quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Últimos curtinhas do ano

Bem, eu tinha muitos mais filmes a comentar antes de terminar o ano, mas com o tempo curto e de folga por uns poucos dias, deixo aqui algumas impressões de alguns filmes recentes (outros nem tanto). Como é o último post do ano, felicito a todos, agradeço pelas visitas ao humilde blog e desejo as melhores coisas para 2010. Até lá!


Star Trek (Idem, EUA, 2009)
Dir: J. J. Abrams


Não é de se esperar que com meus 22 anos nas costas, eu tenha acompanhado uma das séries de ficção científica mais populares na TV, criada há algumas décadas. Mas é com enorme gosto que saúdo a iniciativa de J. J. Abrams em retornar ao material original e transformá-lo num ótimo filme. Melhor ainda é quando esse filme possui um frescor imenso em contar sua história da forma mais plausível possível, sem atropelos e com devido respeito não só aos personagens mas também ao público (seja os fãs ou não). Por mais que os efeitos especiais sejam de primeira grandeza aqui, usados em abundância, a narrativa é o mais importante de tudo. Assim, é possível encontrar os inicialmente pouco amigáveis Kirk (Chris Pine) e Spock (Zachary Quinto) em sua primeira missão juntos à frente da Enterprise. A sensação é das melhores.


Avatar (Idem, EUA, 2009)
Dir: James Cameron


É incrível como uma campanha de marketing pode fazer tanto por um filme. Tendo a palavra “inovador” sendo aplicada ao mais novo projeto do “visionário” James Cameron constantemente, Avatar é isso: um filme que demorou mais de dez anos para ser finalizado, pois precisava contar com um patamar de tecnologia avançadíssima. E, de fato, impressiona bastante todo o aparato técnico da obra a partir da construção de todo um universo mítico (lição aprendida com Tolkien, criou-se uma nova civilização, com costumes, idioma e universo próprios), alcançando, assim, resultados excepcionais de competência técnica. Por outro lado, chega a ser um paradoxo que a narrativa se apresente tão batida e simplória. Nada contra as histórias de amor, o clamor pela preservação da natureza, a necessidade de respeitar o próximo e o diferente, mas tudo isso já foi reprocessado antes. Num formato bastante promissor, a experiência de Avatar é das mais deliciosas, mas o barulho tem sido grande demais.


É Proibido Fumar (Idem, Brasil, 2009)
Dir: Anna Muylaert


Uma das grandes delícias a que assisti recentemente. Filme que arrebanhou a grande maioria dos prêmios no último Festival de Brasília, o trabalho de Anna Muylaert é, de início, uma crônica de costumes sobre um casal de vizinhos, em meia idade, que iniciam um relacionamento. O fato de Baby (Glória Pires, ótima) fumar muito, incomoda um tanto seu parceiro Max (Paulo Miklos, melhor ainda). Mas se engana quem pensa que a história gira em torna das tentativas de Baby em largar o cigarro. O filme envereda por caminhos surpreendentes, e, a determinado ponto, parece totalmente perdido; mas eis que o final faz convergir todas as situações e tudo se torna muito claro. Muylaert fez um filme sobre a necessidade de cumplicidade, da precisão que temos uns dos outros, por mais que a vida não nos deixe mais os melhores caminhos a seguir e mesmo que nossas atitudes possam não ser as mais corretas. A diretora nunca julga seus personagens e faz com que suas vidas sigam, com todos os percalços, mas juntos.


Atividade Paranormal (Paranormal Activity, EUA, 2009)
Dir: Oren Peli


Tá bom, o filme tem lá seus bons sustos. A idéia de se passar todo através da câmera que um casal põe em casa para identificar os efeitos paranormais que andam acontecendo, já não é tão original atualmente (alô A Bruxa de Blair, Cloverfield, [Rec]!). Então, podia-se esperar uma história no mínimo intrigante, o que nunca acontece. A narrativa se limita a repetir a mesma fórmula: os dois vão dormir despreocupados, alguma coisa acontece à noite (uma porta se bate, algo que range ou uma voz que se ouve), eles acordam assustados, fazem cara de espanto, e no outro dia tudo acontece de novo. É irritante ver dois personagens abobalhados vítimas de um roteiro golpista e fajuto, apesar de que os atores Katie Featherston e Micah Sloat funcionam muito bem juntos. O que não funciona é o resto todo. Nem a ótima cena final ajuda a melhorar o que já foi destruído.


Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos, Espanha, 2009)
Dir: Pedro Almodóvar


Os dois primeiros terços de Abraços Partidos são geniais. Almodóvar, como sempre, constrói uma narrativa intricada, repleta de mistérios, encontros e desencontros, salpicada do melhor melodrama que o cinema latino é capaz de nos dar. Mesmo que a história caia um pouco na sua parte final, nada retira a beleza de seus personagens, sempre mais interessantes e ricos do que possa parecer à primeira vista. Ao mesmo tempo que o filme pode ser visto como mais uma bela e trágica história de amor, tem-se a impressão de que é também uma forma de Almodóvar falar do próprio cinema, enquanto construção, através da história do cineasta cego Harry Cane (Lluís Homar), outrora chamado Mateo Blanco, que revê seu encontro com a bela Lena (Penélope Cruz, lindíssima), por quem se torna amante, e o confronto com o marido da moça, o ricaço Ernesto Martel (José Luiz Gómez), sob a proteção de sua fiel agente Judit (Blanca Portillo, excelente em cena). É uma maneira também do cineasta espanhol revisitar seu próprio cinema, com um punhado de referência, além de citar alguns clássicos da sétima arte, como uma reverência. Na verdade, ele que merece todos os cumprimentos.


Ervas Daninhas (Les Herbes Folles, Fança/Itália, 2009)
Dir: Alain Resnais


Ervas Daninhas parece se desregular nos seus minutos finais quase como uma tentativa vaga de seu autor em soar imprevisível e esquisito. Mas a beleza do que se viu antes é tão desconcertantemente deliciosa, que já vale o filme. O solitário Georges Palet (André Dussollier, em ótima performance) encontra na rua a carteira de uma mulher (Sabine Azéma, musa – e esposa – de Resnais) com a qual tenta se encontrar, mas parece fadado a nunca conseguir. Portanto, seria um filme de desencontro por meio do qual o diretor vai revelando as diversas facetas de seu protagonista, sempre aos poucos. Resnais filma a melancolia com leveza e frescor invejáveis para alguém de quase 90 anos. O texto é maravilhoso e a fotografia carrega um tom embaçado, quase que onírico. Pena que se perca no final querendo ser “descolado”. Mas é bem possível lhe perdoar.


Polícia, Adjetivo (Politist, Adjectiv, Romênia, 2009)
Dir: Corneliu Porumboiu


Definitivamente, este não é um filme fácil. O cinema romeno prova mais uma vez sua vocação para provocar, sempre tendo a história (dessa vez recente) de seu país como material para desenvolver seus personagens. Aqui, temos o policial Cristi (Dragos Bucur) que investiga a relação de um adolescente com drogas (haxixe, no caso). Descobre que ele não trafica, somente consome e oferece a alguns de seus amigos. O chefe de Cristi quer que o jovem seja preso, mas ele acredita que a lei deva mudar logo (o país se prepara para entrar na União Europeia). Porumboiu faz um filme extremamente contemplativo, exigindo certa cumplicidade e paciência do espectador, à medida que revela não só a morosidade do sistema policial da Romênia, como a apatia da vida de seu protagonista. O filme se apega muito a imagens e possui poucos diálogos, mas quando esses aparecem, são cortantes. A duas cenas finais são ótimas provas disso.


Se Beber, Não Case (The Hangover, EUA/Alemanha, 2009)
Dir: Todd Phillips


Esse é o exemplo de filme (mais uma deles) que desperdiça completamente as boas ideias que tem no início, como a promessa de uma comédia, no mínimo, diferente das tantas outras que se veem por aí. Um grupo de amigos vai passar uma noite em Las Vegas para comemorar a despedida de solteiro de um deles. Mas no dia seguinte à noitada, eles simplesmente não se lembram de nada e uma série de desentendimentos começam a surgir (como um tigre no banheiro, um bebê no armário), além de que o noivo desapareceu. A curiosidade inicial para saber o que de fato aconteceu com eles vai se perdendo não pelas resoluções encontradas para explicar cada desentendimento, mas pelo senso de idiotice que faz parte das atitudes de cada um, para não falar nas furadas de roteiro. Aí, a brincadeira fica estúpida demais.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Curtos

