quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Panorama Coisa de Cinema – Parte II

Queria não só assistir a mais filmes fora de competição para trazer a discussão sobre eles para o blog (a participação no júri jovem me fez focar muito na Mostra Competitiva Nacional), e também ter mais tempo para escrever sobre o que tenho visto. Mais o tempo é carrasco. Segue alguns abaixo:


Trabalhar Cansa (Idem, Brasil, 2011)
Dir: Juliana Rojas e Marco Dutra


Exibido fora de competição no Panorama Coisa de Cinema, Trabalhar Cansa é um sopro de novidade no cinema nacional se pensarmos na utilização do gênero suspense/terror para a construção de uma narrativa que quer mesmo atingir o comentário social. Encontramos o casal Helena (Helena Albergaria) e Otávio (Marat Descartes) num momento complicado de suas vidas. Ela está fechando a compra de um galpão onde construirá um mini mercado, enquanto ele acaba de ser demitido de seu emprego.

Chama atenção no filme o retrato de uma classe média-média representada por um casal que é empregado e empregador, lutando para garantir sua vaga e permanência no mercado trabalhista, que além de representar a garantia de um padrão de vida, é também fator de dignidade pessoal.

O tom fantasioso entra na história pelo mistério que envolve o estabelecimento e pela atmosfera sombria construída a partir de artifícios emprestados dos filmes de horror: encanamentos apodrecidos que estouram, infiltrações que tomam as paredes, correntes dentadas encontradas nos cantos, portas que batem, barulhos estranhos; uma presa ou garra encontrada no local faz todos coçarem a cabeça.

Essa tensão entre os conflitos que surgem no ambiente de trabalho (Helena tendo que gerir o mercado e lidar com seus funcionários e Otávio passando pelas entrevistas de emprego) e a atmosfera sombria que vai se desenhando é bem trabalhada pelo filme. No entanto, o final parece precisar de um pouco mais consistência para arrematar o filme. Fica a forte impressão de que algo mais ainda vai acontecer. Só que nunca vem.


Odete (Idem, Portugal, 2005)
Dir: João Pedro Rodrigues


Dos filmes do português João Pedro Rodrigues exibidos no festival, Odete me parece dos mais complexos, principalmente na construção dos personagens e em sua relação com a falta de alguém. Quando Pedro (João Carreira) morre num acidente de carro, deixa seu namorado apaixonado Rui (Nuno Gil) arrasado; sua história se cruza com a de Odete (Ana Cristina de Oliveira) uma jovem obcecada por ter um filho e que desenvolve um distúrbio psicológico em que imagina estar grávida de Pedro.

Rodrigues desenha esses personagens, em especial Odete, que ganha um tratamento bem mais generoso do roteiro (tanto em espaço como em respeito), de forma segura, mas que caminha para situações mais intensas e difíceis (a “transformação” de Odete, por exemplo, é interessantíssima). O filme é repleto de simbolismos, como o uso das alianças e a ideia de “concepção” que se dá num cemitério.

Existe todo um tom romântico na narrativa, incitada pela forte presença da canção Moon River (em várias de suas versões), de Henry Mancini, eternizada em Bonequinha de Luxo, que surge em momentos distintos. No fundo, a carência emocional é o que vai unir Odete e Rui, mesmo que a partir da falta dessa terceira pessoa que completaria os sonhos e necessidades afetivas de ambos. E apesar de ter um final redondinho, existe uma grata ambiguidade na forma como esses dois personagens escolhem lidar com essa situação, muito embora nunca saberemos até quando eles irão resistir.


O Sopro no Coração (Le Souffle au Coeur, França/Itália/Alemanha Ocidental, 1971)
Dir: Louis Malle


Na época de seu lançamento, O Sopro no Coração gerou polêmica por tratar de um tema que até hoje se mostra moralmente espinhoso: o incesto entre mãe e filho (e é muito interessante vê-lo pouco tempo depois de La Luna, do Bertolucci, no Cine Futuro – textinho mais abaixo). Embora seja um provocador nato, Louis Malle desenha muito bem seus personagens e suas angústias antes de apresentar essa situação.

