segunda-feira, 26 de maio de 2008

França premiada na França

E o 61º Festival de Cinema de Cannes encerra mais uma edição, dessa vez com a vitória do filme francês Entre Les Murs, de Laurent Cantet. Fazia vintes anos que o país sede do maior festival de cinema não levava uma Palma de Ouro para casa. O filme foi exibido no último dia de competição e nem deu muito tempo para comentários da crítica.

E a maior surpresa da noite foi a premiação de melhor atriz para a pouco conhecida Sandra Corveloni (foto no fim do post) de Linha de Passe, digido pela dupla Walter Salles e Daniela Thomas; eles receberam o prêmio pela atriz que não compareceu ao festival. Para quem apostava em Angelina Jolie, Catherine Deneuve ou Julianne Moore caiu do cavalo. Melhor para gente.

Benício del Toro, à propósito de seu elogiado trabalho em Che, levou o prêmio de melhor ator e o turco Nuri Bilge Ceylan foi o melhor diretor dessa edição por seu Três Macacos. Os Dardennes, figurinhas carimbadas e donos de duas Palmas de Ouro e um prêmio de direção, não foram ignorados ao receberam o prêmio pelo roteiro de O Silêncio de Lorna.

E a Itália, cujo cinema vem bambeando das pernas ultimamente, foi agraciada com uma espécie de segundo (Grande Prêmio do Júri) e terceiro lugar (Prêmio do Júri), respectivamente para Gomorra, de Matteo Garrone, e Il Divo, de Paolo Sorrentino. Filmes mais comentados como Changeling (Clint Eastwood), Valsa com Bashir (Ari Folman) e Leonera (Pablo Trapero) saírma de mãos abanando.

Agora, para o público brasileiro, resta esperar (às vezes muito tempo) para poder conferir os filmes do festival nos cinemas. Gostaria de destacar também a visibilidade que o cinema latino-americano recebeu nessa edição da Croisette, mostra da força com que essa cinematografia tem sido cada vez mais reconhecida mundialmente.

Abaixo, a lista dos principais premiados:

Palma de Ouro
Entre Les Murs, de Laurent Cantet (França)

Grande Prêmio
Gomorra, de Matteo Garrone (Itália)

Prêmio do Júri
Il Divo, de Paolo Sorrentino (Itália)

Melhor Direção
Nuri Bilge Ceylan, por Three Monkeys (Turquia)

Melhor Atriz
Sandra Corveloni, por Linha de Passe (Brasil)

Melhor Ator
Benicio del Toro, por Che

Melhor Roteiro
Jean Pierre e Luc Dardenne, por Le Silence de Lorna (Bélgica)

Câmera de Ouro (melhor primeiro filme)
Hunger, de Steve McQueen (Reino Unido)

Prêmio Honorário do 61ª Festival de Cannes
Catherine Deneuve (Un Conte de noel) e Clint Eastwood (Changeling)

Palma de Ouro para curta-metragem
Metron, de Marian Crisan


Un Certain Regard

Melhor Filme: Tulpan, de Sergey Dvortsevoy (Cazaquistão)

Prêmio do Júri: Tokyo Sonata, de Kiyoshi Kurosawa (Japão)

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Rebelde sem véu

Persépolis (Idem, França/EUA, 2007)
Dir: Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud


O cinema de animação está muito ligado ao entretenimento e costuma se aproximar muito do público infanto-juvenil. Mas existe um segmento desse cinema voltado para as produções adultas, que para tanto possuem uma complexidade maior em suas histórias. A Viagem de Chihiro, As Bicicletas de Belleville, Valsa com Bashir (atualmente apresentado em Cannes), O Túmulo dos Vaga-lumes são alguns exemplos (nenhum deles realizado nos Estados Unidos e todos feitos em 2D). A produção francesa Persépolis se junta ao time como uma obra extremamente fresca e cheia de criatividade para, através da história de um personagem, contar um pouco da história de um país: o Irã.
O filme é baseado na graphic novel autobiográfica da iraniana Marjane Satrapi e acompanha os anos de sua infância e juventude em meio às transformações políticas no Irã. Quando criança, ela viu surgir em seu país a Revolução Islâmica impondo leis severas e conservadoras à população, como a obrigatoriedade do uso do véu para as mulheres e a submissão delas aos homens da família. Quando a guerra entre Irã e Iraque se intensifica, Marjane terá de sair do país para viver e estudar em Viena, onde seu contato com o mundo ocidental aumenta ainda mais.