Distrito 9 (District 9, EUA/Nova Zelândia, 2009)
Dir: Neil Blomkamp


Distrito 9 é um filme estranhíssimo, no melhor dos sentidos, porque os clichês do cinema de ficção científica e de aliens são postos de cabeça para baixo, aliado a boas doses de crítica social. Joanesburgo, capital da África do Sul, se torna o destino de uma nave alienígena que fica presa na cidade. Os tripulantes, seres de aparência e hábitos grotescos, estão enfraquecidos no nosso Planeta e não demora para que o governo os enclausure numa favela. Com certeza, nunca se viu nada assim dentro do gênero. O tom inicial de documentário tanto consegue explicar toda a situação como também fazer um retrato de Wikus (Sharlto Copley), funcionário da MNU (empresa responsável por controlar os aliens), uma vez que ele se tornará o centro da narrativa por desenvolver, em contato com os seres, um vírus que o transforma em um deles. A partir disso, a busca pela sobrevivência passa a ser a luta de Wikus. Interessante é perceber como ele entenderá que isso não se aplica somente aos seres humanos.


Stella (Idem, França, 2008)
Dir: Sylvie Verheyde


Stella é mais um filme que enxerga o mundo através do olhar de uma criança. Mas a despeito da inocência que esse olhar pode trazer, a garota Stella (Léora Barbara, ótima) é jogada num mundo hostil e precisa desde então lidar com os percalços de sua vida, seja na nova escola burguesa, seja no ambiente hostil de casa. Os pais, donos de bar e pensão freqüentados por delinquentes da Assistência Social, não conseguem oferecer à filha um ambiente doméstico dos mais saudáveis. Por isso, Stella, apesar de ainda pouco entender o mundo, já é testemunha da complexidade dos adultos e seus agravos. E o filme é muito sincero nesse sentido, apesar da imaturidade da protagonista. A câmera trêmula da diretora estreante pode soar clichê, mas faz todo sentido ao captar o universo sempre em desequilíbrio da protagonista. É nesse ambiente que Stella cresce, conhece a amizade, a maldade, a traição, o amor. E continua sua vida, apesar de todos os pesares.


X-Men Origens: Wolverine (Idem, EUA/Canadá/Austrália, 2009)
Dir: Gavin Hood


Uma pena que esse filme carregue no título a “marca” X-Men, que rendeu uma trilogia de respeito para com a série criada pelo lendário Stan Lee (somente o primeiro dos três filmes fica um pouco atrás dos demais). E é uma pena ver o diretor sulafricano Gavin Hood (que venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por Infância Roubada) tendo que servir de pau-mandado de estúdio para comandar a narrativa que recria o passado de Logan (Hugh Jackman, sempre perfeito para o papel), antes de se juntar à equipe do professor Xavier. A história precisa cair nos artifícios do jogo de gato e rato e contar com aquela surpresinha no final para parecer inteligente, ao invés de conferir a complexidade necessária que o personagem possui e com a qual merecia ser retratado. O valor, aqui, é dado a um filmete de ação com (péssimos) efeitos visuais.


O Solista (The Soloist, EUA/França/Reino Unido, 2008)
Dir: Joe Wright


Que decepção, Joe Wright! Depois do excepcional Orgulho e Preconceito e da ode à redenção que é Desejo e Reparação, a sensibilidade habitual do cineasta resultou na construção de uma narrativa batida que peca pela falta de emoção, justamente o que abundava nas produções anteriores. O encontro do músico superdotado Nathaniel (Jamie Foxx) com o jornalista quase-um-fracassado Steve Lopez (Robert Downey Jr.) tenta fugir dos lugares comuns dos filmes de superação, mas acaba caindo no vazio. O problema está na construção dos personagens, ambos muito frágeis e, até certo ponto, estereotipados. Steve, o verdadeiro protagonista do filme, ganha, através das atitudes estranhas de Downey Jr., um tratamento piedoso do cara que ajuda, mas precisa ser ajudado, enquanto Jamie Foxx empresta seu talento ao lunático que precisa a todo momento provar que é... lunático; a maioria de suas cenas servem para que o personagem exploda e impressione. De fato, sua interpretação é ótima, mas está presa a uma persona caricata, que é parte de uma narrativa tão frágil quanto a sanidade do músico.