Há uma construção bem estabelecida para se chegar nesse ponto crucial, em especial a história desse adolescente, Laurent (Benoît Ferreux), vendo aflorar sua sexualidade, com suas descobertas e também com o empurrão dos irmãos mais velhos e brincalhões.

Existe toda uma atmosfera libertária na forma como o filme lida com essas questões sem um pingo de moralismo, trazendo um frescor dos mais bem-vindos ao longa (não à toa, o início do filme lembra muito uma mistura de Os Incompreendidos, pelo olhar para uma juventude em êxtase, embora burguesa, e Acossado, pelos cortes inusitados).

Há também uma divisão bem clara no filme. Na primeira metade, o diretor formata o ambiente de descoberta desse garoto e sua relação com o pai linha dura (Daniel Gélin) em contraponto com o carinho da mãe (a italiana Lea Massari). No segundo momento, descobre-se que Laurent possui uma doença cardíaca e precisa passar um tempo numa estação térmica com sua mãe. É aí que a relação dos dois se intensifica. No entanto, é resolvida de maneira madura pelo longa, respeitando os anseios dos personagens e o rito de passagem do garoto. O tom final é dos mais agradáveis e descontraídos.

O filme foi exibido no Panorama como parte da Sessão Cineclube. Não sei por que esse diretor ou esse filme especificamente, mas faz muito sentido dentro de um conceito cineclubista de resgate de obras clássicas. Vê-lo na tela de cinema, com todas as falhas da película já gasta arranhando a tela e denunciando seu tempo, foi uma delícia.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Panorama Coisa de Cinema – Parte I

Com a abertura da 7º edição do Panorama Coisa de Cinema (site aqui) na última quinta-feira, dou início (já atrasado) aos posts com os filmes que eu vou vendo. Como fui selecionado para integrar o júri jovem, que escolhe o melhor longa e curta da Competitiva Nacional, não quero escrever sobre os filmes dessas seleções. Depois que o evento terminar, publico minhas impressões sobre esses filmes. Até então, ficamos com esses aqui:


Morrer como um Homem (Idem, Portugal/França, 2009)
Dir: João Pedro Rodrigues


Morrer como um Homem, assim como O Fantasma (texto abaixo), ambos do português João Pedro Rodrigues, parecem filmes muito melhores um tempo depois de vistos do que durante as sessões. É preciso considerar o universo particularíssimo do cinema desse diretor, tanto temática quanto estilisticamente. No caso deste filme, adentramos o universo da transexual Tônia (Fernando Santos), veterana das casas de shows de Lisboa.

Mais que isso, encontramos essa personagem em momento de decadência, tendo de se esforçar para lidar com o namorado viciado em heroína, Rosário (Alexander David), as relações com um filho misterioso sempre fugindo dela (com nossa suspeita de que sequer ele exista), os conflitos com as outras “garotas” da casa de shows e as próprias limitações de seu corpo que já reclama das transformações a que ela se submeteu (silicones que vazam dão muita angústia nesse sentido).

Rodrigues filma com uma segurança incrível os caminhos tortos que essa personagem vai percorrendo, entrelaçada pela culpa católica que ela carrega pelos atos em prol da afirmação de sua sexualidade. Com seus habituais planos longos e tempos mortos, o diretor, além de dar consistência aos dramas dessa sua personagem que já percebe estar numa espécie de ato final de sua própria vida, encontra momentos dos mais nonsense (como o encontro com duas outras transexuais em sua residência no meio de uma mata) e até mesmo fantasiosos (a cena do canto na floresta, por exemplo, que é sublime de tão inusitado e bonito).

O filme só tem a ganhar com tudo isso porque passa do registro real puro e simples da decadência dessa personagem para complexificar ainda mais sua relação consigo mesma e com os que a rodeiam. Ao mesmo tempo, existe toda uma espécie de calmaria e aceitação do fim, apesar de tudo. Se Tônia pretende morrer como um homem, ela permanecerá “viva”, porque lembrada por sua arte, como a mulher que assim se fez reconhecer.


