segunda-feira, 25 de julho de 2011

Roubando oportunidades

Assalto ao Banco Central (Idem, Brasil, 2011)
Dir: Marcos Paulo


É interessante pensar no quanto falta ao cinema brasileiro filmes de gênero. Desde que não seja comédia pasteurizada da Globo Filmes, filme de favela ou de sertão, pouco se faz no país fora dessas vertentes, pensando até num conceito comercial de cinema de qualidade. Nesse sentido, Assalto ao Banco Central vem tentar conferir novos ares às produções nacionais de gênero policial, muito embora os resultados ainda não sejam dos melhores.

Pelo menos é muito mais interessante do que se tem feito em termos dessas narrativas, como em Federal ou Segurança Nacional, por exemplo. O filme de Marcos Paulo se utiliza de um assalto real acontecido em Fortaleza, em agosto de 2005, em que uma quadrilha de bandidos investiram numa organizada logística para cavar um túnel que os conectasse com o cofre do Banco Central, de onde retiraram mais de 160 milhões de reais.

No entanto, não se trata de um filme policial de ação propriamente dita, mas muito mais de estratégia e investigação. Nesse sentido, o filme se divide em dois tempos narrativos, aquele em que mostra a formatação e aplicação do plano dos bandidos, e posteriormente, a investigação policial para encontrá-los e recuperar o dinheiro, se valendo de uma montagem paralela bastante eficiente.

Pena que o desenvolvimento de ambos os centros narrativos pecam, principalmente, por um texto fraco, colocando frases de efeito nos diálogos de praticamente todos os personagens, como se toda sequência precisasse terminar com uma linha de impacto. Quem mais sofre com a fragilidade do roteiro são os personagens de Lima Duarte e Giulia Gam, investigadores policiais que precisam, didaticamente, explicar um ao outro o passo a passo da própria investigação, como se não fizessem parte de uma mesma organização. São os piores momentos do filme.

Já as sequências que mostram os bandidos pondo em ação o plano, principalmente pela dificuldade em cavar o túnel, são melhores resolvidas, mas perdem força por se distanciarem justamente das dificuldades enfrentadas em concluir o plano no tempo estabelecido,. Preferem romantizar um certo triângulo amoroso em que Carla (Hermila Guedes, mulherão estilo femme fatale), mulher do chefe do bando, o Barão (Milhem Cortaz). se envolve com o golpista Mineiro (Eriberto Leão, super canastrão). Não que essas estratégias de ficcionalização não sejam interessantes para o ritmo do filme, mas acaba-se esquecendo da tensão que poderia surgir do plano em si, coisa que o filme desperdiça.

Outro grande problema do roteiro, e que afasta ainda mais o filme da seriedade, tensão e senso de perigo que a história parece sugerir, são os vários momentos de alívio cômico espalhados pela narrativa. Funcionam em sua maioria, mas faz perder de vista a atmosfera de risco tão importante em projetos assim (o personagem gay e evangélico de Vinícius de Oliveira é o caso mais latente disso). Vindo da TV, o diretor Marcos Paulo pouco tem a acrescentar em termos de encenação, embora a montagem nunca torne o filme cansativo.

Mesmo assim, Assalto ao Banco Central vale pela tentativa do gênero, mas frustra pela negligência com que trata seu material. Parece faltar um conceito mais sólido daquilo que um filme policial precisa para manter esse título. Como diz um dos personagens ao saber do plano mirabolante do assalto, “isso é coisa de filme”. Taí o que o projeto e seus envolvidos precisam assumir que é.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Curtinhas – John Cassavetes

Câmera na mão, orçamento reduzidíssimo, atores desconhecidos e amigos, poucas locações, muitos diálogos. Com isso, John Cassavetes realizou aquilo a que chamamos de cinema independente, sendo considerado então o “pai” dessa forma de fazer cinema sem o apoio dos grandes estúdios. Mas longe de ser uma limitação, Cassavetes fez dessa sua prática a potencialização de um estilo que coloca seus personagens em xeque. Pegando carona na mostra promovida pela Sala Walter da Silveira, em parceria com o Cine Sesc, aí vão curtinhas sobre os filmes vistos.


