sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Modestas previsões


Esse é a primeira vez que faço esse tipo de previsão para o Oscar, que como qualquer uma, é uma mera especulação daquilo que achamos, a partir de critérios às vezes pouco confiáveis, que vai acontecer durante a premiação. Mas não custa nada tentar e embora existam desfalques em algumas categorias, pois não pude assistir a todos os filmes (alguns nem foram lançados no país ainda), esse ano, apesar das dificuldades, deu para ver bastante coisa. E ainda tem os prêmios técnicos que são bem mais difíceis de prever.


Melhor Filme:

Conduta de Risco
Onde os Fracos Não Têm Vez
Sangue Negro
Desejo e Reparação
Juno

Se formos pensar no que mais tem cara de Oscar, Desejo e Reparação leva a melhor, mas não tem uma campanha lá muito boa. Os que disparam na frente são mesmo Onde os Fracos Não Têm Vez e Sangue Negro (únicos indicados na categoria de Edição, isso é importante), muito embora não sejam filmes típicos ou clássicos, algo que a Academia costuma premiar. Ao contrário, não são nada fáceis para o público em geral. Juno é bonitinho, o indie da temporada, mas não acredito em sua vitória. Conduta de Risco é para mim o mais fraco de todos, em potencial e como filme também. Se a Academia for corajosa, fica com o filme dos Coen, senão vai preferir a segurança de dar a prêmio máximo para Desejo e Reparação. Eu mesmo fico muito na dúvida, mas prefiro correr o risco.

Meu Palpite: Onde os Fracos Não Têm Vez
Minha Preferência: Onde os Fracos Não Têm Vez (disparado)


Melhor Direção

Joel e Ethan Coen
Paul Thomas Anderson
Julian Schnabel
Jason Reitman
Tony Gilroy


Não acredito que o Urso de Prata dado ao PTA tenha reforçado sua campanha no Oscar, foi muito em cima, mas mesmo assim acredito em sua vitória, principalmente para dividir com o filme dos Coen os prêmios principais, isso se Onde os Fracos Não Têm Vez vencer na categoria principal (quem sabe o inverso?????). Falando neles, são outros candidatos potentes e podem dar um banho nos outros. A indicação do Schnabel foi de consolação por seu filme não ter recebido mais nenhuma outra menção de destaque. E alguém aí sabe por que o Reitman aparece aqui? Prefiro até o Gilroy.

Meu Palpite: Paul Thomas Anderson
Minha Preferência: Joel e Ethan Coen


Melhor Ator:

Daniel Day-Lewis
Johnny Depp
George Clooney
Tommy Lee Jones
Viggo Mortensen


Day-Lewis vem recebendo uma cacetada de prêmios (todos merecidíssimos) por esse seu papel. Parece que ninguém tira dele o prêmio. Acredito que só o Depp ameaça, e embora a Academia já queira dar a ele um Oscar há tempos (essa é sua primeira indicação por um filme do Tim Burton), ainda não é dessa vez. Que bom que lembraram do Lee Jones, ótima atuação. Mas não me animei muito com o trabalho do Mortensen no filme do Cronemberg (que é muito bom). Bom ator, mas só. George Clooney está melhor.

Meu Palpite: Daniel Day-Lewis
Minha Preferência: Daniel Day-Lewis


Melhor Atriz:

Cate Blanchet
Ellen Page
Julie Christie
Marion Cotillard
Laura Linney

Desde o início do ano passado eu ouço falar da potencialidade da Cotillard para receber a estatueta. E parecia que nada ia impedir a francesinha. Mas ela não contava com o preconceito da Academia. A atuação da Christie é ótima mas nada supera a metamorfose que a Cotillard se submeteu para viver a Edith Piaf. Ela está soberba, maravilhosa. Mas parece que vai ser preterida por uma voz que fale inglês (se não me engano, em toda a História do Oscar, somente uma atriz estrangeira, num filme não falado em inglês, já ganhou um Oscar de Atriz: Sophia Loren por Duas Mulheres). Para completar, ainda temos nessa seleção uma Ellen Page mostrando todo o seu talento e uma Cate Blanchet que sofre por causa do insucesso de seu filme; mas são excelentes atuações. Eu adoro a Laura Linney, mas seu filme ainda não estreou por aqui e não pude ver. Que droga!!