O Fantasma (Idem, Portugal, 2000)
Dir: João Pedro Rodrigues


O que durante a exibição de O Fantasma poderia parecer voltas em torno de uma mesma ideia, foi se revelando algo muito mais pertinente dentro da narrativa. Essa primeira impressão que eu tinha ao ver o filme foi se esvanecendo à medida em que se percebe a importância de uma progressão para a construção desse personagem.

Estamos falando do solitário Sérgio (Ricardo Meneses), catador de lixo em Lisboa que vive à procura de aventuras sexuais com homens desconhecidos, sempre com contornos mais fetichista. E o filme se concentra por muito tempo nos encontros casuais (e mesmo arriscados) do personagem. Ele não possui amigos, e sua companheira de trabalho, que parece se interessar por ele, não encontra o mesmo retorno afetivo.

João Pedro Rodrigues não tem receio de mostrar cenas bem explícitas de sexo, filmadas com rigor ao mesmo tempo que soam muito naturais na narrativa, sem gratuidade. Há poucos diálogos no filme todo também, reforçando a ideia de concentração nas ações sexuais e, principalmente, de solidão como um todo. A necessidade pelo sexo a que Sérgio precisa tanto dar vazão pode ser visto pelo fator instintivo, e o filme revela isso através da forma como ele, muitas vezes, age como um cão, tendo na irracionalidade animal uma representação muito pertinente a ele.

Os perigos que Sérgio corre por conta dessas aventuras (e os que ele inflige aos outros) ganha contornos de degradação moral e perversidade, fazendo esse personagem ir se “transformando” (inclusive, com distinção física) num ser que mais se assemelha a um bicho em busca do prazer, mesmo que a contragosto dos outros. Mas a ideia de “fantasma” é ideal para esse jovem que, à margem da sociedade, parece se refugiar na sombra, encontrar seu lugar nos lugares mais sujos e degradantes, para satisfazer sua loucura, à margem da sociedade.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

CineFuturo 2011 – Parte II

Um das grandes atrativos do CineFuturo este ano foi a mostra dedicada ao cineasta italiano Bernardo Bertolucci, grande homenageado do evento. Minha ideia era fazer dois posts sobre os filmes vistos, mas a vida tá corrida e o tempo não para. Vai tudo num só:


Assédio (Besieged, Itália/Reino Unido, 1998)


Assédio possui todas as boas características do cinema de Bertolucci: o tom politizado, o envolvimento amoroso nunca idealizado, mas muito verdadeiro, a narrativa entrecortada e ágil (que lembra demais o cinema de Jean-Luc Godard, mas bem menos prolixo). No entanto, existe um incômodo pela forma como o roteiro parece expor os dramas de seus personagens de maneira um tanto frouxa, que dificulta um tanto em fazer crer em suas intenções e sentimentos. A protagonista Shandurai (Thandie Newton) é uma refugiada africana na Itália depois que seu marido foi preso por questões políticas e trabalha na casa de um rico músico (David Thewlis) que se apaixona perdidamente por ela.

Quando numa briga, por exemplo, ele assume seu amor por ela, cena e texto soam deslocados, quase que emperrado. Na mesma cena, ela muda de assunto imprevisivelmente e pede para que ele ajude-a a tirar o marido da prisão, em mais um momento deslocado. Outras cenas do filme pecam por esse mesmo constrangimento, embora a vantagem é que Bertolucci nunca se mostra óbvio. A veia politizada do filme surge na forma como expõe os problemas políticos dos países africanos e os governos despóticos que ainda imperavam em alguns deles, mas sem nunca especificar um em questão. Porém, importa mais ao cineasta o dilema dessa personagem dividida entre a luta em reencontrar o marido e a nova paixão pelo músico. O final ambíguo só reforça o tom provocador do filme.