Sombras (Shadows, EUA, 1959)


“O filme que você acabou de ver foi uma improvisação”. Esse letreiro que aparece ao final da projeção de Sombras, estreia de John Cassavetes como diretor, só confirma aquilo que é possível perceber por todos os cantos do filme, mais do que em outros trabalhos do diretor. Envoltos numa atmosfera musical cercada principalmente pelo jazz generation, passeando pelo universo do movimento beat, o filme apresenta uma juventude pulsante, elétrica, como a personagem Lelia (Lelia Goldoni), impulsiva. Ela é negra, mas tem um tom de pele mais claro do que o de seus irmãos; conhece o jovem Tony (Anthony Ray), que vai se bater de frente com os irmãos da moça, no que um deles classifica de “problema racial”.

Não que Cassavetes abra seu filme para a denúncia do preconceito. Ela está lá visível, mas o filme se interessa muito mais pelo movimento incerto dos personagens pela efervescência da cidade, da rua, e mesmo perto da delinquência e desajuste social de alguns deles. Um dos irmãos de Lelia, Hugh (Hugh Hurd), é ele próprio um cantor de jazz, ritmo que empresta seu próprio movimento de improvisação ao filme. Acaba por lhe conferir uma leveza muito agradável na medida em que confia e acompanha os rumos de seus personagens, ainda que incertos. Cassavetes já dá provas de como sabe filmar corpos e principalmente rostos, em sintonia com o espaço ao redor a que pertencem.


Faces (Faces, EUA, 1968)


Aqui temos a conhecida estrutura do filme dentro do filme, embora isso não vá representar nada específico para a história. Só chama atenção o fato de alguém dizer que iremos assistir a uma versão comercial de A Doce Vida; depois disso, a projeção de Faces toma conta da tela e veremos o casal Richard e Maria (John Marley e Lynn Carlin) lidando com o casamento em crise através de traições, ele com a prostitua de luxo, Jeannie (Gena Rowlands), ela com um garotão (Seymour Cassel) que encontra numa balada. A doce vida da qual Fellini tratava era um grande jogo de aparências burguês tão pouco perceptível pela classe, maquiada pela “alegria” da vida.

Essa reflexão cabe perfeitamente aqui. Os personagens, nas muitas conversas que têm, geralmente mostram seu lado mais alegre, bonachão, engraçado, mas são capazes de revelar raiva, angústia e rancor no minuto seguinte, escancarando muito de amargura reprimida. Cassavetes filma tudo isso com a câmera bem próxima de seus personagens, numa encenação corpo a corpo, filmando como ninguém rostos (como o próprio título faz sugerir) e sua riqueza de expressões, se aproveitando de uma iluminação totalmente natural que granula a imagem, representativo ideal da vida crua de seus personagens. Todos em busca de seu lugar no mundo, perdendo a si mesmos no caminho, mas nunca uns aos outros.


Noite de Estreia (Opening Night, EUA, 1977)


Noite de Estreia é uma grande viagem pelos meandros psicológicos de sua protagonista. Aqui, Cassavetes dá toda a atenção a Myrtle (Gena Rowlands), grande atriz teatral que fica transtornada depois que uma insistente fã sua morre ao tentar lhe falar (uma das grandes referências de Almodóvar para Tudo Sobre Minha Mãe, filme inclusive dedicado à Gena Rowlands). O fato vai causar grande trauma nessa mulher de meia idade, causando impacto, principalmente, na forma como a atriz lida com sua idade e o envelhecer. Eis aí o grande tema desse filme. Junta-se a isso a personagem da peça que está encenando, A Segunda Mulher, passar pelo mesmo dilema existencial, o que potencializa ainda mais a desestruturação de Myrtle.

É, na verdade, um filme de desconforto, pois o surto a deixará no limite da insanidade, sempre misturada com boas doses de bebidas, causando um mau estar latente a todos ao seu redor. Embora exista muita substância nessa história, a primeira impressão é de que filme e roteiro não sabem muito bem o que fazer com toda essa situação e as questões que suscitam daí, se estendendo mais do que necessário numa repetição sôfrega do estado de atordoamento de sua protagonista. Não sei exatamente o quanto de improvisação existe no filme, essa que é uma das principais marcas do cinema de Cassavetes, mas aqui reforça certo descontrole das voltas que o filme faz para chegar no mesmo lugar. Mesmo assim, é um assombro ver Gena Rowlands desestabilizada e desestabilizando as pessoas que a cercam (o que lembra muito seu papel em Uma Mulher Sob Influência, embora nesse filme por motivos outros).