Meu Palpite: Julie Christie
Minha Preferência: Marion Cotillard


Melhor Ator Coadjuvante

Javier Bardem
Casey Affleck
Hal Halbrook
Tom Wilkison
Phillip Seymour Hoffman


Essa é a categoria principal com menos filmes vistos por mim, por isso não posso falar muito Mesmo sendo espanhol, Bardem deve levar a melhor aqui, numa interpretação magistral de um assassino sanguinário. Tem recebido uma torrente de prêmios num ano bastante prolífico (fez ainda Sombras de Goya e O Amor nos Tempos do Cólera) e Wilkinson me parece um tanto exagerado em seu papel, embora tenha ótimos momentos. Mas comentam que Affleck pode surpreender e ainda tem o Halbroock, possível candidato ao prêmio, mais pelo conjunto de sua obra. Mas não acredito. É esperar pra ver.

Meu Palpite: Javier Bardem
Minha Preferência: Javier Bardem


Melhor Atriz Coadjuvante:

Cate Blanchet
Amy Ryan
Tilda Swinton
Saoirse Ronan
Rube Dee

Com exceção da Dee, todas merecem ganhar. A Swinton em menor grau, talvez, mas é uma seleção forte. Desde a estréia da pretensa biografia de Bob Dylan, Não Estou Lá, no Festival de Veneza ano passado, a Blanchet vinha se tornando favorita até que a Ryan começou a ganhar vários prêmios por aí prometendo uma boa briga. Ambas estão excelentes, mas contra a Blanchet tem o fato de que ela já ganhou esse mesmo prêmio tempos atrás por O Aviador. E nessa disputa a Dee pode se sobressair ao conquistar a estatueta, mais pelo conjunto da obra do que pelo trabalho em O Gângster, uma atuação mínima e sem muitos atrativos. Saoirse Ronan também impressiona, mas é muito novinha.

Meu Palpite: Amy Ryan
Minha Preferência: Amy Ryan


Roteiro Original

Juno
Lars and the Real Girl
Conduta de Risco
Ratatouille
The Savages

Esse parece ser mais um prêmio consolação já que os candidatos mais potencias aqui são Juno e Conduta de Risco e não estão muito cotados para receberem nenhum dos prêmios principais. Entre os dois, acho que a Academia vai preferir Juno, pois o roteiro do filme é justamente o trunfo dessa produção independente. Se ganhar, mais que merecido. Nem Lars nem Savages chegaram por aqui, mas aguçam minha curiosidade (o primeiro porque tem Goslyn no elenco, o segundo porque tem Laura Linney e Phillip Seymour Hoffman). Mas como Ratatouille deve ganhar como filme de animação, pode ser uma boa surpresa aqui. Conduta de Risco é a zebra.

Meu Palpite: Juno
Minha Preferência: Juno


Melhor Roteiro Adaptado:

Onde os Fracos Não Têm Vez
Sangue NegroD
esejo e Reparação
O Escafandro e a Borboleta
Longe Dela


Aqui a coisa aperta. Desejo e Reparação pode ser consolado com o prêmio, mas Onde os Fracos Não Têm Vez tem bastante potencial com suas reviravoltas e diálogos afiadíssimo; é, para mim, disparado o melhor dos quatro (ainda não vi a produção franco-americana O Escafandro e a Borboleta), mas volto a dizer que não faz o tipo do cinema típico norte-americano. Sangue Negro também não, mas tem bastante potencial e pode ser agraciado. Enfim, categoria difícil. E que bom ver Longe Dela aqui, um roteiro bastante delicado e simples. Tem até mais cara de Oscar, mas esse ano, sem chances.

