberba cópia da vida real?

3. Um Lugar Qualquer


Porque o tempo não para mesmo que nós estejamos em marcha lenta.

4. O Palhaço


Porque nossa vocação pode estar mais próxima do que faz parecer.

5. Melancolia


Porque é preciso encontrar placidez mesmo em meio ao caos.

6. Vênus Negra


Porque a bestialidade humana é a verdadeira aberração.

7. O Vencedor


Porque quem destrói também ama.

8. As Praias de Agnès


Porque a memória ainda está viva.

9. Lola


Porque lutamos contra tudo e todos pela nossa dignidade.

10. Cisne Negro


Porque a perfeição cobra seu alto preço.

11. Meia-Noite em Paris

12. Tudo pelo Poder


13. O Céu Sobre os Ombros

14. Turnê


15. Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual

16. Singularidades de uma Rapariga Loura

17. X-Men: Primeira Classe


18. O Mágico

19. O Garoto de Bicicleta

20. Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas




Piores do ano:

Porque sempre haverá os maus momentos.


1. As Viagens de Gulliver

2. Elvis e Madona


3. O Turista


4. Burlesque

5. A Garota da Capa Vermelha

6. Os Nomes do Amor


7. Sucker Punch – O Mundo Surreal

8. 127 Horas

9. O Buraco

10. Família Vende Tudo


quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Memória viva

As Praias de Agnès (Les Plages d’Agnès, França, 2008)
Dir: Agnès Varda



Agnès Varda faz parte de um seleto grupo de cineastas já velhinhos (Alain Resnais, Manoel de Oliveira) que, mesmo com a idade avançada, ainda filmam com vigor e jovialidade bonitos de se ver. Do pedantismo que se podia esperar, eis que a única mulher da Nouvelle Vague nos entrega um filme sincero e cheio de vida, surpreendente ainda mais por ser um retrato autobiográfico.

Esse tipo de projeto, tão pessoal assim, parece um prato cheio para que qualquer um se perca nas próprias reminiscências. Mas Varda sabe como ninguém explorar os fatos de sua vida sem o menor traço de lamentação ou mesmo de bajulação. Muito pelo contrário, aquela senhora “velhota, roliça e tagarela”, como ela mesma se autodenomina no início do filme, reserva muita ternura e graça para falar de si mesma e dos momentos que marcaram sua carreira, essa que se confunde com a própria Nouvelle Vague.

Varda se mune de fotografias antigas, trechos de filmes e depoimentos (atuais ou gravados há tempos) como faria qualquer outro documentarista. A diferença está na forma como ela apresenta e intercala esses elementos, dramatizando algumas poucas coisas, brincando com os objetos em cena, fundindo imagens, projetando outras em algum ponto do quadro, emprestando seu próprio corpo para relembrar momentos específicos, seja numa balsa, sentada na areia fina, na barriga de uma baleia de pano montada na praia, no pátio da antiga casa reconstruído num estúdio. Enfim, é um filme de entrega.

O melhor, no entanto, é o texto fluido e pontuado de sutilezas e poesia que ela vai costurando (“Se abríssemos as pessoas, encontraríamos paisagens. Mas se abrissem a mim, encontrariam praias”, explica assim o título do filme, revelando sua fascinação por esses lugares). Dessa forma, faz do filme uma surpresa a cada nova cena, em paralelo a uma montagem esperta e dinâmica.

Assim vai se revelando a infância da cineasta, sua transição da fotografia para o cinema, expõe momentos de emoção pura, quando, por exemplo, fala de seu companheiro de longa data, Jacques Demy, também cineasta da Nouvelle Vague (dentre os mais famosos de seus trabalhos, Os Guarda-Chuvas do Amor e Lola, A Flor Proibida) que só a morte os separou. Sabe rir de si mesma e valorizar os vários amigos que a ajudaram nos seus mais diversos projetos.

Varda filma como se a Nouvelle Vague tivesse começado há alguns anos, com sua anarquia, desprendimento e gosto pela experimentação. Mesmo tendo estreado no Brasil com grande atraso (o filme é de 2008), e pouco visto e discutido, As Praias de Agnès revela, mais uma vez, a veia poética da grande cineasta por trás e à frente das câmeras, num documentário lúdico-lúcido dos mais inesperados e gratificantes dos últimos tempos, uma ode ao cinema e ao recordar.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Filmes de dezembro


1. Caro Diário (Nanni Moretti, Itália/França, 1993) ***½

2. Hanna (Joe Wright, EUA/Reino Unido/Alemanha, 2011) **½

3. Tudo Perdoado (Mia Hansen-Løve, França/Alemanha, 2007) ***½

4. Os Olhos de Júlia (Guillem Morales, Espanha, 2010) ***

5. A Hora do Espanto (Craig Gillespie, EUA/Índia, 2011) **½

6. Aprile (Nanni Moretti, Itália/França, 1998) ***½

7. Minhas Tardes com Margueritte (Jean Becker, França, 2010) **½

8. O Gato de Botas (Chris Miller, EUA, 2011) **½

9. As Canções (Eduardo Coutinho, Brasil, 2011) ***½

10. Em Casa para o Natal (Bent Hamer, Noruega/Suécia/Alemanha, 2010) **

11. A Chave de Sarah (Gilles Paquet-Brenner, França, 2010) ***

12. O Solar Maldito (Roger Corman, EUA, 1960) ***

13. O Guarda (John Michael McDonagh, Iranda, 2011) **

14. Capitão América: O Primeiro Vingador (Joe Johnston, EUA, 2011) **

15. Tudo pelo Poder (George Clooney, EUA, 2011) ****

16. Compramos um Zoológico (Cameron Crowe, EUA, 2011) *½

17. Toda Forma de Amor (Mike Mills, EUA, 2010) **½

18. A Última Estação (Michael Hoffman, Reino Unido/Rússia/Alemanha, 2009) **½

19. Corações Perdidos (Jake Scott, EUA/Reino Unido, 2010) ***½

20. Dawson Ilha 10 (Miguel Littín, Chile/Brasil/Venezuela, 2010) **½

21. Missão Impossível: O Protocolo Fantasma (Brad Bird, EUA, 2011) ***

22. Trabalho Interno (Charles Ferguson, EUA, 2010) ***

23. Margin Call – O Dia Antes do Fim (J. C. Chandor, 2011) ***½

24. Natimorto (Paulo Nachline, Brasil, 2009) **½

25. Vejo Você no Próximo Verão (Philip Seymour Hoffman, EUA, 2010) ***

26. Inquietos (Gus Van Sant, EUA, 2011) **½


Revisões:

27. O Céu Sobre os Ombros (Sérgio Borges, Brasil, 2010) ****

28. Cópia Fiel (Abbas Kiarostami, França/Itália/Bélgica, 2010) ****½