domingo, 29 de setembro de 2013

Festival do Rio 2013


Oportunidade para ir para o Festival do Rio este ano surgiu meio por acaso, acrescido de uma vontade que aumentava à medida que as atrações iam sendo divulgadas. A programação está cheia de coisas que crescem os olhos, e isso faz uma grande diferença quando há tanto para se ver e escolher.

Como as coisas foram caminhando para que a cobertura do evento se tornasse uma realidade pra mim, chego na Cidade Maravilhosa para o meu primeiro Festival. O ritmo de maratona é igual ao das grandes mostras de cinema, como a de São Paulo. A ideia é não deixar escapar aqueles filmes badalados de gente boa que se destacou no último ano, mas também se arriscar e conhecer novos filmes, diretores e olhares.

Tentarei escrever aqui no blog as primeiras impressões sobre todos os filmes vistos, mas também alguns textos poderão ser encontrados no site Coisa de Cinema. Que venham os filmes, então. A fome é sempre grande.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Medos clássicos

Invocação do Mal (The Conjuring, EUA, 2013)
Dir: James Wan


É muito curioso e gratificante ver que Invocação do Mal não traz nada de novo no front dos filmes de terror (nem parece querer essa posição), mas consegue feitos muito bons de tensão e horror. Dentro de um gênero tão mal tratado e que carece de bons exemplares recentes, isso é muita coisa, ainda mais por uma obra tão clássica, sem firulas. Sua história parece um requentar de tantas outras que vemos há tempos, com os mesmos elementos de sempre, mas funciona muitíssimo bem ao que se propõe.

Estão lá a casa mal assombrada, as aparições nos armários e cantos escuros, os relógios que param sempre no mesmo horário de madrugada, crianças que têm seus pés puxados à noite na cama, portas que rangem, aparições nos espelhos. Todos os elementos que o cinema de terror já cansou de repetir, sem que aqui eles apareçam com um novo ar; tudo é facilmente reconhecível.

Mas o grande trunfo desse filme é investir suas energias em bons personagens, conflitos críveis e explicações palpáveis (mesmo que reprocessadas do filme anterior de Wan, Sobrenatural) para os eventos macabros. Porque não estão em jogo somente os tormentos da família Perron, que se muda para uma nova casa infestada de espíritos maléficos, mas também os desafios do casal de paranormais Ed e Lorrain Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga), famosos por assumirem uma série de casos que se mostraram furados. Mas agora o que eles enfrentam é diferente, é demoníaco, e ainda envolve os instintos maternos de Lorraine.

Se a primeira parte do filme serve para desenvolver os personagens, apresentar todos esses elementos que compõem a atmosfera assustadora do filme e causar uma série de sustos no espectador, a terça parte final ganha muito em tensão e eleva o que já estava interessante em termos de sensação de medo e apreensão. Quando as brincadeiras de fantasma tornam-se um caso de possessão demoníaca, a coisa fica realmente mais apreensiva.

É quando o filme consegue acelerar o ritmo sem atropelar a narrativa e ainda fazer convergir os conflitos que estão espalhados pela história. É também quando ele mostra que não precisa reinventar a roda. Mesmo no estilo mais clássico, consegue inspirar medinho dos mais genuínos, com truques muito simples de montagem e som.

O final talvez seja um tanto piegas e meio apressado, quando a força do mal precisa ser suplantada por algo tão do nível do emocional, mas talvez esteja aí a coragem e diferença desse filme para os demais. Perde um pouco em realismo, mas não desmerece todo o senso de suspense e horror que veio antes.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Agruras íntimas

Amor Pleno (To the Wonder, EUA, 2012)
Dir: Terrence Malick


O tom e a estética parecem a mesma de antes. Terrence Malick filma com essa câmera inquieta paisagens e pessoas em movimento como se passeasse por essas vidas, como se estudasse esses deslocamentos num espaço grandiloquente que está a serviço dos personagens. Em Amor Pleno tudo é muito fugidio, sem muitas palavras, como se tentasse captar estados de espírito enquanto a beleza do exterior se torna também uma fascinação.

