Dir:
Fernando Trueba
Dizer
que A Dançarina e o Ladrão é um filme
medíocre pode soar um tanto agressivo, reação que o filme não merece receber.
Isso porque ele parece cheio de boas intenções, mas as saídas encontradas para
se chegar a um resultado dramático são tão ruins, que tudo soa decepcionante
até alcançar níveis de mediocridade. Portanto, seria o caso de dizer que se
trata de um filme medíocre sem querer querendo. A história dos anistiados da
ditadura chilena que ganham liberdade e pretendem assaltar um banco é cheia de
tropeços, em especial ao conduzir os rumos que eles seguem estando em liberdade, sempre
buscando um tom de peninha por eles. Ángel (Abel Ayala) quer se vingar do dono
do presídio que o abusava sexualmente enquanto Nicolás (Ricardo Darín) pretende
resgatar o amor da mulher, agora casada com outro, e do filho pequeno.
O
roteiro não perde a oportunidade de criar falas as mais banais e forçadas, além
de levar a história por cenas sem propósito e mal pensadas (a apresentação
forjada da bailarina, o plano de assalto que não convence ninguém, a compra do
cavalo). Mas pior de tudo é como os personagens são pouco críveis. Ángel talvez
seja o mais prejudicado, ex-presidiário com cara de santo inofensivo e bom
coração que planeja uma vingança mortal. Assim também o é a bailarina muda (Miranda Bodenhofer) que ele encontra
pelo caminho, num contexto totalmente ridículo e inverossímil, cujo trauma é
explicado da forma mais clichê possível. E nem a presença do astro argentino
Ricardo Darín é suficiente para elevar o filme porque, apesar de nos
solidarizármos com seu conflito, o filme não tem muito o que fazer com a
situação. A busca incessante por emotividade e compaixão também só depõe contra
o projeto. Somente de nobres intenções não se faz um bom filme.
50% (50/50, EUA,
2011)
Dir:
Jonathan Levine
São
sempre muito simpáticos os filmes que tratam temas pesados com humor e leveza,
sem deixar de ser sincero e respeitoso com seus personagens e com as
dificuldades que enfrentam. 50% é um
desses trabalhos luminosos que fazem muito bem a quem assiste. Do conflito do
jovem Adam (Joseph Gordon-Levitt) ao descobrir um câncer raro que pode matá-lo
(tem metade das chances em sobreviver, daí o título), surgem as noções de
amizade e família que tanto importam nesses casos graves de saúde. É na
construção (ou desmembramentos) dessas relações que o filme mais ganha em força
dramática, sempre sem exageros e mesmo adentrando o campo do humor. Essa parte
fica a cargo do melhor amigo do protagonista, o divertido Kyle (Seth Rogen),
suas tiradas e participações sempre muito boas, os melhores momentos do filme.
Mas
há também a terapeuta novata (Anna Kendrick), a namorada insensível (Bryce
Dallas Howard), a mãe surperprotetora (uma Anjelica Huston surtada, na melhor
atuação do filme) e o grupo de senhores de idade também cancerosos. Todo um
mosaico de tipos humanos que conferem uma espirituosidade muito bem-vinda ao
filme, passando bem distante das lições de vida a que um produto mais propenso
à comoção certamente levaria (caráter que o filme compartilha com o muito bom A Guerra Está Declarada). Mas mesmo com seu bom-humor em alta, alcança essa
comoção da forma mais sutil possível, fazendo de 50% um produto exemplar dentro do recente cinema independente
norte-americano.
Kramer vs.
Kramer
(Idem, EUA, 1979)
Dir:
Robert Benton
O
fato de Kramer vs. Kramer ter ganho o
Oscar quando concorria com obras-primas como Apocalypse Now e O Show Deve
Continuar, já me causava certa aversão ao filme. Visto agora, longe das
comparações e efusividades da premiação, o filme se revela um primor de
construção de personagens e um bem-sucedido caso de manipulação emocional do
espectador. Isso porque a história já se inicia com a saída de casa de Joanna
(Meryl Streep), deixando para trás marido (Dustin Hoffman) e filho pequeno
(Justin Henry). Se inicialmente somos compelidos a creditar sofrimento a essa
mulher que está abandonando tudo, seu estado de sofrimento transparece na
expressão de Streep, iremos aprender logo depois a sentir compaixão e respeito
por esse pai que se desdobra como pode para cuidar (muito bem) do filho
pequeno, e sozinho.
E
aí o filme nos prega outra peça quando a mãe retorna de repente exigindo a
guarda do filho na justiça. Nessa balança de emoções, o filme vai moldando
nossa torcida pelos personagens, principalmente depois de estabelecer tão bem a
relação pai e filho. Ela cresce no decorrer do longa e entra em cheque quando a
mãe volta. Mas ao mesmo tempo, a história sabe dimensionar as razões dessa mãe
sem que ela seja necessariamente pintada como uma vilã (cena final ajuda muito nesse quesito). Defendidos barbaramente
por seus intérpretes (Hoffman e Streep receberiam merecidos Oscars naquele
ano), os personagens ganham uma complexidade cativante. Benton filma tudo com
classicismo, mas ainda assim sabe subverter algumas de suas regras, com uso de
alguns pouco perceptíveis planos-sequência. Mas o que marca mesmo é a evolução
de uma das melhores histórias sobre separação de um casal.
Minha Felicidade (Schastye Moe, Ucrânia/Alemanha/Holanda, 2010)
Dir: Sergei Losnitza
Com isso, Loznitsa cria uma gama de situações que
seguem personagens distintos enfrentando situações limites, e muitas vezes
perigosamente despropositais. O filme se estrutura num ritmo cadenciado e por
vezes sereno, estratégia que fortalece os movimentos de violência quando estes
aparecem de assalto, ressaltados diante da fragilidade de suas vítimas. É
também uma forma de tapear um certo estado de paz a ser quebrado, o mesmo tipo
de artifício que se encontra no título falseador do longa. A questão a se colocar,
no entanto, é de onde vem toda essa fúria, essa desilusão, e por quê. Loznitsa,
de fato, não crê no ser humano, embora não dê muitas razões para isso. Minha Felicidade é como o trator que
passa por cinema da câmera (e do espectador) logo na primeira cena do filme, ato
que continuará fazendo até o fim.