Meu Palpite: Desejo e Reparação
Minha Preferência: Onde os Fracos Não Têm Vez


Melhor Animação

Ratatouille
Persépolis
Tá Dando Onda

Tá Dando Onda surpreendeu muita gente com sua indicação. Persépolis é um filme francês e ainda por cima em 2D. E será que alguém aí tem dúvida da vitória de Ratatouille? Essa parece ser a mais fácil.

Meu Palpite: Rataouille
Minha Preferência: Ratatouille (não vi os outros)


Outros palpites:

Fotografia:

Meu Palpite: Desejo e Reparação
Minha Preferência: Sangue Negro


Trilha Sonora:

Meu Palpite: Desejo e Reparação
Minha Preferência: Desejo e Reparação


Edição:

Meu Palpite: Onde os Fracos Não Têm Vez
Minha Preferência: O Ultimato Bourne


Figurino:

Meu Palpite: Elizabeth: A Era de Ouro
Minha Preferência: Sweeney Todd


Direção de Arte:

Meu Palpite: Sweeney Todd
Minha Preferência: Sangue Negro


Efeitos Especiais:

Meu Palpite: Piratas do Caribe – No Fim do Mundo
Minha Preferência: Transformers

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Urso duro de roer


Eu sei, estou bastante atrasado para comentar o assunto mas não podia deixar de postar alguma coisa aqui no blog sobre essa vitória do Cinema brasileiro. Tropa de Elite deixa de lado todas as críticas negativas que vem recebendo e é agraciado com o prêmio máximo do Festival de Berlim, exatos 10 depois de Central do Brasil ter recebido o mesmo prêmio (e Fernanda Montenegro ganhar como Melhor Atriz). Dá-lhe Padilha! (acho que Costa-Gavras presidindo o júri deu uma ajudinha, viu). Pena que o Wagner Moura não ganhou como ator. E ainda teve Sangue Negro (outro filmaço) conquistando o Urso de Prata de Diretor. Mais um prêmio gratificante. Enfim, estou felicíssimo, maravilhado!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Navalha na carne

Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (Sweeney Todd – The Demon Barber of the Fleet Street, EUA, 2007)
Dir: Tim Burton

Tim Burton é um daqueles cineastas dos quais eu sempre espero o melhor e Sweeney Todd é só a confirmação do talento dele. Mas é claro que sozinho ele nada seria. Com um Johnny Depp bastante seguro (numa das parcerias mais felizes do cinema recente) e nunca afetado, um roteiro coeso fazendo jus ao estilo do Burton e ainda contribuições técnicas incríveis (fotografia, música, direção de arte), o filme não podia ser menos que maravilhoso.

Acusado injustamente pelo perverso juiz Turpin (Alan Rickman, ótimo) de um crime que não cometeu, o barbeiro Benjamim Burker descobre que na verdade o juiz queira tomar para si sua linda esposa e filha. Depois de quinze anos de exílio, ele volta agora como Sweeney Todd para se vingar. E vai contar com o apoio de Mrs. Lovett (Helena Bonham Carter), antiga proprietária da casa onde ele morava com a família.

O roteiro é bem amarrado e dá conta de desenvolver cada um de seus personagens, mesmo os secundários. Mas são os protagonistas que brilham, perversamente, na tela, caminhando sempre na linha tênue entre o mal e o bem. Mrs. Lovett aceita ajudar mas esconde uma paixão secreta pelo barbeiro, numa personagem difícil e complexa. Nem preciso dizer que Bonham Carter dá conta direitinho de sua persona.

E Depp, sempre talentoso, surge cheio de rancor e com uma frieza cega motivada pelo desejo de vingança. Ninguém escapa de seu ódio, nem mesmo seus parceiros. Mas acima de tudo Sweeney Todd é um personagem trágico, mais até do que imaginamos a princípio.