O Conformista (Il Conformista, Itália/França/Alemanha Ocidental, 1970)


O Conformista pode ser visto como uma viagem alucinante na vida de um homem que perdeu a perspectiva de levar uma vida comum, passando a trabalhar para o regime fascista italiano sem necessariamente ser um partidário fervoroso; são somente as forças das circunstâncias, suas motivações não têm nada de ideológicas. Marcello (Jean-Louis Trintignant) relembra sua trajetória durante uma estranha viagem de carro, quando sabemos que ele recebeu a missão de assassinar um antigo professor seu que fugiu e se refugiou na França, e passa a relatar desde o seu envolvimento com o partido, como também o casamento com sua atual esposa, a fútil e expansiva burguesa Giulia (Stefania Sandrelli), além de sua relação distante com a família e a ausência de fé religiosa.

Tudo na vida dele é tratado com frieza. Bertolucci aproveita ao máximo a soberba fotografia de Vittorio Storaro que contrasta cores quentes e frias compondo imagens fortes, cheias de vida, encontrando oposição na passividade total de seu protagonista. A montagem ágil e inteligente já se configura, nesse momento, como uma marca do autor, em que cada corte guarda uma surpresa no sentido de que ele nunca revela o óbvio, além das narrativas paralelas da própria história. Talvez o melhor filme de Bertolucci, O Conformista se arma de um rigor formal classudo para revelar um homem perdido no tempo. O final, ao se inscrever já na decadência do fascismo italiano, aponta para uma nova forma de encarar a sociedade, e Marcello está pronto a aceitá-la sem contestações.


O Céu que Nos Protege (The Sheltering Sky, Reino Unido/Itália, 1990)


Eu já admirava muito esse filme e numa revisão ele conseguiu crescer já que é possível se deter melhor na complexa relação do casal Kit (Debra Winger) e Port (John Malkovich), em viagem pelo norte da África, acompanhados pelo amigo não muito querido George (Campbell Scott). Quando ela, no início do filme, estabelece a diferença entre o turista e o viajante (o primeiro, assim que chega, quer logo ir embora, enquanto o outro pode nunca mais voltar), já se prevê a experiência marcante pela qual os personagens irão passar, embora o tom do filme nunca seja solene. O casal em crise pouco faz para reverter essa situação, eles se desentendem a todo momento (o que faz Port se encontrar com uma prostituta na mesma noite em Kit e George transam), muito embora eles continuem juntos, buscando um no outro uma certa cumplicidade.

Eles parecem saber exatamente isso que se passa, o que fica evidente na sequência em que eles se encontram num penhasco (a mais bonita e também ácida cena do filme). Bertolucci não nos poupa das intempéries do destino, tendo em Kit a personagem que buscará de forma surpreendente superar a lacuna de amor correspondido, se perdendo ela mesma na paisagem africana. Mais uma vez, Vittorio Storaro nos entrega imagens de uma beleza gráfica pela aridez da África. Tão árido quanto os relacionamentos mal-resolvidos de seus personagens, apesar dos desejos que existem.


Beleza Roubada (Stealing Beauty, Itália/França/Reino Unido, 1996)


O aflorar da sexualidade pelas lentes de Bertolucci. Talvez essa seja uma tentativa simplista de definir o filme, mas é uma marca visível trazida pela personagem Lucy (Liv Tyler), americana filha de mãe italiana, que retorna à Itália onde passou a infância e adolescência. O reencontro com os tios, primos e primeiros amores reacende desejos latentes, intensificados ainda mais pela virgindade anunciada da protagonista. Toda a atmosfera sexual ronda o filme, pelo próprio caráter libertário que existe naquela família (fala-se de sexo com a maior naturalidade). Para além disso, há as relações delicadas dela com a própria mãe, que cometeu suicídio, e a tentativa de saber a verdade sobre seu verdadeiro pai que nunca conheceu.

De qualquer forma, o filme é cheio de vigor e de uma tensão sexual incrível. Liv Tyler, luminosa, esbanja sua beleza virginal. Bertolucci filma de forma mais clássica, um tanto diferente de seus filmes mais conceituais, sem imprevisibilidades técnicas (em especial através de uma montagem totalmente linear). O resultado revela um rito de passagem para a idade adulta dos mais bonitos, sincero com os dramas e dilemas emocionais de seus personagens, apontando para a necessidade de se desnudar para se (re)descobrir.


