terça-feira, 29 de setembro de 2009

Curtinhas

Há Tanto Tempo que Te Amo (Il y a Longtemps que Je T’aime, França/Inglaterra, 2008)
Dir: Philippe Claudel


A estreia na direção do romancista francês Philippe Claudel rendeu um dos filmes mais cortantes do ano. A história começa com o reencontro entre duas irmãs que não se viam há 15 anos porque Juliette (Kristin Scott Thomas) estava em algum lugar que só descobriremos depois. Léa (Elza Zylberstein), portanto, acolhe a irmã em casa até que Juliette se reestabeleça. O roteiro é hábil em nunca dar respostas rápidas e fáceis ao espectador; as informações surgem no momento certo e sem pressa, o que não deixa de causar apreensão, acrescido de doses de surpresa. Quando Juliette revela, num momento inesperado, onde esteve e por que, o impacto é enorme.

A dor da personagem parece estar estampada em sua expressão e, dessa forma, o grande trunfo do filme é a brilhante atuação de Kristin Scott Thomas, já que sua personagem carrega uma dor enorme consigo e, ao mesmo tempo, busca se reerguer e dar rumo à sua vida. A atriz sabe conferir dignidade a uma personagem tão sofrida em busca de uma redenção. Não que ela precise do perdão das pessoas ao redor, mas no sentido de aprender a conviver com os atos do passado. Há no filme uma bem sucedida tentativa de fugir dos clichês fáceis e consegue nunca ser piegas. Pelo contrário, da contenção de emoção, o filme alcança uma maturidade pouco vista nas telas de cinema.


Cinzas do Passado Redux (Ashes of Time Redux, China, 1994)
Dir: Wong Kar-wai


Não se podia esperar um filme convencional de lutas marciais dirigido por Wong Kar-wai. Na verdade, estamos diante de um filme de amor, como já era de se esperar, acrescido ao estilo wuxia (acontece algo semelhante em seu primeiro – e ótimo – filme, Conflito Mortal, uma história de amor travestida de filme de máfia). Em Cinzas do Passado Redux, o espadachim Ouyang Feng (Leslie Cheung) é o centro da narrativa cujo caminho será cruzado por uma série de personagens; o filme funciona quase como história episódica, dividido pela passagem das estações do ano e pelas pessoas em busca de Ouyang para que ele contrate assassinos profissionais.

O filme, lançado em 1994, foi levemente reeditado (uma espécie de corte do diretor), tendo som e imagens resmaterizados, ampliando assim sua beleza visual. No entanto, por mais interessante que seja a mistura de gêneros, o filme perde força por manter um apelo visual de cartão postal em detrimento à consistência de suas histórias, cujo foco e interesse vão se perdendo com a mesma regularidade com que os personagens desaparecem da narrativa. As cenas de luta surgem como borrões na tela e o apelo fantástico da narrativa podia ser bem mais explorado.


RocknRolla – A Grande Roubada (RocknRolla, Inglaterra, 2008)
Dir: Guy Ritchie


Guy Ritchie pensa que é Quentin Tarantino. Acha que para ser considerado um cineasta pop dos bons, é só encher seus filmes de diálogos “inteligentes", situações nonsense e fazer umas trucagens com a câmera e a edição. Seu filme anterior, o péssimo Revólver, é bem nessa linha e acaba soando pretensioso e vazio. RocknRolla segue o mesmo caminho, embora seja possível encontrar algo um tanto interessante no meio da bagunça. O grupo liderado pelo ator Gerald Butler forma uma espécie de gangue pé de chinelo que, envolvido com dívidas, passa a fazer parte de um esquema de roubo a um grande empresário, arquitetado por sua própria contadora (Thandie Newton).

Há alguns furos no roteiro e a necessidade de chegar ao fim da narrativa com uma virada surpresa, como se Ritchie estivesse dando uma piscadela de cumplicidade para a plateia. Ideia pra lá de batida, assim como todo o filme. Se existe uma certa graciosidade da cena da dança em que dois personagens trocam informações numa festa sem serem notados, esse tipo de originalidade é o que mais falta ao resto do filme. Ritchie precisa se reinventar, urgentemente. E a contar pelo trailer de Sherlock Homes, isso pode demorar um pouco mais. Espero estar errado.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Triste e sereno

Amantes (Two Lovers, EUA, 2008)
Dir: James Gray

Amantes é tristíssimo. Bem melancólico. Muito por conta de Leonard (Joaquin Phoenix), um homem deslocado no mundo que vê no amor a possibilidade de dar um rumo à sua vida estanque. Mas o problema é que o amor surge em via dupla, pois ele conhece a bela e misteriosa Michelle (Gwyneth Paltrow), que parece ter a palavra “encrenca” escrita na testa, e também a doce Sandra (Vinessa Shaw), filha do amigo do pai de Leonard, podendo representar a união das duas famílias, inclusive nos negócios.