E é numa Londres sombria e suja onde a trama, cheia de reviravoltas, se desenrola, embalada pelas melodias criadas por Stephen Sondheim, um dos criadores originais do espetáculo da Broadway de onde o filme é adaptado. Mas não há aqui números musicais grandiosos, mas sim o desenvolvimento da história através de canções que confiam no talento de seus atores/intérpretes. Assim como a seqüência final, merece destaque o número em que Todd reencontra suas amigas navalhas – agora suas armas mortais – ao mesmo tempo em que Mrs. Lovett declara o seu amor não correspondido pelo barbeiro.


E a fotografia pesada e dark dá o tom macabro do filme, juntamente com as atitudes perversas de seus personagens (quem seria capaz de rechear suas tortas com carne humana?). Ora, estamos diante de um filme de Tim Burton e mesmo que ele repita a atmosfera sinistra da qual já mostrou em outros trabalhos, o faz aqui como um mestre, se renovando.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Rastro de sangue

Ondes os Fracos Não Têm Vez (No Country for Old Men, EUA, 2007)
Dir: Joel e Ethan Coen


Não sou dos grandes conhecedores do trabalho dos irmãos Joel e Ethan Coen. O único filme deles que tinha visto foi Fargo, o qual não me agradou muito na época (por favor, não me apedrejem, sei que Fargo é adorado por muitos). Mas eis que o excelente Onde os Fracos Não Têm Vez – tradução péssima, diga-se logo – desfez a má impressão. Os Coen me ganharam com esse filme e mal posso esperar para me debruçar sobre sua filmografia.

Quando o solador aposentado e ex-combatente da Guerra do Vietnã, Llewelyn Moss (vivido por Josh Brolin) encontra uma maleta cheia de dinheiro em meio a uma carnificina no meio do deserto do Texas, ele resolve ficar com a grana. Entretanto isso implica em fugir do local, mas vai deixar para trás um rastro de sangue, já que o violento psicopata Anton Chigurh (magistralmente caracterizado pelo ator espanhol Javier Bardem) está atrás da maleta. Munido de um tubo de ar comprimido, Chigurh não vacila em matar com a pistola de gás qualquer um que ultrapasse seu caminho, se revelando um assassino frio e impiedoso.

Vendo assim, imagina-se de pronto grandes cenas de ação e perseguições mirabolantes, mas os Coen privilegiam mais a construção da narrativa, nunca facilitando a vida do espectador mastigando a trama e entregando-a de bandeja. É preciso estar atento aos diálogos e detalhes de cena para ligar as pontas soltas e contribui muito para isso o roteiro enxuto, baseado no livro de Cormac McCarthy. Lenta e gradualmente, o roteiro constrói uma atmosfera minimalista, tensa e repleta de suspense, dando bastante importância aos silêncios (a trilha sonora é ausente no filme) e aumentando, assim, o tom sombrio do filme. Tudo isso não deixa de revelar a direção segura dos dois irmãos.

Belo tratamento também é dado os personagens, lembrando que o filme é destituído de um protagonista e repleto de ótimas atuações. Llewlyn é o cara que vê a chance de ficar rico e abraça a oportunidade com vigor, vivido por um Brolin seguro de seu personagem. Já Javier Bardem inspira perigo com um simples mas penetrante olhar, e toda a sua expressividade ajuda a dar consistência a seu cruel e calculista personagem. E quando digo cruel não estou exagerando, basta ver que ele não faz a mínima cerimônia de assassinar qualquer um. E só um grande ator como o Bardem (provável ganhador do Oscar de coadjuvante deste ano) para não exagerar na caracterização e buscar a frieza nos detalhes mais minimalistas de suas ações.

E falta ainda falar da grata participação de Tommy Lee Jones como o policial encarregado do caso, numa atuação cheia de nuances. É ele quem abre o filme num discurso que revela o desânimo de seu personagem diante dos níveis de violência a qual somos testemunhas nos dias atuais, mesmo sendo ele um oficial experiente. Isso faz do filme um lamento à violência, cada vez mais assombrosa, e nunca sendo utilizada para promover a própria história.