Assim Falou o Amor (Minnie and Moskowitz, EUA, 1971)


Depois de tantos casamentos arruinados e desestruturados por seus personagens problemáticos, eis que Cassavetes encontra um caminho oposto nesse seu pouco conhecido Assim Falou o Amor. Aqui, é a construção de um relacionamento o cerne da história, a formação de uma paixão, e das mais improváveis, diga-se. Minnie (Gena Rowlands) acabou uma relacionamento com o namorado problemático e conhece, por acaso, o manobrista desajeitado Seymour (Seymour Cassel, tão mais velho aqui depois de aparecer como um garotão em Faces, três anos antes), ambos adoram ir ao cinema e são fascinados pela figura do ator Humphrey Bogart na tela (temos vislumbres de Casablanca e O Falcão Maltês no filme).

Mas vindo de Cassavetes, não espere por uma história clássica de amor. O filme todo é muito histérico, com Minnie e sua dificuldade de confiar, calejada pelos homens que já lhe fizeram mal na vida, e Seymour e seu jeito hiponga, destrambelhado, sem modos, tentando conquistá-la. Os dois parecem atraídos, mas quando se encontram sempre acontece algo de errado, muitas vezes com resultados desastrosos, o que aumenta bastante a carga de humor do filme (a cena do jantar com as mães de ambos é hilária). Acaba sendo uma relação improvável, até pelos rumos incertos de cada um em suas vidas, mas os personagens não conseguem se manter afastados. Um sopro de carinho e afeição pelas mãos de um cineasta que tanto filmou a amargor e a desilusão.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O embate final

Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2 (Harry Potter and the Deathly Hallows, EUA/Reino Unido, 2011)
Dir: David Yates


A primeira parte do episódio final da saga Harry Potter ultrapassa a metade da história original, deixando para essa continuação todo o clímax que culmina com o tão esperado embate final entre Harry e Lord Voldemort. Daí uma certa preocupação de que o tom apoteótico tomasse de exagero o filme, coisa que não acontece aqui, felizmente.

David Yates, depois que assumiu a franquia a partir do quinto filme, sempre foi competente em estabelecer um clima de perigo e aventura, embora nunca passasse do mediano (O Prisioneiro de Azkaban continua sendo o melhor de todos os filmes, dirigido seguramente por Alfonso Cuarón).

Por outro lado, esse tom muito sóbrio evita que o filme se arrisque em voos mais altos e ousados. Por mais que exista uma tensão bem sentida aqui, o filme não assume de todo a seriedade, contendo vários momentos de alívio cômico (como quando a Profª McGonagall traz as estátuas de pedra à vida para protegerem o castelo, e ela acaba revelando, animada, que sempre quis fazer aquele feitiço).

O fato de se tratar da conclusão da história é o que garante todo o interesse desse filme, caso contrário seria igual aos três últimos, pelo menos. A impressão que fica é de que o final não foi tão grandioso como a história prevê, mas fecha bem uma série que já vinha se repetindo. Na verdade, é um resultado louvável para uma franquia com nada menos do que oito filmes.

De qualquer forma, a velha bronca da historia que parece reciclada e atropelada pelo tanto de informações que precisa mastigar na tela continua existindo, atenuada pelo fato de se tratar de uma parte reduzida do último livro, mas que tem de fechar várias pontas deixadas pela própria história no seu decorrer.


Encontramos Harry e seus fiéis companheiros, Rony e Hermione, prestes a encontrar e destruir mais horcruxes, objetos malignos que contém partes da alma de Voldemort, maneira de enfraquecer o vilão antes do confronto anunciado dele com Harry. Por sua vez, o lorde, de posse da Varinha das Varinhas, roubada do túmulo de Dumbledore, já se sente confiante para atacar Hogwarts e atrair Harry para seu fim.

Além de todo o confronto na escola que precisava realmente de tempo para se desenvolver, e que é um dos pontos centrais da história (inclusive com um ótimo embate prévio entre Harry e Voldemort que não existe no livro), o filme encontra ainda momentos para dar conta de sua carga emotiva. Faz isso com três sequências seguidas e devastadoras, dignas da emoção que carregam. Há toda a desconstrução da figura de Snape como bruxo maléfico, revelando o homem apaixonado por trás de toda a frieza, a demonstração da amizade do trio principal, e, a melhor de todas, o “encontro” de Harry com o pai, a mãe e o padrinho Sirius. Merecem todas as lágrimas derramadas.