Amantes se configura como drama romântico no sentido mais sincero do termo porque a todo tempo temos esse homem dividido entre dois amores, e ele parece gostar das duas mulheres, cada uma com seus encantos. No passado, teve uma desilusão amora que já o fez tentar suicídio e há uma sugestão de que ele sofra de transtorno bipolar. Portanto, é um personagem marcado.

Mas o diretor James Gray se apega a ele e o faz vislumbrar uma possível felicidade que depende de uma escolha: a aventura de ficar com Michelle ou a segurança proporcionada por Sandra. Todos os três personagens são muito bem construídos nas suas naturalidades, ajudados por um roteiro que mescla a atenção de Leonard ente uma e outra.

E é incrível como Gray filma tudo com uma sutileza enorme, principalmente na forma como a câmera parece espiar os passos dos personagens (como nas duas ótimas cenas no telhado) e na sutileza de cada enquadramento.


Fica óbvio também o talento de Gray em dirigir seus atores, a começar por um Joaquin Phoenix luminoso e tristemente intenso, que parece não se esforçar muito para compor seu Leonard. Gwyneth Paltrow parece até outra atriz porque defende sua personagem com uma força invejável, muito provavelmente sua melhor atuação até hoje. Vinessa Shaw surge bela e sustenta bem a segurança de sua personagem.

Amantes me bateu com um misto de surpresa e admiração por Gray, pois eu não era dos maiores fãs de Os Donos da Noite, que melhorou muito numa revisão. O tom dos dois filmes é bem distinto e, da trama policial familiar, o diretor parte para um filme melancólico sobre as possibilidades do amor e a necessidade de fazer escolhas, muito embora o fator família também esteja presente, uma espécie de marca registrada na filmografia do cineasta. Era assim com Caminho sem Volta, segundo filme de Gray, que se aproxima de Amantes em seu tom melancólico. Aquela melancolia de cortar o coração, mas que faz muito bem a quem assiste.

sábado, 19 de setembro de 2009

Retorno às origens

Arraste-me para o Inferno (Drag Me to Hell, EUA, 2009)
Dir: Sam Raimi


Nem é preciso comentar como os filmes de terror dos últimos anos são cada vez mais castigados por produções pasteurizadas. Há de se louvar, assim, o novo filme de alguém que se fez notar em Hollywood por conta das obras de terror trash que realizou nos anos 80. Por isso não é estranho dizer que o filme de Sam Raimi seja uma delícia, não só pelo gosto de filme B (porém com produção de primeira linha), mas também pelo fator comédia muito bem entrelaçado na história.


A analista de crédito Christine (Alison Lohman) está prestes a ser promovida no banco onde trabalha, mas para isso precisa mostrar mais agressividade nas negociações. Por isso, ela acaba recusando o pedido de extensão de empréstimo da casa da velha (e bizarra) Sylvia Ganush (Lorna Raver), que, se julgando humilhada pela moça, lhe lança uma maldição, fazendo com o que o demônio Lâmia venha arrastar a moça para o inferno no prazo de três dias.

É bastante prazeroso ver como Sam Raimi repensa os clichês do gênero terror e os faz encontrar os lugares-comuns do gênero comédia sem nunca soarem forçados, e ainda funcionam muito bem dentro de seus propósitos. Prova disso é a cena do ataque no estacionamento, uma das melhores sequências do filme, que funciona impressionantemente dentro dos dois quesitos.

Por isso, é recorrente no filme aquela sensação de humor negro que faz com que nos auto-recriminemos por estarmos rindo de algo tão assustador, mas ao mesmo tempo inevitavelmente propenso ao riso incontrolável. E talvez por isso seja mais assustador.

A impressão é de que Raimi se divertiu muito durante as filmagens, pois muita coisa parece agradavelmente nonsense, como o fato de Christine se mostrar aterrorizada somente quando ela está sendo atacada por alguma força do mal; fora isso, ela tenta fingir que nada está acontecendo, sempre contando com a ajuda do namorado (Clay Dalton). Num desses momentos de calmaria, ela visita a família do rapaz e o resultado não podia ser menos que desastroso, e terrificantemente engraçado.

