Dir: Woody Allen
O
olhar continua ácido, a comicidade continua sofisticada, a despretensão e
leveza marcam presença mais uma vez, os atores continuam bem dirigidos, Roma
continua grandiosamente bela. Daí que não dá pra reclamar do novo filme de
Woody Allen, uma comédia ligeira e modesta, numa celebração à capital italiana
que marca mais uma rota vencida no mapa europeu traçado por Allen nos últimos
anos.
Talvez
por isso, Para Roma, Com Amor (título
bobinho, esse) esteja mais próximo de Você
Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos, por acaso um dos filmes mais fracos
do cineasta nos últimos anos. A fragmentação das histórias parece a maior
proximidade, embora aqui os arcos narrativos criados pelo diretor-roteirista
nunca irão se encontrar. Independentes entre si, alguns funcionam melhores que
outros.
Roberto
Benigni, por exemplo, soa totalmente descartável como um italiano
classe média comum, que, confundido com uma grande personalidade, passa a ser
perseguido por paparazzis desvairados.
A crítica à mídia italiana e o estrelismo que ela propaga é uma boa cutucada,
mas se torna cansativa e perde a graça. Graça que esbanja no seguimento em que
o próprio Allen vive um americano que vai conhecer a família do genro na Itália
e descobre o grande talento de cantor lírico que o sogro da sua filha tem,
mesmo que só funcione debaixo do chuveiro. Esses são os momentos de risadas
mais inspiradas do filme, com as tiradas e o timming
do elenco funcionando perfeitamente.
Num
outro arco, o estudante de arquitetura Jack (Jesse Eisenberg) se vê apaixonado
pela amiga (Ellen Page) de sua namorada (Greta Gerwig), uma americana
totalmente mente aberta a experiências – especialmente sexuais. O melhor desse
segmento são as aparições de um veterano arquiteto (Alec Baldwin) que Jack
conhece por acaso nas ruas, inicialmente surgindo como um convidado do jovem,
mas depois aparecendo nos momentos mais íntimos do rapaz, dando-lhe conselhos
(às vezes ouvidos por todos em cena) e tentando interferir na iminente tentação
do rapaz em se entregar à moça e trair sua namorada. Quando menos esperamos, ele está lá em cena, ouvindo a conversa e dando seus pitacos amorosos. É esse tipo de licença
poética que nos faz sorrir de canto de boca, numa cumplicidade com a
despretensão fantasiosa que Allen nos proporciona.
Há
ainda as desventuras de um casal interiorano (Alessandra Mastronardi e
Alessandro Tiberi) que se perdem nas ruas de Roma e encontram possibilidades
outras de casos amorosos, apesar da inocência de ambos. Destaque aqui para a
voluptuosidade de Penélope Cruz como a prostituta que, acidentalmente, confunde
o rapaz com seu próximo cliente.
Talvez
seja fácil colocar a culpa dos resultados medianos de alguns filmes recentes do
diretor a esse seu ritmo de produção fordista, uma média de um filme por ano
que ele escreve e dirige. Mas pode-se ver também pelo lado enjoy it da coisa, como se o próprio cineasta não se imputasse a
obrigação de fazer um grande filme sempre (tais como os recentes Match Point, Meia-Noite em Paris e Vicky
Cristina Barcelona) e fosse produzindo ao seu bel prazer. Ganhamos nós com
obras assim graciosas. Para além disso, e se visto com cuidado, esse seu mais
novo filme possui um cuidado pela encenação bem próprios da maturidade do
cineasta, em especial marcação de atores e movimentos de câmeras sutis que
nunca se revelam exibicionistas.
Como
seus outros filmes dessa fase europeia, Allen continua lançando seu olhar de
turista culto por uma cidade rica em substrato cultural e intelectual, passando
pelo cinema, música erudita e pela arquitetura portentosa de Roma, dentre outras
referências artísticas que são a cara do cineasta nova-iorquino. Para Roma, Com Amor é mais um passo
seguro de sua filmografia, confirmação de que a idade tem feito muito bem
a esse autor norte-americano.