Com um uso totalmente descartável do 3D (cada vez mais se firmando como um modismo a caça de lucro por parte dos estúdios), a saga Harry Potter chega ao fim com mais fôlego do que se poderia imaginar. É o encerramento digno de uma das maiores e mais lucrativas franquias que o cinema comercial construiu nos últimos tempos.

sábado, 9 de julho de 2011

Curtinhas

Namorados para Sempre (Blue Valentine, EUA, 2010)
Derek Cianfrance


Para além do marketing totalmente equivocado do filme para o Dia dos Namorados (cartaz, trailer, título traduzido e data de estreia), Namorados para Sempre se revela, desde o início, muito mais do que uma história de amor. O roteiro intercala dois momentos distintos da vida de Dean (o sempre bom Ryan Goslin) e Cindy (Michelle Williams, ótima aqui): as dificuldades de relacionamento depois de casados e já com uma filha pequena, e antes disso quando eles se conhecem. A história, nem um pouco romantizada (no sentido idealista), se forma a partir de uma série de controvérsias e conflitos de vida de ambos, carregando desde já uma dificuldade de vencer esses obstáculos.

Os protagonistas são desenhados de forma crua porque são cheios de defeitos, embora a atração deles seja evidente. Imaturo é outro adjetivo que se aplica bem a ambos pela própria formação pessoal e atitudes cotidianas (ele muito brincalhão, ela facilmente influenciável), não parecem ter segurança do rumo a tomar e por isso se tornarão um casal frustrado; existe mais atração na relação deles do que uma consciência emocional do amor que eles nutrem reciprocamente. A própria estética do filme acentua essas questões, como a fotografia granulada e a câmera na mão que vacila a todo o momento. Vacila como os próprios personagens vacilam naquilo que eles querem em contraponto àquilo que eles realmente conseguem fazer de suas vidas, encontrando um no outro amparo mútuo.


Singularidades de uma Rapariga Loura (Idem, Portugal/França, 2009)
Dir: Manoel de Oliveira


Mais um filme rasteiro, mais uma obra marcada pela concisão e destreza em contar pequenas e potentes histórias. Centenário, Manoel de Oliveira parece ter feito uma promessa de nunca perder a vitalidade criativa e narrativa. Em Singularidades de uma Rapariga Loura ao mesmo tempo em que o diretor é muito contemplativo (o filme tem 60 minutos cravados), sabe também ser direto e incisivo nos momentos certos. Nos traz a história de paixão incondicional de Macário (Ricardo Trêpa) pela bela Luísa (Catarina Wallenstein) assim que a vê na janela segurando um leque, quase que incutindo no jovem um estado de hipnose.

Isso porque o rosto dessa mulher fica marcado, pois é altamente misterioso, parecendo nos dizer (a nós, expectadores, porque Macário está cego de amor e só enxerga beleza) que existe algo de perigoso ali. Macário, no entanto, vai fazer de tudo para consegui-la como esposa, afundando sua própria vida. Estamos no campo das paixões platônicas, mas não podemos esquecer que se trata aqui de uma adaptação de um conto de Eça de Queiroz. Bom realista que é, guarda sua cartada fatal para os últimos minutos. O filme parte de uma história de amor incondicional para ganhar contornos de conto moral ao se revelar emocionalmente devastador para seu protagonista (algo que ele já demonstra desde o início quando conta sua história no trem). É também uma forma de mostrar como uma “singularidade”, um detalhe de personalidade nos afasta (ou atrai) em alguém. E de como um cinema tão singular como o desse senhor português pode nos fascinar tanto.


Um Homem com uma Câmera (Chelovek s Kino-apparatom, União Soviética, 1929)
Dir: Dziga Vertov


Se a década de 20 no cinema russo foi altamente marcada pelo experimentalismo e, principalmente, pelas inovações do recurso de montagem, elevado-a ao grau máximo da poética cinematográfica, Um Homem com uma Câmera pode ser considerado o filme síntese desse conceito, um dos primeiros e mais felizes experimentos do cinema sobre sua própria linguagem, naquele momento em alta expansão. O filme parece reunir as noções da montagem dialética desenvolvida e teorizada por Eisenstein (embora existisse certas rixas entre ele e Vertov) e os experimentos pioneiros de Kulechov. Mas existe claro no filme a consciência de incluir o cinema como artifício de representação da vida social, para além de uma pura metalinguagem. O homem filmando com a câmera ou a montagem na ilha de edição aparecem no filme como a própria realidade retratada.