Tecnicamente, o filme conta com ótimos trabalhos de som e direção de arte, além de uma das melhores maquiagens o ano, com destaque para a feição macabra da bruxa Ganush e os detalhes de seu rosto desfigurado, com destaque para a dentadura pontiaguda. Pena que os efeitos especiais não sejam dos melhores, mas funcionam bem, principalmente na sequência da sessão mediúnica.

Um outro ponto interessante do filme, e uma das marcas de Sam Raimi em suas obras de terror (como os sensacionais primeiros filmes da trilogia Evil Dead), é que ele não nutre compaixão pelos seus personagens ou pelo menos não os priva de situações trágicas, com consequências terríveis. O saldo final é um filme delicioso, de reciclagem de gêneros, mas que, em sua cena final consegue mostrar como ainda sabe ser aterrorizante.


PS: Por falar em grandes diretores devotados ao terror, é bom lembrar que filmes novos dos mestres George Romero e Dario Argento estão a caminho. Ainda parece haver solução, meus amigos.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Últimos filmes no Semcine


O Seminário chegou ao fim e trouxe poucas coisas boas nos dois últimos dias, exceção clara feita a O Desprezo. Fica um saldo positivo ao fim do evento principalmente por ter proporcionado ao público um contato riquíssimo ao complexo e lírico cinema de Jean-Luc Godard. Por sua vez, a Mostra Internacional não empolgou tanto (e senti muito ter perdido A Boa Vida, de Andrès Wood, diretor chileno do belo Machuca). Agora, aos últimos filmes:


Pau Brasil (Idem, Brasil, 2009)
Dir: Fernando Belens


O público de Salvador encheu o Teatro Castro Alves para prestigiar a estreia do filme baiano Pau Brasil, realizado no próprio estado por artistas locais. Uma pena que o resultado não tenha sido dos mais satisfatórios, embora exista ali uma vontade de fazer um trabalho mais autoral que esbarra justamente na pretensão de ser “forte” ou mesmo bizarro, além da pitada de misticismo. Senti falta no filme de uma consistência maior de direção, já que o roteiro não possui muita força ou a grande quantidade de personagens podiam ter suas histórias mais bem exploradas. Somos apresentados a duas famílias que vivem num pequeno povoado interiorano, não identificado, e possuem desavenças entre si: uma é mais recatada, patriarcalista (pai bruto e autoritário, educação católica para as filhas moças) enquanto os vizinhos são bem liberais (mulher dorme com outros homens, nunca em troca de dinheiro, com a permissão do marido). Como não existe um segmento definido, esperava que os personagens ganhassem maiores contornos, mas o roteiro se acomoda em focá-los alternadamente em suas particularidades, o que é uma pena porque alguns deles, como a mulher liberal, ou seu filho fracote, podiam se tornar bem mais ricos se mais desenvolvidos. Porém, não deixa de ser, plasticamente, uma bela produção do cinema baiano. Que Fernando Belens continue em busca de um cinema mais consistente. Força criativa para isso ele tem.


Kynema Fluxuz Filmes (Idem, Brasil, 2009)
Dir: Pedro Paulo Rocha


Eu juro que entendo os artistas que se propõem a fazer um tipo de obra mais abstrata, anticonvencional, anárquica. Esse tipo de proposta pertence àqueles que são irrequietos de berço e têm o intuito de criar algo novo ou, pelo menos, fora de padrão. Sendo Pedro Paulo Rocha filho do tresloucado Glauber Rocha, não podia ser diferente e os genes do pai com certeza foram legados ao filho no que diz respeito à sua inquietação de fugir dos parâmetros de um cinema convencional. Dito isso, no entanto, é preciso por a mão na consciência e pensar qual a real validade de passar 1 hora e 10 minutos sendo atingido por imagens desconexas em um turbilhão de cenas e sons diversos que não possuem o menor propósito de fazerem sentido. A intenção parece ser a de construir um filme de múltiplas visões e possibilidades de ser (re)feito pelo espectador. Eu não senti vontade alguma de fazer filme nenhum. É uma viagem difícil de embarcar. Exige disposição.


Karamazovi (Karamazovi, República Tcheca/Polônia, 2008)
Dir: Petr Zelenka


Filme de encerramento do Seminário Internacional de Cinema, Karamazovi é quase um embuste, mas tem seus bons momentos. Digo isso porque o roteiro se apega demais ao texto de Dostoievski (Irmãos Karamazovi, óbvio), pois se trata da história de um grupo de teatro tcheco que chega na Polônia para apresentar uma adaptação teatral do texto clássico. Assim, ensaios de cenas inteiras da peça são reproduzidos no filme, deixando pouco espaço para o desenvolvimento dos personagens. Isso soa um tanto como “encheção de linguiça”, não fosse a naturalidade com que o diretor inclui as cenas dos ensaios no meio da narrativa; quando a gente pensa que os personagens estão falando de si mesmos, descobrimos que estão, na verdade, treinando o texto. O personagem mais complexo da trama é o vigia de manutenção do galpão onde a peça será apresentada, pois seu filho sofreu, recentemente, um grave acidente no mesmo local e se encontra em estado grave num hospital. Ele espreita os atores durante os ensaios e talvez seja o que mais sente as palavras do escritor russo, sobre as relações conflituosas entre pai e filhos.