Mas há aqui um interesse muito maior na introspecção. É aí que o novo filme de Malick distancia-se tanto de A Árvore da Vida, apesar de ambos compartilharem propostas estéticas bem próximas. No trabalho anterior havia um interesse no humano como parte de algo maior, da vida em confluência com o universo, com um viés existencialista, enquanto os personagens destilavam seus porquês contra o mundo.

Aqui esses porquês ainda são marca da trajetória dos personagens, mas há uma perturbação que é muito mais íntima, muito mais introspectiva, o que tem afastado muita gente. E de fato não é um filme dos mais palatáveis porque não é de coisas dadas, assim como o anterior também não era. Apesar das inquietações serem também expressas no texto em off, as angústias dos personagens estão ali, em suas expressões, nos caminhos tortuosos que insistem em traçar.


Porque nem tudo são maravilhas nesse filme de belas imagens. Enquanto o mundo ao redor resplandece em luz e grandiosidade, e a natureza continue nos oferecendo belas vistas, internamente há muito embate. Daí que a grande personagem do filme seja Mariana (Olga Kurylenko), essa mulher russa que vive na França com sua filha pequena e se vê encantada pelo charmoso Neil (Ben Affleck) que as levam para viver nos Estados Unidos. Renasce nela uma paixão que já tinha dada como perdida. Mas logo esse amor se estremece, sem muita explicação aparente.

Há ainda as agruras de um padre (Javier Bardem) numa espécie de crise de fé, e as próprias incertezas emocionais de Neil quando ele se envolve com a bela, e também machucada, Jane (Rachel McAdams). De longe, a inclusão desses personagens parece um tanto dispersa no filme, não ganham o mesmo destaque e, apesar de personagens interessantes, o filme perde quando muda o foco para eles e depois os descarta.

O filme também abusa um tanto do texto em off, sempre muito enigmático. Às vezes funciona como algo poético e sincero, mas em outros momentos surge obscuro demais (e por isso mesmo distante, um tanto frio). Mas os corpos e corações inquietos dos personagens continuam belissimamente fotografados. Malick os observa como que perdidos no mundo, na busca por subir os degraus para a maravilha.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Moviola Digital, 6 anos










Mais um ano, mais bons ventos, embora isso aqui tenha dado uma parada nos últimos meses e também precise de uma reforma no layout. Mas não estou reclamando, passa o tempo e continuo adorando isso aqui, as conversas, as trocas, as descobertas, as reflexões, a autocrítica.

O último ano foi bom porque continuei no meu caminho de escrever e, nesse processo, conhecer mais de cinema. Sinto que as redes sociais acabaram tomando o lugar de interação que antes estava mais presente nos comentários do blog, mas esse é um sinal dos tempos e de como as pessoas, hoje, se relacionam mais com o espaço virtual. De qualquer forma, o blog continua ativo, e assim pretendo mantê-lo por muito tempo.

Porque as coisas não param. Acabei de ser aceito na Associação Brasileira de Críticos de Cinema – Abraccine (o que me deixa muito honrado por estar ao lado de um punhado de gente grande que faz crítica de cinema no Brasil), além de continuar os trabalhos na Liga dos Blogues Cinematográficos e na Sociedade Brasileira deBlogueiros Cinéfilos. O site Coisa de Cinema, onde colaboro, tem sido também um espaço interessante de discussão. 

E tem todos aquelas pessoas que (ainda) acessam o Moviola Digital, motivo pelo qual ele se mantém de pé até então. Agradeço enormemente quem acompanham essas palavras aqui, mesmo os mais tímidos. E como sempre na comemoração de aniversário, uso 10 imagens de grandes filmes que comentei aqui nesse último ano pra ilustrar o post. Que venham mais 10 ou quanto mais quiserem.