Temos essa câmera que percorre uma cidade captando momentos os mais variados e comuns da rotina cotidiana, ao mesmo tempo que experimenta os mais diversos recursos da linguagem fílmica, sejam ângulos diversos, fusões, cortes secos e rápidos, divisões de tela, capazes de deixar muita gente hoje em dia de queixo caído com tamanha experimentação e inventividade para um filme daquela época. Há todo um vigor formal que pensa o cinema e suas potencialidades como um olho que enxerga o mundo ao redor. Talvez seja uma ideia simples, mas isso aí é cinema puro.


Homens e Deuses (Des Hommes et des Dieux, França, 2010)
Dir: Xavier Beauvois


Não consigo entender como tanta gente vem superestimando tanto essa produção francesa. Homens e Deuses não é só correto em sua abordagem, mas bastante sóbrio e preciso naquilo que quer narrar (ajudado por uma bela fotografia naturalista), revelando total respeito pela história dos monges católicos que, vivendo num mosteiro na Argélia e se dedicando a ajudar a população pobre local, foram ameaçados, sequestrados e mortos por fundamentalistas islâmicos em meados dos anos 90. Um bom filme, mas não vejo maravilhas. Acho que tem vencido pela simplicidade e força de sua história sem nunca impor isso em sua narrativa. O diretor Xavier Beauvois filma tudo com muita calma e complacência, revelando o dia-a-dia daqueles homens dedicados à vida sacra e seu ofício humanitário.

Mas há também muita coisa não dita que se apreende nas entrelinhas do filme, da mesma forma que a história não se preocupa em se aprofundar as relações sociais e políticas que cercam a formação e ação daqueles grupos islâmicos que criam uma onda de terror e intimidação nas pessoas da região. Existe ainda um contraponto interessante que o filme trabalha muito bem: o cotidiano pacato da vida no mosteiro e a tensão trazida com a ameaça terrorista. A cena do jantar ao som de O Lago dos Cisnes é linda, bastante comentada, mas me toca mais o momento em que todos os monges estão orando na capela, ouvem o som de um helicóptero, pressentem o pior, e se abraçam, entoando um cântico sacro. A solenidade é de deuses, mas a materialidade é dos homens. Homens de fé, mas principalmente de coragem.

PS: Confira aqui a ótima entrevista com Jean-Pierre Schumacher, um dos dois monges que se salvaram do sequestro, falando publicamente pela primeira vez 15 anos depois do trágico episódio.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Movimento duplo

Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague (Deux de la Vague, França, 2010)
Dir: Emmanuel Laurent


Gratíssima surpresa esse documentário. Se de longe pode parecer um mero artifício para falar do início do movimento francês no final da década de 50, e de sua enorme contribuição para a história do cinema, ou de apenas vangloriar as figuras de seus dois principais expoentes, Jean-Luc Godard e François Truffaut, o documentário focaliza a relação dúbias entre os dois, enquanto remonta uma época de efervescência cultural e política das mais interessantes.

Essa relação dual é o que mais chama atenção no filme. Godard e Truffaut são geralmente vistos como os grandes amigos que ergueram a Nouvelle Vague, com ajuda de muitos outros, claro, mas pouco se diz dos conflitos entre eles, que culminarão numa cisão sem retorno (Truffaut morre em 1984 sem se reconciliar com seu ex-companheiro).

Por mais que possuíssem uma visão crítica do cinema bastante parecida, como a noção largamente difundida do cinema de autor, e defendiam idéias de produção muito próximas, havia, desde o início da aproximação deles, certa rixa. O documentário mostra isso, por exemplo, quando Truffaut vai apresentar Os Incompreendidos no Festival de Cannes (que marca didaticamente o início da Nouvelle Vague), e Godard permanece em Paris se sentindo “fora” do movimento.

E essa dualidade se mostra evidente na própria obra que os dois vão construir ao longo de suas carreiras. Truffaut, embora crítico de cinema combativo e incisivo, que não perdoou o cinema francês “pasteurizado” da época, se mostrou um terno diretor, mais próximo ao classicismo do bom cinema norte-americano. Por sua vez, anarquia e iconoclastia marcam o cinema de Godard e sua irreverência narrativa, talvez o maior esteta do movimento.