Bem, para finalizar os post sobre o Semcine, deixo aqui meu ranking Godard:

1. O Demônio das Onze Horas
2. Acossado (visto fora do Seminário)
3. O Desprezo
4. Uma Mulher é uma Mulher
5. Alphaville
6. O Pequeno Soldado
7. Carmen
8. Tempo de Guerra
9. A Chinesa
10. Je Vous Salue Marie
11. Passion
12. Nouvelle Vague

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Encerrando Godard no Semcine


O Desprezo (Le Mépris, França/Itália, 1963)
Dir: Jean-Luc Godard



Assim como o primeiro Godard visto no Semcine, o último é mais uma pérola. Depois de tanto Godard na cabeça, O Desprezo soa como uma obra incomum em sua filmografia porque a narrativa é extremamente lenta e plácida, no melhor sentido; é um filme de personagens em que a ação é mais psicológica do que tudo.

Nada de cortes secos, de edição fragmentada, de arroubos estilísticos. Importa no filme a relação entre marido e esposa a partir do momento em que o escritor Paul (Michel Piccoli) começa a desconfiar que sua mulher Camille (Brigitte Bardot, lindíssima) não o ama mais.

Assim, o filme parece pegar emprestada a melancolia de Paul e adota uma postura mais cândida ao registrar, sem pressa, o desmantelo desse relacionamento. Camille, inicialmente despreza Paul por ele se vender aos estúdios de cinema já que foi contratado para reescrever algumas partes do roteiro de uma adaptação do clássico Odisséia (que já está sendo rodado). A intenção de Paul é conseguir dinheiro para dar conforto a Camille, por isso não compreende a atitude da esposa, ainda mais quando ela conhecer e começar a se envolver com o todo-poderoso produtor Jeremy Prokosch (Jack Palance).

O filme traz, então, uma grande preocupação do cineasta, mais uma vez exposta diretamente em sua obra: falar de cinema, mais especificamente do processo de realização cinematográfico. Nesse sentido, é bastante pertinente que o filme dentro do filme, rodado em Roma, seja dirigido por ninguém menos que Fritz Lang (interpretando a si mesmo), cineasta alemão que escapou do país natal nazista, buscando refúgio inicialmente na França, depois no cinema norte-americano (onde realizou grandes obras).

(Interessante pensar nessa questão da feitura dos filmes porque foi essa razão do grande racha entre Godard e Truffaut. Godard não gostou nada, nada quando o amigo fez A Noite Americana, de certa forma uma glamourização do fazer cinema, enquanto ele quis acentuar as dificuldades dos verdadeiros artistas em lutar e se manter no mainstream cinematográfico controlado pelos grandes estúdios. Duas visões distintas do fazer cinematográfico, que distanciaram dois dos maiores expoentes da Nouvelle Vague).

De fato, O Desprezo é uma obra singular na filmografia de Godard pelo tratamento sereno, mas também catalisador de uma crise conjugal. Ao mesmo tempo é doce ao captar toda a beleza e mistério de Bardot, a dor de Piccoli, a melancolia de Lang e, sobretudo, a paixão por um cinema de alto nível.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Jovem espírito

Up – Altas Aventuras (Up, EUA, 2009)
Dir: Pete Docter e Bob Peterson


A única restrição ao alto nível de qualidade dos filmes da Pixar é que sempre esperamos por uma nova obra-prima. Vindo depois da pérola que é Wall-e, Up – Altas Aventuras sofre desse problema ainda mais por ter sido o filme de abertura do Festival de Cannes este ano, recebido com muito entusiasmo. Pode não ser um dos melhores do ano, mas mantém o senso de aventura nas alturas.

À parte a qualidade gráfica dos filmes do estúdio, algo que todos já temos ciência, mais uma vez a Pixar nos apresenta uma história cativante, capaz de divertir e emocionar, e ainda ser consistente em sua narrativa.