La Luna (Idem, EUA/Itália, 1979)


Se no início do filme há a impressão de que Bertolucci quer levantar uma bandeira denunciando o uso das drogas, vamos logo perceber que seu interesse é outro; caso contrário, não estaríamos falando de um dos mais provocativos cineastas italianos. Caterina (Jill Clayburgh) é uma cantora lírica em Nova York que, depois da morte acidental do marido, precisa criar sozinha o filho Joe (Matthew Barry), problemático e inconsequente, que logo descobre o vício pela heroína. As coisas tomam um rumo surpreendente quando se desenha uma relação incestuosa entre mãe e filho, numa tentativa dela em acalmá-lo em seus estados de euforia, já que ela é pega de surpresa com a situação (inclusive, a cena em que ela flagra pela primeira vez o garoto injetando a droga é sensacional por aquilo que nos faz crer que é, mas que se revela muito mais preocupante).

Mesmo assim, o filme dá muitas voltas para chegar num terço final em que o drama inicial parece perder lugar para outras questões, envolvendo a paternidade do garoto. Não existe uma preocupação do filme em nos mostrar a resolução do vício dele (como seria até uma cobrança descabida pois o filme não se pretende a um estudo de problemáticas sociais, muito menos de lição de moral), mas a narrativa aponta para um final que se abre demais. Nada contra eles, desde quando bem contextualizados na obra. La Luna revela o mesmo Bertolucci provocador e ácido, inserido aqui num contexto novo, mas que peca pela resolução desencontrada da história.


O Último Imperador (The Last Emperor, China/Itália/Reino Unido/França, 1987)


Filme mais quadrado e convencional de Bertolucci (e isso não é pouco se pensarmos nas provocações éticas e estéticas de vários de seus ftrabalhos), O Último Imperador não deixa de ter aquele ar de obra feita por encomenda, muito embora a mão do diretor se revela no grande apuro visual para contar a história de Pu Yi, último imperador da China, levado ao trono com apenas 3 anos de idade e obrigado a viver enclausurado na Cidade Proibida depois de instaurada a República no país. O filme ainda aborda a sua captura pela União Soviética, quando foi exilado na Sibéria como preso político. É aí que o filme se inicia, fazendo seu personagem rememorar sua trajetória de vida.

A pouca aproximação com a história da China pode dificultar o acompanhamento de todas as reviravoltas do filme (a obra, no pior sentido, ganha aqui ares de “filme histórico”, que o deixa muito preso a um certo padrão documental dos fatos). No entanto, Bertolucci contrapõe isso criando um espetáculo visual pomposo e grandiloquente, se beneficiando dos ícones da cultura oriental e da representação de um personagem de linhagem real. Vale destacar como as cenas vão, cronologicamente, perdendo sua coloração viva e os planos mais abertos do início para ganhar mais densidade com uma luz mais fria e planos fechados ao final, proposta condizente com a própria trajetória de seu protagonista.


Ranking Bernardo Bertolucci

Depois dessa maratona, uma lista (que não ofende ninguém) das minhas preferências dentro da filmografia do cineasta:

O Conformista
O Último Tango em Paris
O Céu que Nos Protege
Os Sonhadores
Beleza Roubada
Antes da Revolução
O Último Imperador
La Luna
Assédio


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Um garoto com uma câmera

Super 8 (Idem, EUA, 2011)
Dir: J. J. Abrams


Super 8 são muitos filmes em um só. Os Gonnies, ET – O Extraterrestre, Conta Comigo, Contatos Imediatos de Terceiro Grau, todos esses e tantos outros que povoam a imaginação e a memória afetiva do diretor e roteirista J. J. Abrams se encontram reprocessados na narrativa de seu mais novo filme, extrapolando a simples mania da moda atual de citar referências (explícitas ou não) a outros filmes para criar verdadeiras colagens de detalhes dessas obras.

Se isso confere ao longa uma atmosfera nostálgica de Sessão da Tarde classe A, é também uma das limitações do filme. Isso porque ele deixa de se esforçar para criar algo genuíno, ficando preso a determinados caminhos narrativos. Pelo menos em Super 8 existem muitos desses pedaços que, felizmente, funcionam muito bem quando colados juntos, embora fique na boca aquele gosto de coisa requentada.