É de Lee Jones ainda a última cena da película, que acaba de supetão e desagradou muita gente. Mas é esse cinema atípico que os Coen praticam e que me surpreendeu muito pelo vigor e também pela quantidade de indicações ao Oscar. Definitivamente, um filme narrativamente tão subversivo como esse não tem cara de Oscar. Quem sabe esse ano a Academia não dá o braço a torcer? Eu ainda fico com um pé atrás, mas que Onde os Fracos Não Têm Vez merece, disso eu não tenho dúvida.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Olhar de criança

Mutum (Idem, Brasil, 2007)
Dir: Sandra Kogut


Desde quando Mutum recebeu o Troféu Redentor de Melhor Filme, prêmio máximo do Festival do Rio ano passado, que minhas expectativas para assistir ao longa só iam aumentando. Fazendo jus à excelente safra de filmes nacionais lançados em 2007, essa estréia da diretora Sandra Kogut na ficção me surpreendeu bastante. Adaptado da obra do escritor mineiro Guimarães Rosa, Mutum é um exemplo claro do quanto de beleza se pode extrair uma narrativa tão naturalista, mas emocionalmente intensa.

Não existe uma trama exata, mas passamos a acompanhar o cotidiano do pequeno Thiago, garoto de 10 anos, e sua humilde família que vive numa região isolada no sertão de Minas Gerais, chamada Mutum. É através de seu olhar inocente que desvendamos o complexo mundo dos adultos, seus conflitos e percalços. Tais dramas atingem o garoto inevitavelmente, obrigando-o a um amadurecimento um tanto precoce.

O roteiro expira uma atmosfera de inocência tamanha que só poderia mesmo fazer parte do universo infantil; as brincadeiras, o teor frágil das conversas e aquelas risadas gostosas que são próprias da alma das crianças. No caso de Thiago, muito dessa inocência é interrompida pela necessidade de lidar com as conseqüências provocadas pelas ações dos adultos (mãe, pai e tio, em potencial, no seu caso). Muitíssimo bem interpretado pelo jovem Thiago da Silva Mariz, o protagonista não tem culpa dos atos de seus familiares, mas mesmo assim sofre os danos de tais atos, tendo que ser “expulso” de seu mundo particular.

Além disso, o texto é de uma sutileza incrível e aposta na sensibilidade do público para conduzir a história, sem nunca cair no exagero (a morte de determinado personagem, por exemplo, é extremamente tocante, mas nunca soa forçada). O filme aposta também na ótima química entre os atores, quase todos desconhecidos do grande público (salvo o sempre ótimo João Miguel interpretando o pai de Thiago) e que possuem uma familiaridade muito grande com o ambiente da fazenda. O elenco foi majoritariamente escolhido entre os moradores das regiões das filmagens.

Com câmera na mão, fotografia natural e privilegiando o som ambiente, com o devido respeito aos silêncios, Kogut transmite leveza ao filme, que não deixa de possuir densidade dramática nos momentos certos. Simples e denso. Complexo e inocente. Acima de tudo.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Mais curtinhas

Em Paris (Dans Paris, França, 2006)
Dir: Christophe Honoré


Em Paris é uma grata surpresa não só pelo inusitado da narrativa, mas por surgir num momento em que as histórias estão cada vez mais repetitivas e caindo na mesmice. Temos aqui a trama de dois irmãos: Paul (Romain Duris), em estado de depressão após ter saído de um conturbado relacionamento com sua namorada e Jonathan (Louis Garrel), um jovem inconseqüente e amante insaciável que não consegue resistir aos charmes femininos. A volta de Paul para a casa onde morava com o irmão e o pai (Guy Marchand), proporciona um interessante estudo de personagens. Mesmo que o filme possua momentos de densidade e pesar, é conduzido com uma leveza e um frescor incríveis, responsabilidade do diretor e roteirista Christophe Honoré que, à lá Nouvelle Vague, desfragmenta a narrativa e consegue transformar o que à primeira vista se mostra complexo em algo simples, porque é carregado de uma humanidade tocante. A relação entre os dois irmãos é de uma sensibilidade pouco vista (e nunca carregada na tela), e cada seqüência do filme é uma surpresa. Mas nada tão belo e inesperado do que uma reconciliação ao telefone. E cantada, ainda por cima.