O Exterminador do Futuro: A Salvação (Terminator: Salvation, EUA, 2009)
Dir: McG


Não vejo tantos motivos para desprezar a continuação da saga do Exterminador como tanta gente vem fazendo. Pelo contrário, acho que a série ganhou um filme mais preocupado em se arvorar por outros rumos, criou mais personagens, se ambienta no futuro sombrio que nos filmes anteriores só era vislumbrado e, ainda bem, não possui mais aquele argumento batido da máquina que volta do futuro para salvar/matar John Conner. Ou seja, uma bela mudança de ares, que continua entregando boas doses de ação e ainda consegue manter paralelo com a história que foi construída ao longo da série, em especial com o primeiro (e excelente) filme. Uma pena que A Salvação se acomode com essas novidades e acabe apresentando alguns problemas de roteiro aqui e ali. Mas a surpresa maior é a direção de McG que consegue manter o fôlego necessário para um filme do gênero e ainda nos dá boas cenas de ação.


Brüno (Brüno: Delicious Journeys Through America for the Purpose of Making Heterosexual Males Visibly Uncomfortable in the Presence of a Gay Foreigner in a Mesh T-Shirt, EUA, 2009)
Dir: Larry Charles


Não sou dos maiores fãs de Borat, muito por conta da escatologia que toma conta do filme, apesar admitir a maestria com que o comediante Sacha Baron Cohen aponta o dedo na cara do moralismo da sociedade norte-americana, revelando um povo cheio de pré-conceitos. Por isso, as expectativas em torno de Brüno surgiam mais de uma promessa de humor negro e da carga de constrangimento que certamente viria do fashionista gay do título. Mas a narrativa, construída como em sketches, possui poucos momentos verdadeiramente engraçados, e aí, problema maior, o filme se torna apelativo e irregular (como na sequência do teste para o programa de TV ou no acordo de paz entre palestinos e israelenses ou no programa de auditório). Na tentativa de ser mais ousado e atrevido, Baron Cohen criou um personagem extremamente bizarro, mas sua narrativa ainda é frágil, apesar das boas intenções.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Sangue e sensibilidade

Deixa Ela Entrar (Låt Den Rätte Komma In, Suécia, 2008)
Dir: Tomas Alfredson


À primeira vista, é bastante fácil identificar Deixa Ela Entrar como um filme de suspense com vampiros. Mas aqui, a incursão do fantástico serve muito mais como um aliado para falar sobre aceitação de diferenças e ainda como uma crônica da perda da inocência precoce do jovem Oskar (Kåre Hedebrant) que se apaixona por sua vizinha, a misteriosa Eli (Lina Leandersson). Mas logo ele descobrirá que ela é uma vampira.

Assim, o filme pouco se pretende em desvendar os artifícios que envolve o comportamento dos vampiros, muito menos em causar suspense no espectador, embora alguns momentos sejam assustadores, como o sacrifício de um personagem na janela ou o corpo em chamas no hospital.

O que mais chama atenção no filme é como o diretor sueco confere enorme sutileza tanto na aproximação dos dois personagens, com suas dúvidas, incertezas e inseguranças, quanto na construção de cada plano do filme. Tudo é filmado com muito cuidado estético em uma narrativa que não possui pressa nem o risco de atropelar sua história. A placidez do filme ganha grande reforço com um trabalho de som dos mais primorosos e interessantes.

Ao mesmo tempo, toda essa sutileza vem acompanhada por uma atmosfera de perigo constante, porque, apesar do tom melancólico, a narrativa não reserva concessões para os personagens, muito na tentativa de revelar um mundo hostil e cruel. Para tanto, Oskar vai ter de aprender a enfrentar os riscos que lhe surgem no caminho e também a fazer escolhas arriscadas (o final é exemplar e bastante corajoso nesse sentido).

Além disso, Deixa Ela Entrar é um sopro de renovação no gênero de vampiros, o tipo de filme que muitas pessoas precisariam ver para perceber que seres de dentes afiados e chupadores de sangue podem muito bem ser usados com propósitos mais artísticos.