Apesar de todo esse viés político, o roteiro leve e despudorado nunca deixa o filme soar pesado; basta para isso o preto-e-branco da imagem. Interessante são as várias referências à cultura ocidental presentes principalmente no rock’n roll do qual Marjane é fã assumida (daí referências que vão desde os Bee Gees ao Iron Maiden, passando pela música punk).

O texto também não se rende ao puritanismo e passa uma sensação de despudor em vários momentos, por exemplo quando a avó dá a sua receita para deixar os seios durinhos, acentuando assim um certo atrevimento vindo daquelas personagens, principalmente das femininas, tão fortes e determinadas (vide o destemor que Marjane apresenta desde pequena).

Característico da animação, as imagens sempre encontram uma forma dinâmica de abordar certos assuntos, principalmente os mais pesados; e também para representar a condição emocional dos personagens.

No entanto, se o filme começa muito bem, ele quase se perde no final com uma trajetória cansativa ao focar os sucessivos desenlances amorosos da personagem principal. Escorregões à parte, Persépolis é um filme delicioso e desde já fortíssimo candidato a melhor animação do ano.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Estrada para a perdição

Traídos pelo Destino (Reservation Road, EUA, 2007)
Dir: Terry George


Depois de se denunciar a sangrenta e degradante guerra civil entre hutus e tutsis no continente africano no ótimo Hotel Ruanda, eis que o diretor Terry George decide investir agora num drama pessoal de forte teor emocional. Uma pena que o filme não tenha muito a dizer além do que já esperamos desse tipo de produção.

Dwight Arno (Mark Ruffalo) é um advogado que por acidente atropela fatalmente o filho do professor universitário Ethan Learner (Joaquin Phoenix) e sem prestar assistência à criança foge em desespero. Começa a busca pelo responsável da morte do garoto e diante do insucesso das investigações policiais, Ethan tenta encontrar o culpado sozinho, criando assim um conflito com sua esposa Grace (Jennifer Connelly). As coisas se complicam ainda mais quando Ethan procura em Dwight um advogado que possa ajudar a descobrir o culpado pela morte de seu filho, desconhecendo a peça que o destino lhe prega.

A decepção em relação ao filme não se deve a alguma falha na história ou na condução do drama, mas no fato de que tudo isso já foi visto antes e nada de novo nos é apresentado aqui. Trata-se, portanto, de um filme-clichê, pois não consegue avançar além do óbvio. Dwight, por exemplo, poderia ser um personagem muito mais rico se não passasse o filme todo se lamentando e fugindo de sua situação. Já Ethan e Grace caem no lugar comum do casal que entra em conflito após uma perda tão profunda.

A seu favor, o filme conta com um elenco afiadíssimo e que carrega a obra nas costas. Todos os três personagens possuem momentos de forte explosão emocional, mas o talento de cada um impede que as situações soem exageradas ou piegas demais. O combate final entre os dois homens é exemplar nesse sentido e é impossível não se sensibilizar com a situação de cada um (além do excelente desempenho de ambos os atores). Se por um lado compreendemos o pai na sua busca por justiça (nesse caso, ela existiria?), não podemos ignorar a situação de impotência e desespero do advogado. Seja como for, a fatalidade irá gravar nos personagens marcas profundas das quais nem sempre se pode escapar.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Mais Curtinhas

Casa Vazia (Bin-jip, Coréia da Sul/Japão, 2004)
Dir: Kim Ki-duk


Muito se fala do diretor sul-coreano Kim Ki-duk (bem e mal) e tinha muita curiosidade de conhecer seu trabalho. Casa Vazia pode não ser um grande filme mas é uma experiência cinematográfica incrível, quase surreal, sem parecer fantástica. Um jovem tem como principal atividade invadir casas na ausência de seus moradores, mas nunca leva nada. Em uma dessas aventuras, ele se surpreenderá com a presença de uma mulher a qual passa a acompanhá-lo. Na realidade, o vazio me parece estar dentro desses personagens; são pessoas que, não tendo para onde ir (ela, fugindo de uma vida sofrida ao lado do marido violento), buscam refúgio em si mesmos, mas quando se descobrem passam a buscá-lo um no outro. O filme preza por uma linguagem a menos verbal possível, confiando na sugestão e na força da imagem, tornando a obra muitas vezes algo simbólico. Já perto do fim, a narrativa cai um pouco e o desfecho pode desagradar a muitos, mas é a forma encontrada para solucionar os problemas daqueles personagens, mesmo que isso pareça implausível. Mas o que interessa em Kim Ki-duk não é se aquilo pode ser verdadeiro ou não, se é crível, mas sim o que ele quer dizer com tudo isso. Com certeza, você nunca viu algo parecido.


Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera (Bom Yeorum Gaeul Gyeoul Geurigo Bom, Coréia do Sul, 2003)
Dir: Kim Ki-duk


É incrível como um filme que à primeira vista não prometa nada ao espectador vai se transformando numa bela parábola sobre a vida e suas fases, seus conflitos e principalmente sobre a busca de uma paz interior de espírito. O que no início possui ares de liçãozinha de moral se torna um belo retrato das fraquezas humanas e a possibilidade de vencê-las. Toda a ação se passa num pequeno monastério, no meio de um lago, onde vivem um velho monge e uma criança. Assim como passam as estações do ano, a vida de ambos segue calmamente, mas vão se deparar com situações diversas nesse percurso; e nunca serão a mesma. O filme (mais uma vez em sua filmografia) é pontuado de silêncios, e o diretor sempre encontra uma maneira de, através da força da imagem, transmitir alguma sensação. A locação é também um prato cheio para que o diretor crie imagens belíssimas, ajudado por uma fotografia naturalista, mas intensa. O cineasta sul coreano Kim Ki-duk vem se tornando uma surpresa para mim, principalmente porque existem várias pessoas que torcem o nariz para o seu cinema. Mas a mim ele tem conquistado.


Cada um com Seu Cinema (Chacun Son Cinemá, França, 2007)
Dir: Raymond Depardon*, Takeshi Kitano**, Théo Angelopoulos***, Andrei Konchalovsky*, Nanni Moretti**½, Hou Hsiao-hsien*½, Jean-Pierre e Luc Dardenne****, Alejandro González Iñárritu****, Zhang Yimou**, Amos Gitai*, Jane Champion*, Atom Egoyan*, Aki Kaurismäki*, Olivier Assayas***½, Youssef Chahine½, Tsai Ming Liang*, Lars Von Trier **, Raoul Ruiz*, Claude Lelouch***, Gus Van Sant*, Roman Polanski***½, Michael Cimino*, David Cronenberg**½, Wong Kar Wai*, Abbas Kiarostami**, Billie August***, Elia Suleiman**, Manoel de Oliveira*, Walter Salles ***, Win Wenders **½, Chen Kaige***, Ken Loach **½


O que mais impressiona nesse projeto é quantidade de diretores de peso que assumiram o controle dos curtas, mas o baixo nível da maioria dos trabalhos. De fato, esperava muito mais de vários deles. Se os Dardennes e Iñárritu se sobressaem com uma sensibilidade ímpar, há algumas belas decepções vindas de Gus Van Sant, Lars Von Trier e Wong Kar Wai. Ficam no meio termo o belissimamente fotografado curta de Chen Kaige, o triângulo amoroso de Olivier Assayas e a hilária piada de Roman Polanski. Walter Salles põe Castanha e Caju cantando embolada e interfere pouquíssimo, alcançando resultado interessante. O filme foi encomendado pelo presidente do Festival de Cannes por conta dos 60 anos de comemoração da premiação ano passado. Parece que faltou mais emoção e ousadia. Com certeza, talento não era o problema.


Os Donos da Noite (We Own the Night, EUA, 2007)
Dir: James Gray


Não entendi o porquê desse filme ter feito tanto sucesso por aí. Muitos apontaram como um dos melhores do ano passado, esteve na seleção oficial do Festival de Cannes de 2007 e parecia ter aura de cult movie. Mas achei a história frouxa, sem grandes atrativos e novidades além de fracamente atuado, salvo o excelente trabalho de Joaquim Phoenix. Na trama, o confronto entre dois irmãos: o policial Joseph (Mark Whalberg) e Bobby (Joaquin Phoenix), esse último que administra uma boate ponto de distribuição de drogas. Os negócios de Joseph passam a ser o alvo principal de uma investigação liderada justamente por seu irmão, criando assim um conflito entre os personagens, incluindo ainda o pai de ambos (vivido por um apagado Robet Duvall). O aspecto positivo da obra reside na aposta maior do drama entre os personagens do que propriamente na ação. O atentado contra um dos irmãos é um dos melhores momentos, assim como a cena final. Enfim, narrativa falha que deixou muito a desejar principalmente por aquilo que prometia.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Dilema

Medo da Verdade (Gone Baby Gone, EUA, 2007)
Dir: Ben Affleck


Keanu Reeves, Orlando Bloom e Ben Affleck são para mim os piores atores que Hollywood possui hoje, embora façam muito sucesso com o público. Portanto, estranhei muito o fato deste último estrear ano passado na direção de um longa-metragem. Mas justiça seja feita, é uma bela estréia e se Affleck é uma negação diante das câmeras, parece que encontrou de fato seu talento atrás delas. Só espero que esse talento não seja desperdiçado ou mesmo desmascarado mais tarde.