 

sábado, 14 de setembro de 2013

Mil e uma noites

Holy Motors (Idem, França/Alemanha, 2012)
Direção: Leos Carax

Depois de 13 anos sem um longa-metragem, Leos Carax retorna com esse corpo estranho, belissimamente estranho, que é Holy Motors, provando ainda seu vigor criativo e suas inquietações cinematográficas. O grande trunfo de Holy Motors reside na sua faceta múltipla de direções, um filme de várias identidades, que discute a própria identidade (obstinação?) do cinema em contar histórias, possíveis e inimagináveis.

Como metalinguagem do próprio ato cinematográfico, o filme realiza um passeio pelas possibilidades narrativas que o cinema é capaz de realizar e ainda assim nos surpreender, mesmo depois de tanto tempo de imagens acumuladas pela História, revivendo gêneros e situações as mais incomuns da vida (e não é disso que o cinema mais se alimenta?).

Percorrendo a cidade numa limusine, o misterioso Oscar (Denis Lavant) vai assumindo a identidade de uma série de personagens os mais estranhos e bizarros, em situações incomuns. Essa é sua sina, seu trabalho, ele está preso a esse ofício, embora nunca saberemos por quê. E ele já se encontra fatigado dessa rotina, mesmo que a próxima parada seja algo sempre diferente, talvez desafiador.

De início, Carax evidencia a própria encenação como questão fundamental de seu dispositivo fílmico. Explicitamente, os personagens falam em “encomendas” ao se referir ao próximo “papel”, a próxima identidade a ser assumida, trabalhada, interpretada. Mas o filme também põe em xeque a própria validade das situações. Quantas histórias o cinema ainda é capaz de contar? E mais do que isso, quem está interessado em vê-las?, parece interrogar o filme.

É aí que o longa alfineta o expectador de hoje. O filme abre com uma plateia num cinema, todos dormindo (ou cegos?), em estado de apatia, quase mortos. Se a cinefilia tal como floresceu na década de 1950 está morta, como já aventou Antonie de Baecque e Susan Sontag, quem é esse sujeito que hoje reage às imagens em movimento do cinema? Que cinefilia é essa que temos hoje, certamente tão mudada e alterada quanto nosso tempo?


Quando questionado sobre os motivos que o prendem a esse seu trabalho de ser outros, Oscar afirma que tudo ainda vale pela beleza do gesto; e essa estaria no olhar do espectador, conclui seu misterioso interlocutor. “E se não houver mais expectador?”, rebate Oscar. A preocupação está posta, mas o filme está feito, foi lançado ao mundo para ser visto. Ou seja, ainda há quem se interesse em ver, caso contrário não estaríamos aqui. Holy Motors seria, então, uma carta de intenções a favor das necessidades do narrar, do por em cena, mas também do estar dentro e frente à tela. Celebra, assim, mil e uma noites de cinema. Resta saber quantas mais virão.

Mas para além da discussão metalinguística, há graça também na força das imagens que Carax constrói, de onde vem a insistência em continuar vendo/fazendo. Poucos filmes conseguem nos entregar um punhado de cenas memoráveis: presenciamos um espetáculo de captura de movimento num estúdio que transforma luta em sexo; o grotesco Merde sai de um bueiro de esgoto para raptar uma linda modelo numa sessão fotográfica; o personagem – o filme? – se dá um intervalo num dos momentos mais animados do filme; Oscar reencontra uma antiga paixão, também ela exercendo a mesma função que ele, e se dão conta, através de um momento musical, dos rumos duvidosos que suas vidas tomaram, longe um do outro. E é de toda essa energia que se alimenta o excepcional desempenho de Denis Lavant, vivendo mais de uma dezena de personagens, todos eles em ruptura total com o anterior.

Como herdeiro legítimo dos tempos da Nouvelle Vague, Carax consegue se renovar com um filme que, aparentemente complexo, não tenciona explicar como e por que se dão esses encontros, sua logística narrativa, flertando assim com o fantástico e o surreal, à medida que os caminhos de Oscar e de suas personas acumulam-se como imagens possíveis e depois como missões cumpridas. Trata-se de uma existência que só parece ter corpo no cinema, via arte, ficção, fantasia. Uma existência cinematográfica, portanto.