A relação entre os personagens é criada com a habitual inocência do mundo infantil, muito embora o senso de perigo esteja presente a todo instante e acaba por representar um brutal rito de passagem para o personagem. Ao mesmo tempo em que precisa lidar com o diferente, Oskar passa a encarar o mundo e suas crueldades, sem que o filme carregue no tom lição-de-moral. Muito pelo contrário, a sutil direção de Tomas Alfredson garante um dos filmes mais sinceros e estranhamente belos do ano.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Perdidos na tradução

Tokyo! (Idem, Japão/França/Coreia do Sul/Alemanha, 2008)
Dir: Michel Gondry, Leos Carax e Bong Joon-ho


Filmes coletivos têm virado moda. Alguns conseguem compilar belos curtas (caso de Paris, Te Amo) e outros estão mais interessados em reunir grandes nomes do cinema contemporâneo (caso de Cada um com Seu Cinema). Tokyo! é um belo exemplar do primeiro grupo que investe somente em três segmentos e tem a capital japonesa e seus habitantes como fonte inspiradora. Curioso que todos possuem uma vertente fantasiosa e, tematicamente, lançam olhares apurados sobre personagens outsiders.


Design de Interiores
Dir: Michel Gondry


Esse segmento é uma grande surpresa pois, vindo do Gondry, podia-se esperar loucuras visuais já no início, mas esse primeiro segmento evolui muito bem na construção de sua personagem, no surgimento de seu drama e a solução excepcional que o diretor cria para a protagonista, aí sim injetando boas doses de bizarrices. Um casal chega à cidade a fim de se fixar, enquanto o marido tenta se estabelecer como cineasta; a mulher é uma ajudante faz-tudo. As transformações psicológicas da personagem, a partir de uma autoavaliação, vão ganhando ares de transformação física, e eis que o estranhamento inicial acaba se mostrando uma ideia bastante pertinente. Nada melhor do que se sentir útil e para isso sempre parece existir uma maneira. Inteligentemente, Gondry nos mostra isso da forma mais inusitada (e deliciosa) possível.


Merda
Dir: Leos Carax


De longe, o mais bizarro dos três segmentos. O desconhecido para mim Leos Carax fala de isolamento e ausência de humanidade através da história de um mostro de esgoto que, na verdade, é um homem (o ótimo Eimei Kanamura) que perdeu (ou nunca teve) discernimentos humanos. Feio e perigoso, ele sai de seu habitat sujo para aterrorizar as pessoas, mesmo à luz do dia. Num primeiro momento, o segmento ganha ares terrificantes pois o monstro, além de arrepiantemente esquisito, é também bastante perigoso (a cena em que ele solta explosivos pela cidade me deixou estático), mas depois a história se acomoda e toma rumos simplórios que minimiza muito o que foi visto antes. Uma pena.


Sacudindo Tokyo
Dir: Bong Joon-ho


Por fim, a cereja do bolo. O sulcoreano Bong Joon-ho injeta rara sensibilidade e poesia na história de um homem (Teruyuki Kagawa) que vive totalmente recluso em sua casa, não sai de lá para nada (o que os japoneses chamam de hikikomori). Mas a visita de uma bela entregadora de pizza vai mexer com as convicções do cara. O segmento é uma concisão de planos bem filmados e arranjados, além de possuir um roteiro todo amarradinho, ganhando muito por evoluir sua história e ainda contar com o fator surpresa que, ao se revelar pertinente e interessante, eleva bastante o segmento. Doses de comédia aqui e ali em meio ao drama só reforçam essa bela característica de estranhamento do cinema da Coreia da Sul. Do ponto de vista do protagonista, o mundo lá fora parece hostil, mas ele não imagina que as cosas lá também mudaram. Os terremotos que quase atrapalham o personagem em alcançar seu objetivo, se transforma no seu próprio desejo interior quando alcança seu intuito. Bonito demais.


PS: vale muito a pena chamar atenção para a fotografia do filme que, apesar de ter um tom específico para cada segmento, é um trabalho sensacional. Talvez, uma das melhores do ano.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Curtinhas

Gigante (Idem, Uruguai/Argentina/Espanha/Alemanha, 2009)
Dir: Adrián Biniez


Ao mesmo tempo que o título “Gigante” simboliza o tamanho corporal do protagonista (vivido por Horacio Camandule), funciona também como grande contraponto ao fator minimalismo que é uma constante em todo o filme. Jara é um vigia noturno de supermercado que se apaixona por uma das faxineiras através das câmeras de segurança que ele acompanha pela madrugada. Solitário, de rotina vazia, poucas palavras e amigos, Jara tem uma grande dificuldade em se aproximar de sua pretendente e prefere vigiá-la fora e dentro do supermercado, como um voyeur. Somos testemunhas de sua timidez aguda.