Mas digamos logo que se o filme é tão bem-sucedido, ele deve grande parte disso a um roteiro espetacular baseado na história real do seqüestro da menina Amanda McCready em Boston, baseado no livro de Dennis Lehane e adaptado para as telas por Aaron Stockard e pelo próprio Ben Affleck. Após três dias de buscas infrutíferas por parte da polícia, a tia da garota resolve contratar dois detetives particulares para ajudar no caso: Patrick (Casey Affleck, irmão do diretor) e Angela (Michelle Monaghan). A partir daí, novas revelações vão sendo feitas e as aparências, desmascaradas.

E já que elogiei o roteiro, é preciso apontar suas qualidades. Primeiro, a ótima qualidade dos diálogos, principalmente nas discussões entre Patrick e os policias. Contando com várias reviravoltas, é muito bom ver como todas soam plausíveis ao mesmo tempo em que conferem dinamismo ao filme. Surpreendemos-nos até o final com os rumos que a trama toma. Sempre há uma informação nova, e se determinada situação nos parece confiável num primeiro momento, mais tarde veremos que nos enganamos. E já na metade do filme, as investigações são dadas por encerradas, mas mais coisas precisam ser esclarecidas. Nem tudo é o que parece.

Como se não bastasse, o filme ainda promove discussões morais interessantes: se uma pessoa cometer um crime perverso, até que ponto matá-la é fazer justiça? E se o não cumprimento da justiça significar uma vida melhor para alguém, é certo compactuarmos com isso? A decisão tomada pelo protagonista ao fim da película pode desagradar a muitos, mas a existência de opiniões divergentes entre personagens importantes ajuda a tornar toda a discussão um tanto imparcial e, assim, mais complexa. Eu, por exemplo, me sinto livre para discordar do personagem, sem com isso considerar o final do filme ruim ou desagradável.

Muito bem atuado pelo casal de protagonista, o filme conta ainda com coadjuvantes de respeito como Morgan Freeman, Ed Harris e Amy Ryan, essa última fabulosa em cena, interpreta a mãe desequlibrada da pequena garota, sendo indicada esse ano ao Oscar de Atriz Coadjuvante. Tecnicamente, vale destacar a bela fotografia que sabe pontuar as variedades emocionais dos personagens.

Com um material desses em mãos, só mesmo um péssimo profissional poderia estragá-lo, mas Affleck demonstra aqui um talento enorme ao conduzir com cuidado e sensibilidade uma história cheia de nuances e revezes. E cheia de perigos também, já que a obra podia ser somente mais um filme policial. Que tal fazermos uma campanha para o Ben Affleck abandonar de vez a carreira de ator e se dedicar exclusivamente à direção?

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Filme pródigo

O Orfanato (El Orfanato, México/Espanha, 2007)
Dir: Juan Antonio Bayona


Se o filme de suspense/terror vem sofrendo com o baixo nível das produções atuais, principalmente a norte-americana, é preciso que outras o façam melhor. O Japão é um celeiro interessante, mas parece que o México está entrando nessa também. O Orfanato possui todos os elementos do gênero, mas sua história tem tanta sustentabilidade, tanta razão de ser, que se eleva em meio à produção recente, principalmente porque o fator humano nunca deixa de estar presente.

A direção segura de Juan Bayona é outro ponto a favor do filme, mas como a obra foi produzida por Guillermo Del Toro (do ótimo O Labirinto do Fauno e que anos antes fez A Espinha do Diabo, tematicamente parecido com este aqui), não se sabe o quanto isso possa ter interferido no projeto.

Belissimamente interpretada por Belén Rueda, Laura pretende fazer de um antigo casarão um lugar para cuidar e acolher crianças que possuem necessidades especiais. Outrora o local era um orfanato onde a protagonista foi criada, daí a vontade de fazer o mesmo para outras crianças que precisam. Mas o estranho comportamento de seu filho adotivo (portador do vírus da Aids), que parece se comunicar com amigos imaginários, vai culminar com o misterioso desaparecimento do garoto. Começa então uma busca que levará Laura além dos limites do mundo real.

E como não podia faltar, há momentos de gelar a espinha. A visita da médium à casa é algo espantoso, não pelo que vemos, mas por aquilo que imaginamos que ela esteja vendo e sentindo. Outra cena, já nos momentos finais, mostra o resultado assustador da brincadeira que a protagonista usa para entrar em contato com o mundo dos espíritos. O desfecho disso tudo é outro ponto a favor do filme; só peca ao explicar didaticamente, através dos incansáveis flashbacks, todos os pontos da trama até o seu desfecho.

