sexta-feira, 13 de junho de 2014

História de formação

Avanti Popolo (Idem, Brasil, 2013)
Dir: Michael Warhmann


Filhos que retornam para casa e remexem no baú de memórias da própria família já foram temas de muitas histórias. Em Avanti Popolo esse elemento impulsionador está lá, embora o filme trabalhe com uma série de outras questões que perpassam por essa trama melancólica. Noções como as de pátria e nacionalismo, acontecimentos particulares e coletivos, o passado histórico como fator de formação do indivíduo e de um povo e mesmo a relação com a imagem filmada, caseira, tudo isso está em jogo aqui.

É possível mesmo perguntar aonde o filme quer chegar com todos esses pontos, embaralhados pelo percurso de seus personagens. Ou antes, pode-se pensar num cineasta que tateia uma maneira de colocar em cena as questões que lhe são caras, de forma nunca banal, sem a rigidez de um roteiro previsível. O diretor Michael Wahrmann, estreando no longa-metragem, parece mais disposto a abrir seu filme aos fragmentos de memória e ao moroso reencontro dos dois protagonistas.  

Há no centro dessa história uma família ferida. As relações entre pai (vivido pelo grande cineasta Carlos Reichenbach, morto há dois anos) e filho (André Gatti) são de um distanciamento evidente. O pai, por exemplo, está mais interessado em brincar com sua cachorra Baleia do que receber e preparar um lugar para o filho na casa; o empoeirado sofá da sala lhe servirá de pouso durante essa visita forçada, depois de rejeitado pela esposa. Aqui há de se notar a atmosfera expressionista que esse cômodo carrega, torto e fantasmagórico, tradução ideal do mundo decadente daqueles personagens.

Mas é via imagens de Super-8 que o filho resgata, meio sem ter o que fazer ali, um passado (feliz?) de sua família. São registros caseiros, quase banais, mas representativos do que agregam em termos de reminiscência. Apontam também para um segundo irmão que não está mais ali com eles. É aí que memória individual e coletiva misturam-se. O Brasil da Ditadura Militar é o país onde esses filhos cresceram e que levou um deles para a militância política, sem ter tido chance de voltar. É muito tocante que essa história reviva, mesmo em poucos momentos, a partir dessas imagens amadoras em película, tão frágeis e descascadas quanto as paredes daquela casa (e é ali que a mais icônica delas é projetada).

Avati Popolo é um trabalho que sugere muito, nada aqui nos é dado de bandeja. O filme abre com uma transmissão radiofônica (na voz do próprio diretor) que apela para uma certa integração do Brasil ao contexto da América Latina. É ela também que fecha o filme, invocando a canção italiana tema da luta socialista, quando o sonho de conquista dessa ordem ainda era a luta de muitos.

É assim que tais elementos, inicialmente caprichosos numa narrativa de rememoração e patriotismo, ganham forma enquanto o longa avança, mesmo aquelas aparentemente mais banais: um taxista aficionado por hinos nacionais de diversos países, um sujeito que lança as bases para um novo movimento cinematográfico, o hilário Dogma 2002; cada uma dessas “brincadeiras” servem aos propósitos do nacionalismo e da investigação da imagem fílmica que o longa propõe.

Ainda assim, há, por vezes, a impressão de algo inacabado, disforme, como um filme lançado aos acasos. Quando terminam os enxutos 72 minutos de duração, aquela história parece ter ainda mais coisas pra contar. De qualquer forma, há um grande valor em Avanti Popolo porque ele olha para o passado recente de uma família, definidor dos comportamentos de das lembranças atuais de seus personagens, como forma também de olhar para um Brasil em formação e em busca de identidade. Mas, acima de tudo, um país que possui uma dificuldade enorme de lidar com seu passado histórico e com as imagens que gerou desse momento.

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