É por isso que são poucos os diálogos no filme e é bastante importante como roteiro e direção são eficientes em expressar os sentimentos e sensações de Jara se apoiando muito na força das imagens, com grande economia. Daí surgem ótimos momentos como quando Jara usa o batom da moça (a única forma dele se sentir mais perto da boca dela). Horacio Camandule confere enorme consistência a seu personagem, um sofredor apaixonado, e o reveste de complexidade, usando muito de sua expressão. É o tipo de filme em que pouco é bastante, e o mínimo se torna muito.


Vocês, os Vivos (Du Levande, Suécia/Alemanha/Dinamarca/ França/Noruega, 2007)
Dir: Roy Andersson


Esse é de fato o filme mais esquisito e inusitado do ano que eu tenha visto. O sueco Roy Anderson se utiliza de diversas pequenas sketches, com vários personagens avulsos que se cruzam vez por outra, para falar daquelas péssimas situações que nos pegam desprevenidos. O filme tenta lembrar a todo o momento a incrível capacidade do ser humano em passar por momentos os mais tristes, deprimentes, complicados, tortuosos e tenebrosos, sempre através de um bom humor negro incrível.

Ao mesmo tempo, o diretor tem um controle tão grande da composição de quadros, filmados sempre com câmera estática, que é um primor de construção. A direção de arte ajuda bastante com um trabalho de minimalismo e faz questão de apresentar os ambientes sempre vazios, justamente como representativos da forma como os personagens se sentem. A maneira como atores e objetos estão postos em cena são o trunfo do filme, além de uma visão pessimista sobre a vida humana, através da comédia. Talvez por isso, a única cena feliz do longa aconteça num sonho.


(500) Dias com Ela ((500) Days of Summer, EUA, 2009)
Dir: Marc Webb


É extremamente fácil gostar de (500) Dias com Ela. O diretor estreante Marc Webb faz um filme delicioso de se acompanhar e de cara estabelece empatia com seu protagonista. Tom (Joseph Gordon-Levitt) é um escritor de cartões comemorativos e se vê perdidamente apaixonado pela nova secretária da empresa, a bela e hipnótica Summer (Zooey Deschanel). O impasse maior de Tom é que Summer não quer manter um relacionamento fixo com ele, apesar de ambos passarem bons momentos juntos.

Assim, o filme abre espaço para discutir os relacionamentos modernos em que os casais têm muito mais dificuldade de manter compromissos amorosos; então, Tom sofre. Na verdade, sentimos todas as oscilações de estado de espírito do personagem, através de uma narrativa totalmente não-linear que nunca deixa a história perder o ritmo. Destaque para um ótimo roteiro que sabe ser afetivo, engraçado, leve e melancólico sem perder no fator inteligência. A restrição é que Summer devia ser defendida por uma intérprete melhor do que Zooey Deschanel. Mas a beleza da garota ajuda bastante.


Tão Longe, Tão Perto (In Weiter Ferne, So Nah!, Alemanha, 1993)
Dir: Wim Wenders


Filme continuação da obra-prima Asas do Desejo, esse Tão Longe, Tão Perto logo chama atenção para uma mudança de tom. Se no filme anterior a poética da narrativa estava a todo tempo presente, aqui a atmosfera se torna um tanto mais carregada, muito embora Wenders nunca deixará seu filme desprovido de sensibilidade. Dessa vez é o anjo Cassiel (Otto Sander) que quer se transpor para o mundo dos humanos e faz isso despropositadamente, embora seu desejo de poder experimentar as sensações mundanas já fosse visível.

No entanto, Cassiel vai se deparar com situações mais perversas do que Damiel (Bruno Ganz), do filme anterior, personagem que reaparece aqui já com família estabelecida. Na Alamenha pós queda do Muro de Berlim, Cassiel terá seu caminho trespassado por mafiosos que lhe apresentarão o lado mais perverso do ser humano e o ex-anjo passa a percorrer caminhos tortuosos. Assim, o filme é um tanto mais duro, e é uma pena como o protagonista seja mostrado de forma tão imatura, o que não parece combinar com sua persona quando anjo. E nesse mesmo caminho, Wenders perde em alguns momentos sua usual sutileza. Mesmo assim, o diretor continua fazendo reflexões sobre o tempo e a condição humana.