De qualquer forma, é uma delícia embarcar na aventura das crianças que, durante as filmagens de um curta-metragem de terror (de zumbis!!!) em super-8, testemunham um acidente catastrófico de trem (filmado maravilhosamente). A suspeita de que alguma coisa fugiu de um dos vagões se confirma pela calamidade que se espalha pela cidade, com ataques a lugares e pessoas por parte de uma criatura que não se sabe o que é.

E esse mistério, na verdade, nem é tão grandioso assim (muita gente vai se decepcionar), embora o roteiro seja redondinho, amarrando até o final todas as pontas soltas que o filme vai deixando. A narrativa se preocupa bem mais com a relação entre os garotos e também em sua perspectiva familiar. Quando Charles (Riley Griffiths), o aprendiz de cineasta, convida a bela Alice (Elle Fanning, uma doçura) para atuar no filme, seu amigo Joel (Joel Courtney) vai experimentar uma paixonite pela garota. O problema é que os pais dos dois não se batem, principalmente porque o pai dela foi responsável indiretamente pela morte recente da mãe de Joel.

Enquanto a descoberta da verdade vai passando por experimentos científicos que envolvem as Forças Armadas, os garotos continuam rodando seu filmete e se aproximando mais da verdade. O filme consegue manter o ritmo constante, embora algumas sequências pareçam exageradas (como o ataque dos tanques descontrolados à cidade).

Se o filme parece trazer escrito na testa “Spielberg, eu te amo”, é porque muito do tom de suas aventuras rondam Super 8. Estão lá os conceitos de amizade e companheirismo juvenis, o senso de aventura, o fascínio pela vida extraterrena e a prepotência do ser humano (leia-se, os adultos). J. J. Abrams se assemelha a esse garoto que tomou o gosto pela câmera e pelos filmes B, filmando como quem brinca de fazer cinema, referenciando seu mestre e se divertindo ao mesmo tempo. Se o filme peca pelo excesso de citações, pelo menos é uma grata diversão para nós também.


PS: Durante os créditos finais é exibido o curta completo que os garotos estão fazendo durante o filme. É uma delícia, produto B trash delicioso de se ver.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Paz no caos

Melancolia (Melancholia, Dinamarca/Suécia/França/Alemanha, 2010)
Dir: Lars Von Trier



As primeiras imagens de Melancolia trazem o pior do cinema de Lars Von Trier: cenas oníricas superestilizadas em câmera lenta que criam uma atmosfera fake e exibicionista, beirando o puro exercício de estilo (que lembra muito o início forçadíssimo do péssimo Anticristo). Parece que o filme vai desandar ali. Mas depois disso, após instalar o tom apoteótico, a narrativa toma um rumo certeiro, dividido em duas partes bem distintas que resolvem belissimamente bem o filme, apesar do clima totalmente pessimista.

É Von Trier na sua melhor forma porque ele sabe exatamente onde quer chegar, suas provocações têm substância e isso facilita bastante a aceitação de suas excentricidades (inclusive no que diz respeito ao largo uso dos efeitos especiais). As irmãs Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg) são os opostos que entrarão em reverso no decorrer do filme, sendo elas que nomeiam as duas partes da história.

A primeira metade é tomada pelo casamento de Justine com Michael (Alexander Skarsgård), totalmente organizado por Claire, sempre correta e sisuda, enquanto Justine se mostra deslocada e pouco interessada em todas aquelas ritualidades fúteis. Na verdade, ela vai trazer à tona sua tristeza latente, gerando desconforto geral. Aqui, o filme revela uma mulher insegura e imatura, fazendo pesar o clima onde devia haver festa. Justine não está bem.

No pós-casamento fracassado, é a vez de Claire mostrar toda a sua insegurança com a aproximação do planeta Melancolia e seu possível choque letal com a Terra. É quase como se o sentimento de Justine ganhasse materialidade na forma de um imenso planeta. Nesse momento, Justine sai da debilidade para encontrar uma certa paz de espírito, enquanto todos ao redor vão perdendo o controle dos nervos.