Across the Universe (Idem, EUA, 2007)
Dir: Julie Taymor


Across the Universe talvez tenha sido um dos filmes mais esperados no ano passado. O trailer pelo menos é excelente, mas pena que o filme não cumpra o que tanto prometeu. Temos a velha história do cara (Jim Sturges) que se apaixona por uma bela garota (Eva Rachael Wood), e ao mesmo tempo se envolvem com as mudanças sociais e políticas de sua época, aqui a década de 60 nos EUA. No formato musical, o filme inverte a estrutura narrativa: não são as músicas que se adequam à história, mas a história que é direcionada pelas músicas, o que deixa o roteiro frouxo e várias coisas em aberto. Tudo isso para que a diretora crie números "espetaculares" para cada canção, deixando a coesão e o andamento da trama para segundo plano. Assim, o grande atrativo do filme são os números musicais, já que as novas versões para músicas clássicas dos Beatles ficaram excelentes (e olha que eu nem conheço tanto o trabalho da banda inglesa). Minhas preferidas no filme são as versões para I Wanna Hold Your Hand e Come Together, mas o melhor número é a do alistamento ao som de I Want You, bastante original. Enfim, um filme popzinho, com roteiro bastante deficiente, mas tem lá seus momentos bonitinhos. E graças a Deus que a última cena não é melosa.


Hairspray – Em Busca da Fama (Hairspray, EUA, 2007)
Dir: Adam Shankman


Talvez eu tenha sido um dos poucos que não gostaram tanto de Hairspray, muito embora o filme já comesse com uma empolgação contagiante ao apresentar uma das personagens mais alegres e eufóricas que apareceram ano passado nos cinemas. Tracy Trumblad (a novata e gordinha Nikki Blonsky) exala felicidade por todos os poros e contra todos os pré-conceitos. Enquanto isso, John Travolta está hilário(a) como a mãe da protagonista, mas a vilã de Michelle Pfeiffer não passa de irritante enquanto Christopher Walken surge apagado e sem sal. Falando nisso, e por mais que a maioria dos números musicais sejam empolgantes, me pareceram um pouco óbvios e não muito originais, da mesma forma que o roteiro. É tudo muito alegre, mas existe certa fragilidade por trás. Mas o que mais me irrita é a tentativa de parecer socialmente engajado, num discurso anti-racista idealizado e até certo ponto forçado.


A Desconhecida (La Sconosciuta, Itália/França, 2006)
Dir: Giuseppe Tornatore


Vindo de Giuseppe Tornatore, responsável por uma das obras-primas mais belas do cinema que é Cinema Paradiso, não imaginava que esse seu novo filme, depois de seis anos de hiato, seria tão bruto e cru. Ao chegar na Itália, a ucraniana Irena logo procura se aproximar de uma família de classe média, revelando uma personalidade má, fria e dissimulada, como das grandes vilãs. À medida que a história avança, descobrimos não só os motivos dessa aproximação, como também, através de rápidos flashbacks, o passado sofrido daquela mulher. Só ao fim iremos perceber que a personagem encontra em suas perversas atitudes uma razão para aquele comportamento. Carregado de cenas fortes, o filme peca por avançar na história muito rapidamente, o que pode confundir o espectador. Com a onipresente trilha do gênio Ennio Morricone, A Desconhecida nos revela o propósito de uma personagem complexa (ou até mesmo dúbia), mas que deixa evidente, ao fim, toda a sua dimensão trágica.