Feliz Natal (Idem, Brasil, 2008)
Dir: Selton Mello
É com um grande vigor que Selton Mello estréia na direção de um longa-metragem. Vigor não só na forma como filma, com longos planos e câmera na mão, destacando especialmente os olhares de seus personagens, mas também na densidade da trama. Na noite de Natal, Caio (Leonardo Medeiros) retorna à casa de sua família para rever a mãe (Darlene Glória), o pai (Lúcio Mauro), divorciados, e o irmão (Paulo Guarnieri). O clima de aparente confraternização logo desaba e escancara as richas familiares que se expõem ainda mais com a visita de Caio. O filme não se prepõe a revelar os motivos de tanta desunião e ódio que vão surgindo na tela; apesar de alguns indícios, a história se interessa mais na desestruturação daquela família que parece não encontrar soluções.
Não é à toa que Caio trabalha num ferro velho, algo bastante significativo para representar um desgaste tão grande daquelas pessoas. A mãe encontra em Darlene Glória a intérprete perfeita para uma personagem tão perdida e descontrolada, dona de cenas intensas como quando, num mesmo plano-seqüência, rejeita o filho, discute com o ex-marido, briga com a nora e acaba desmaiada no banheiro. Tudo isso seguido pela presente direção de Selton Mello que, embora saiba muito bem o que quer, se excede em alguns momentos de exibicionismo técnico. A seu favor, há uma clara influência do cinema da argentina Lucrecia Martel (principalmente pela família em situação estanque e na tragédia que se configura ao fim) e do clima claustrofóbico da obra de John Cassavetes. Por tudo isso, é um talento por trás das câmeras que merece muita atenção.
O Silêncio de Lorna (Le Silence de Lorna, Bélgica/França/Itália /Alemanha, 2008)
Dir: Jean-Pierre e Luc Dardenne
O estilo dos irmãos Dardennes é inconfundível: câmera na mão, justificada pelas situações limites vivenciadas por seus personagens, sempre de moral torta, e longos planos. Junta-se a isso nesse O Silêncio de Lorna um roteiro com alta capacidade de surpreender o espectador. Lorna (Arta Dobroshi) é uma albanesa que vive na Bélgica para, num esquema de casamento comprado, conseguir cidadania belga. No entanto, seu “marido” é um viciado em crack que trará dificuldades para os planos dela. Em vários momentos, a história parece desandar, mas logo as coisas se ajeitam e ganham sentido na narrativa, fazendo jus ao prêmio de Roteiro que os irmãos levaram para casa no último festival de Cannes. A câmera dos irmãos se limita a acompanhar os personagens em suas desventuras, sem interferências. E o que nos filmes anteriores da dupla eram somente ações impulsivas de seus personagens, aqui ganha contornos psicológicos interessantes. Arta Dobroshi, a atriz principal, se agarra com muita intensidade em sua Lorna. Mais uma anti-heroína na filmografia dos irmãos belgas.
Gomorra (Idem, Itália, 2008)
Dir: Matteo Garrone
Gomorra, prêmio especial do júri no último Festival de Cannes, é uma obra bastante sóbria. Para retratar a máfia italiana conhecida como Camorra, o diretor Matteo Garrone se utilizou da história de pessoas envolvidas indiretamente com a organização criminosa, com ênfase nos jovens que desejam ou de alguma forma são impelidos a entrar para o clã. É o caso do garoto que trabalha com entregador de mercadorias, mas como é constantemente testemunha das ações criminosas do grupo, sente fascínio pelo status que poderia alcançar. Ou então os dois jovens delinqüentes e inconseqüentes que querem ser os “reis” do local, enfrentando descabidamente autoridade dos “chefões” do pedaço. Interessante notar como o filme nunca sensacionaliza a máfia, nem tem pretensões de revelar como ela funciona internamente; não existe um tom panfletário de denúncia. A denúncia se faz presente pela simples exposição das ações e conseqüências que provém das atitudes dos personagens (podem eles estar envolvidos com alta costura ou a deposição de lixo tóxico). Talvez essa abordagem diminua o impacto da narrativa, mas constitui uma visão mais naturalista para um filme do gênero.
Um Jogo de Vida ou Morte (Sleuth, EUA, 2007)
Dir: Kenneth Branagh
Se o início do filme promete um embate intelectualizado entre dois personagens dentro de um mesmo ambiente (uma casa equipada com alta tecnologia) por todo o filme, esse efeito se esvai logo que os personagens se mostram tão idiotizados. Milo Tindle (Jude Law) vai à casa de Andrew Wyke (Michael Caine) a fim de convencê-lo a conceder o divórcio a sua esposa, com quem Milo pretende se casar. Começa então um jogo de gato e rato em que cada um tenta desmoralizar o outro. As estratégias dos personagens só não são mais infantis do que a disposição do adversário em comprá-las tão facilmente, num exemplo clássico de narrativa que se desenvolve às custas de atitudes patéticas e forçadas; a coisa pior ainda mais quando notamos tratar-se de personagens tão polidos, tipicamente britânicos. Nem o talento dos atores, principalmente Michael Caine, consegue salvar o filme. Reviravoltas como a que envolve o aparecimento de um terceiro personagem (fictício) piora ainda mais as coisas.