Antoine de Baecque, ele que é biógrafo de Godard e Truffaut, ex-crítico e ex-editor-chefe da Cahiers du Cinéma, assina o roteiro do documentário com um texto charmoso e conciso, que mantém o ritmo interessante até o fim, com um foco preciso entre os anos de 1959 e o pós-maio de 68 quando os dois precursores vão entrar em confronto mais direto.

Interessante como o filme se constrói a partir de um recorte de imagens de época, seja de diversos filmes (não só dos dois cineastas em evidência, mas de uma série de referências importantes) ou de momentos pessoais, inclusive nas entrevistas que usa. Ao invés de se apoiar em estudiosos atuais ou mesmo os envolvidos ainda hoje vivos, o filme prefere resgatar depoimentos de época de Godard e Truffaut, principalmente, mas também de gente como André Bazin, Jacques Doniol-Valcroze, Henri Langlois, Pierre Kast, num resgate documental muito bom, além de cartas e textos dos dois expoentes.

O filme inclui ainda a atriz Isild le Besco no tempo atual como personagem que está resgatando todo esse percurso histórico, revelando a relação dos dois cineastas e a eclosão do movimento ao mesmo tempo. Num dos melhores momentos do filme, ela sobrepõe fotos que revelam a união deles dois em torno do ideal da Nouvelle Vague, mas também deixam claros os caminhos diferentes que eles tenderão, infelizmente (ou não?) a tomar.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Filmes de junho


1. Estrada Perdida
(David Lynch, EUA/França, 1997) ****½

2. Transcendendo Lynch (Marcos Andrade, Brasil, 2009) ***

3. Belíssima (Luchino Visconti, Itália, 1951) ***½

4. Uma História Real (David Lynch, EUA/França/Reino Unido, 1999) ***½

5. X-Men: Primeira Classe (Matthew Vaughn, EUA, 2011) ****

6. Singularidades de uma Rapariga Loura (Manoel de Oliveira, Portugal/França/Espanha, 2009) ***½

7. Namorados para Sempre (Derek Cianfrance, EUA, 2010) ***½

8. A Culpa é do Voltaire (Abdellatif Kechiche, França, 2000) **½

9. O Pai dos Meus Filhos (Mia Hansen-Løve, França/Alemanha, 2009) ***½

10. Copacabana (Marc Fitoussi, França/Bélgica, 2010) ***

11. Xeque-Mate (Caroline Bottaro, França/Alemanha, 2009) *½

12. Os Nomes do Amor (Michel Leclerc, França, 2010) *

13. Um Gato em Paris (Alain Gagnol e Jean-Loup Felicioli, França/ Holanda/Suíça/Bélgica, 2010) ***

14. Vênus Negra (Abdellatif Kechiche, França/Itália/Bélgica, 2010) ***½

15. Uma Doce Mentira (Pierre Salvadori, França, 2010) **

16. Potiche: Esposa Troféu (François Ozon, França, 2010) ***½

17. Como Você Sabe (James L. Brooks, EUA, 2010) ***½

18. Trapaceiros (Woody Allen, EUA, 2000) ***

19. Meia-Noite em Paris (Woody Allen, EUA/Espanha, 2011) ****

20. Kung Fu Panda 2 (Jennifer Yuh, EUA, 2011) ***

21. Coral de Tóquio (Yasujiro Ozu, Japão, 1931) ***½

22. Coração Caprichoso (Yasujiro Ozu, Japão, 1933) ****

23. Sobrenatural (James Wan, EUA, 2010) **½

24. Homens e Deuses (Xavier Beauvois, França, 2010) ***

25. O Buraco (Joe Dante, EUA, 2009) *

26. Rocco e Seus Irmãos (Luchino Visconti, Itália/Itália, 1960) ****½

27. Carros 2 (John Lasseter e Brad Lewis, EUA, 2011) **

28. Liza (Marco Ferreri, Itália/França, 1972) **

29. Viver a Vida (Jean-Luc Godard, França, 1962) ****


Revisões:

30. O Jardineiro Fiel (Fernando Meireles, Reino Unido/Alemanha, 2005) ***½

31. X-Men – O Confronto Final (Brett Ratner, EUA/Reino Unido/Canadá, 2006) ****

32. Um Corpo que Cai (Alfred Hitchcock, EUA, 1958) *****