Nesse sentido, Von Trier faz um uso bastante pertinente de câmera. Enquanto a primeira parte é tomada pelo movimento trêmulo e vacilante das imagens, perfeito para transmitir o descontrole emocional de Justine (e o desconforto geral, inclusive da plateia), o segundo momento assume um tratamento mais fixo de imagem, condizente com o estado de calmaria que Justine começa a sentir (e transmitir), apesar da calamidade que se anuncia.


E assim tem-se a maior potencialidade de Melancolia: a construção sólida de dois momentos distintos, mas que dialogam muitíssimo bem entre si, sem que Von Trier precise dar explicações do porquê do comportamento das irmãs, muito menos sob quais circunstâncias aquele planeta pode vir a se chocar com a Terra. O mérito do filme é criar complacência na mais total desarmonia.

Kirsten Dunst, em seu provável melhor desempenho em um filme, merece com louvor o prêmio de Melhor Atriz conquistado em Cannes. Mas há de se fazer jus a todo um elenco em alta sintonia, em especial Charlotte Gainsbourg, tão importante contraponto no filme. Participações de Charlotte Rampling e John Hurt são sensacionais.

Dialogando com as particularidades do filme catástrofe, Von Trier prefere filmar a catástrofe emocional que parte de uma irmã à outra, mas tomando Justine como sua maior protagonista. É ela quem melhor vai conseguir se desamarrar das regras sociais e apegos do mundo físico, encontrando sua paz de espírito na percepção do fim, sem temer. O pessimismo comum do cinema de Von Trier se explicita na fala de Justine: “A Terra é má, ninguém vai sentir falta dela”. Aos que ficam, é preciso encontrar paz no caos.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

CineFuturo 2011 – Parte I

Depois de passada a correria do Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, volto ao blog depois de um tempo parado para repassar, com mais calma, o que vi durante o evento. Começo com aquele que era um dos filmes mais esperados.


O Homem que Não Dormia (Idem, Brasil, 2011)
Dir: Edgard Navarro


Apesar de ter uma carreira bem consolidada de curtas e médias-metragens, de onde se destaca Superoutro (até então seu melhor trabalho, um grito inteligente de anarquia), o baiano Edgard Navarro ganhou maior visibilidade ao sair com as mãos cheias de prêmios (seis, no total) do Festival de Brasília de 2005 para o seu bem acabado Eu Me Lembro, estreia do diretor no longa-metragem. Justo por isso, seu próximo trabalho, O Homem que Não Dormia, trazia boas expectativas, que acabou frustrando muita gente.

Parece até que a distinção dos prêmios subiu à cabeça do realizador que, para seu novo projeto, não se preocupou tanto com o foco de sua narrativa, embarcando numa espécie de egotrip que gerou uma história confusa e sem liga, apesar das várias boas ideias espalhadas. O mais interessante é descobrir que a história acompanhava Navarro há mais de trinta anos, para só agora ganhar forma.

Numa cidade do interior baiano, cinco pessoas vivem atormentadas por um mesmo pesadelo que não os deixa dormir, envolvendo um barão, um tesouro escondido e trovões. Quando um peregrino (Luiz Paulino dos Santos) chega à cidade, as pessoas o reconhecem como o personagem do sonho.

Dito assim, parece tudo no seu lugar. Mas Navarro embaralha as histórias dos personagens, apresentando-os a partir de certos estereótipos (o padre sem fé, a mulher de vida livre, a esposa infiel do coronel, o louco torturado, o epilético), e os flashs da “lenda” do barão que traiu seus companheiros para ficar com um tesouro e acabou amaldiçoado a peregrinar pelo mundo eternamente. Na mesma medida em que muita coisa fica sem explicação (e isso nem é o grande problema), há uma despreocupação em contextualizar a história e a trajetória dos personagens, tornando tudo muito solto no filme.