O personagem central da vez é Carl Fredricksen, esse velhinho ranzinza (mas de bom coração) que, estando prestes a ser manado para um asilo, prende sua casa a uma infinidade de balões para fazê-la voar e assim fugir dali para ir viver no topo de uma montanha de uma floresta na América do Sul, local onde ele e sua falecida esposa Eli sempre quiseram morar. Só não contava que o jovem e impertinente aprendiz de escoteiro Russel fosse estar na varanda casa no momento do voo.

O roteiro consegue apresentar esses personagens no início de forma exemplar, em especial Fredricksen, desde sua infância quando sonhava em viver grandes aventuras assim como um aviador famoso, o encontro com a menina Eli, com quem mais tarde se casaria, além da vida que construíram juntos, apaixonadamente, até a morte da mulher e sua rotina solitária numa casa rodeada de construções (essa sequência é exemplar no poder de síntese, além de emocionante). Por sua vez, Russel é visto como o garoto solitário, falador e curioso, disposto a ajudar e a ficar no pé do velho. A relação entre os dois vai se fortalecendo e não deixa de ser previsível a proximidade avô-neto.

No entanto, quando os personagens chegam ao local paradisíaco, a narrativa ganha outros caminhos com a inclusão de mais personagens e, apesar de introduzir novos pretextos para mais aventuras, perde um pouco em dinâmica. Os cães que conversam através de uma coleira eletrônica, por exemplo, soam deslocados naquele universo tão natural.

De qualquer forma, o filme celebra a aventura como fator indispensável para a vida e encontra no velho Fredricksen uma estranha representação do espírito aventureiro por conta da idade avançada. Porque depois que uma aventura termina, sempre há possibilidades de começar uma nova, sem receio de ser feliz.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Santo oco

A Festa da Menina Morta (Idem, Brasil, 2008)
Dir: Matheus Nachtergaele



A estreia na direção do ator Matheus Nachtergaele é um filme bastante pessoal, possui carga de autoralidade e sabe ser forte. No entanto, não me diz muita coisa. Quando o filme acaba, fica aquela sensação de que tinha muito mais para oferecer, mas se perde em exageros estéticos e no misticismo que envolve a história, na tentativa de vender algo exótico e não necessariamente uma obra como interesse por aquele ritual que está sendo preparado.

Pois no interior do Amazonas, numa comunidade ribeirinha de pescadores, Santinho (Daniel de Oliveira) possui status de líder religioso porque achou os trapos da roupa de uma menina que desapareceu no lugar e nunca mais foi encontrada. Agora, ele diz receber da menina presságios para o futuro das pessoas e bênçãos para o povo da região. E então, todos os anos as pessoas da região preparam uma espécie de procissão em louvor à menina morta.

Nachtergaele busca um cinema de contemplação, valorizando longos planos e tempos mortos, quase como se o filme pudesse ser visto como uma experiência sensorial. Reforça isso uma maravilhosa fotografia de Lula Carvalho destacando o claro-escuro e enchendo as cenas de contrastes e mistérios. Além do que a própria festa religiosa já possui aquela atmosfera de misticismo, tão própria do interior.

Mas o que o cineasta parece buscar é o desmascaro desse tipo de cegueira religiosa que afeta muita gente. No entanto, por muitas vezes, exagera no tom e parece mais plástico do que consistente nesse propósito. Os personagens são mal construídos e parecem servir como tipos dentro da narrativa, e nem mesmo a qualidade dos atores ajeita as coisas. Jackson Antunes e Cássia Kiss aparecem pouco, mas possuem grande presença (principalmente ela porque surge como a mãe desaparecida há algum tempo). Daniel de Oliveira, por sua vez, surge em overacting e é o que sofre mais pela irregularidade de seu personagem (justo o central).

O filme ainda possui aquela vontade latente de querer chocar o espectador, seja pela afetação histérica de Santinho ou pelo caso de incesto que ele mantém com o próprio pai (incluindo aí uma cena de sexo entre os dois). Nesse sentido, não deixa de ser curioso que o roteiro tenha sido escrito por Nachtergaele em parceria com Hilton Lacerda, o que aproxima o filme de certo cinema pernambucano de “choque” (Baixio das Bestas, Amarelo Manga, ambos do autoimportante Cláudio Assis).

Do exagero e exibicionismo em parecer descolado, o filme dialoga pouco com o espectador; saí do cinema com a sensação de falta, ausência, e menos de provocação e perturbação, como o filme prometia. Não sei, por exemplo, como tanta gente adora a cena em que um rapaz de descendência indígena começa uma dança esquisita e logo é seguido por outros. Parece o tipo de pretensão em soar cult através do esquisito, do insólito, exótico. A mim, tudo soa muito vago.