De qualquer forma, é um filme louvável por renovar um gênero que tem sofrido muito das pernas ultimamente. O fato de ser uma produção de primeira linha vinda fora dos limites estadunidenses só reforça a necessidade de mais filmes assim. Com certeza, esse é um filme pródigo.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Curtinhas – vistos recentemente

O Homem de Ferro (Iron Man, EUA, 2008)
Dir: Jon Favreau


Não sou dos maiores fãs de quadrinhos e muito menos do Iron Man, personagem do qual não tenho muitas lembranças quando criança diante da TV. Portanto, sem grandes expectativas. Na verdade, a única coisa que me chamava atenção na produção era a presença do esquisito Robert Downey Jr. como o personagem título. Ele vive o bilionário Tony Stark, dono de uma indústria de armamentos bélicos. Quando é seqüestrado e obrigado a construir um míssil para terroristas afegãos, ele utiliza de sua habilidade de inventor para produzir uma armadura de metal a fim de se livrar de seus seqüestradores. Surge então o Homem de Ferro, ou pelo menos o desejo de criar uma armadura melhor e mais potente. O filme contém algumas falhas de roteiro, mas isso se deve mais à fidelidade à história original dos quadrinhos. No final das contas, o saldo é positivo para um filme de aventura: é divertido, tem adrenalina e sua parcela de fantasia.


O Sonho de Cassandra (Cassandra’s Dream, EUA/Inglaterra/França, 2007)
Dir: Woody Allen


De acordo com a mitologia grega, Cassandra é a adivinha, filha do rei dei Tróia, que previu o incidente com o cavalo de madeira, mas amaldiçoada por Zeus, ninguém acreditava em suas visões. Deu no que deu: tragédia. Aqui outra se anuncia, principalmente quando dois irmãos batizam um barco que compraram juntos de O Sonho de Cassandra. Vividos por Ewan McGregor e Colin Farrell, os dois vão se endividando na tentativa de se darem bem na vida. Esse último ainda é um viciado em jogos de azar além de sempre exagerar na bebida. Entra em cena um tio que poderá ajudá-los, mas precisará de um favor em troca. É, eu sei, vão falar que o diretor nova-iorquino está se repetindo nesse seu mais novo trabalho. Mas fazer o quê se o filme é bom? A história de personagens que se metem em sérios problemas e precisam tomar medidas drásticas para resolve-los já foi visto antes em sua filmografia, tanto em Match Point quanto no magnífico Crimes e Pecados, com os quais seu novo filme possui uma grande semelhança temática. Mas em se tratando da mente criativa de Allen, não espere um desfecho parecido com os dois filmes citados. Vindo dele, é de se esperar direção e roteiro muito bons, como os apresentados aqui, mas a grande surpresa é a atuação do Farrell que, de ator mediano, alcança ótimos momentos com um personagem tão trágico. A presente trilha sonora de Philip Glass é outro atrativo.


O Banheiro do Papa (El Baño del Papa, Uruguai/Brasil/França, 2007)
Dir: César Charlone e Henrique Fernández


O ano de 1988 ficou marcado na pequena cidade fronteiriça de Melo, divisa entre Brasil e Uruguai, pela passagem do Papa João Paulo II. Com a promessa de receber milhares de turistas para o evento, os habitantes do lugar se mobilizam para lucrar de alguma forma com o acontecimento, seja vendendo comida, bebida, medalhinhas de santos, ou até mesmo alugando um banheiro. É essa a idéia de Beto (muitíssimo bem interpretado por César Troncoso), um sacoleiro que sonha comprar uma moto a fim de trabalhar melhor. No mais belo estilo naturalista, sempre com câmera na mão, somos apresentados àquela comunidade, bem como a família de Beto e os conflitos nela existentes. O filme se utiliza desse personagem, e também do inusitado acontecimento, para retratar o dia-a-dia sofrido e sem esperanças daquele povo pobre, mas batalhador. A personalidade às vezes bruta do protagonista, as brigas com a esposa (Virginia Mendez) e os desentendimentos com a única filha adolescente (Virginia Ruiz), que sonha estudar na capital e ser repórter, são aspectos importantes para retratar os dramas humanos daqueles personagens. Então, não se trata de uma história sobre a vinda do Papa, mas sobre a luta diária por melhores condições. César Charlone, diretor de fotografia de Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel, volta a sua terra natal para dirigir o filme juntamente com Henrique Fernández e, responsável por fotografar a película, faz mais outro belo trabalho. O filme foi o principal vencedor da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo ano passado.