Existe ainda uma atmosfera que se quer anárquica porque é explícita. O diretor faz questão de dar destaque ao nu, com closes das genitálias de seus atores, numa tentativa infantil de “chocar”, mas que peca por ser bastante forçada e sem propósito. Em Eu Me Lembro, por exemplo, o nu existe, mas é apresentado com muito mais naturalidade dentro da narrativa porque se justifica, dentre outras coisas, pelas novas descobertas de um personagem. Talvez esse seja um ranço do qual Navarro não consegue fugir.

Por outro lado, é interessante notar como a marca visual do cineasta, bastante evidente em Eu Me Lembro, retorna aqui na textura limpa e clara da fotografia. A constituição do ambiente interiorano também é dos mais felizes.

É um filme para se rever, com certeza. Mas as diatribes de Navarro, dessa vez, parecem gratuitas e pouco estimulantes. De provocação por provocação, o cinema já está cheio, e a produção brasileira precisa menos de invenções e mais de consciência criativa. Vontade e vigor, Navarro parece ter de sobra, basta aliar isso a sensatez. Que ele durma bem para pensar no próximo projeto.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Filmes de julho


1. Frenesi (Alfred Hitchcock, Reino Unido, 1972) ****

2. Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague (Emmanuel Laurent, França, 2010) ****

3. Os Imorais (Stephen Frears, EUA, 1990) ***½

4. O Sucesso a Qualquer Preço (James Foley, EUA, 1992) ****

5. Meteorango Kid – O Herói Intergaclático (André Luiz de Oliveira, Brasil, 1969) ***

6. O Bandido da Luz Vermelha (Rogério Sganzerla, Brasil, 1968) ****½

7. Suspeita (Alfred Hitchcock, EUA, 1941) **½

8. Faces (John Cassavetes, EUA, 1968) ****½

9. Noite de Estreia (John Cassavetes, EUA, 1977) **½

10. Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2 (David Yates, Reino Unido/EUA, 2011) ***

11. Quando Fala o Coração (Alfred Hitchcock, EUA, 1945) ***½

12. Não Se Pode Viver Sem Amor (Jorge Durán, Brasil, 2010) *½

13. Sombras (John Cassavetes, EUA, 1959) ***

14. Ladrão de Casaca (Alfred Hitchcock, EUA, 1955) ***½

15. Assim Falou o Amor (John Cassavetes, EUA, 1971) ***½

16. Interlúdio (Alfred Hitchcock, EUA, 1946) *****

17. Desconstruindo Harry (Woody Allen, EUA, 1997) ****

18. Assalto ao Banco Central (Marcos Paulo, Brasil, 2011) **½

19. O Assassino em Mim (Michael Winterbottom, EUA/Suiça/Reino Unido/Canadá, 2010) **

20. O Homem ao Lado (Mariano Cohn e Gastón Duprat, Argentina, 2009) **

21. Marnie, Confissões de uma Ladra (Alfred Hitchcock, EUA, 1964) ****

22. Augusto Boal e o Teatro do Oprimido (Zelito Viana, Brasil, 2010) ***

23. Finisterrae (Sergio Caballero Lecha, Espanha, 2010) *

24. Memórias do Desenvolvimento (Miguel Coyula, Cuba, 2010) ***½

25. Assédio (Bernardo Bertolucci, Itália/Reino Unido, 1998) **½

26. O Conformista (Bernardo Bertolucci, Itália/França/Alemanha Ocidental, 1970) *****

27. Beleza Roubada (Bernardo Bertolucci, Itália/França/Reino Unido, 1996) ****

28. La Luna (Bernardo Bertolucci, EUA/Itália, 1979) **½

29. Djalioh (Ricardo Miranda, Brasil, 2011) *

30. O Último Imperador (Bernardo Bertolucci, China/Itália/Reino Unido/França, 1987) ***

31. O Homem que Não Dormia (Edgard Navarro, Brasil, 2011) **


Revisões:

32. O Grande Truque (Christopher Nolan, EUA/Reino Unido, 2006) ****½

33. Janela Indiscreta (Alfred Hitchcock, EUA, 1954) *****

34. O Céu que Nos Protege (Bernardo Bertolucci, Reino Unido/Itália, 1990) ****½