A Onda (Die Welle, Alemanha, 2008)
Dir: Dennis Gansel


Seria possível que um regime totalitário voltasse a ocupar o poder depois de já termos conhecimento das atrocidades cometidas por um anterior? Essa é a pergunta que A Onda procura fazer, e sendo a resposta positiva, tenta provar suas consequências. Rainer Wenger (Jürgen Vogel) é um professor que resolve fazer um experimento com seus alunos: ele cria um grupo designado de A Onda, chefiado por ele, que deve seguir um padrão de comportamento e total obediência a seu líder, já que a palavra de ordem é disciplina e união, coisa que ele consegue sem muito esforço.

Embora acreditar nessa ideia seja um tanto forçado e os personagens dos alunos surjam um tanto estereotipados pelo roteiro (a cara durão, o jogador de polo individualista e popular, a garota inteligente que será a única a ver o absurdo da situação), Gansel filma tudo com muita competência e agilidade, ganhando ritmo na edição. O final impetuoso já era esperado e ainda consegue soar muito convincente, além de assustador por percebermos até que ponto pode chegar a mente humana.

domingo, 22 de novembro de 2009

O prazer cinéfilo

Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, EUA/Alemanha, 2009)
Dir: Quentin Tarantino

Que Quentin Tarantino é um grande cinéfilo, todo mundo já sabe. Mas nesse seu mais novo filme ele deixa isso bem claro, recheando Bastardos Inglórios de referências cinematográficas, situando seus personagens riquíssimos em volta de um cinema e construindo, mais uma vez, uma narrativa entrecruzada cheia de reviravoltas, filmada com classe e inventividade.

O fato de se passar em fins da II Guerra, só reforça a ousadia de um autor que, mesmo se apegando aos mesmos artifícios de seus filmes anteriores (narrativa cíclica, diálogos cortantes, brutalidade visível), sabe se reinventar como ninguém. Parece presente de Natal antecipado.

O trailer e a sinopse disponibilizados antes do lançamento faziam crer que a história girava em torno do grupo suicida de judeus chefiado por Aldo Raine (Brad Pitt) com a missão de matar a maior quantidade de nazistas possível. Mas esse plot parece mais uma subtrama pois é tão importante quanto a história de Shoshanna (Mélanie Laurent), garota judia que teve sua família assassinada pelo coronel e caçador de judeus Hans Landa (Christoph Waltz, sensacional), mas que terá, apropriadamente, sua oportunidade de vingança.

A narrativa do filme se entrecruza como bem saber fazer Tarantino, aliado a seu sempre visível talento em escrever grandes diálogos. Daí surgem algumas boas indiretas como “Na França nós respeitamos os cineastas”, dito por Shoshanna, agora dona de um cinema na França, ou na cena final em que um personagem diz “Acho que essa é minha obra-prima” ou em vários outros momentos do filme em que a questão da língua se torna evidente (falado em inglês, alemão, francês e italiano, o filme alfineta o tempo todo os norte-americanos que só sabem falar seu próprio idioma).


Mas um dos maiores méritos do filme está na capacidade de criar tensão constante, do qual é possível citar vários exemplos, como a conversa de Landa com o fazendeiro, o reencontro com Shoshanna no restaurante, o clima de falsos amigos na taberna, a investida na cabine de projeção. Todos aliados a uma trilha sonora evocativa e ao fator surpresa que finaliza as sequências de forma a nos deixar pasmos, lembrando ainda das boas doses de violência aplicada.

E apesar de Christoph Waltz ser sempre lembrado por sua incrível atuação (e o cara faz miséria com texto e personagem tão cínicos e impiedosos), todo o elenco é de se aplaudir, como uma Mélanie Laurent docemente perigosa, um Daniel Brühl galante, até um Brad Pitt altamente canastrão, passando por uma Diane Kruger bela e conciliadora (só Eli Roth parece perdido no meio de tudo e apele para a cara de mau).

Por fim, ainda sobre ousadia para o cineasta reinventar a História em prol de sua história, levando a verossimilhança às favas. Aproveita ainda o percurso para acentuar a força do cinema em mudar o curso da História. Acima de tudo, esse é um filme sobre o Cinema e seu poder transformador. Cinema com C maiúsculo!