sexta-feira, 27 de junho de 2014

Experimentando o mundo

O Menino e o Mundo (Idem, Brasil, 2013)
Dir: Alê Abreu


Há algo de muito arriscado em O Menino e o Mundo. Apesar do protagonismo infantil e atmosfera lúdica, trata-se de uma animação com muito de subjetivo, repleta de simbolismos, crítica social e aposta na sensibilidade e envolvimento do público para compreender os subtextos que são apresentados. Mas o risco tem gerado bons frutos: o filme é o atual vencedor do Festival Internacional de Animação de Annecy, o mais importante de todos nesse formato (depois de passagem por vários outros festivais no mundo) e volta em cartaz aos cinemas brasileiros depois dessa vitória.

É um grande passo para Alê Abreu já que seu novo trabalho distancia-se de seu longa anterior, Garoto Cósmico, de tom claramente mais infantil, apesar do traço de ludicidade marcar presença forte em ambos os filmes. Com pouquíssima tradição no campo da animação, Alê Abreu prova que o cinema brasileiro também tem vigor nessa seara.

Das escolhas narrativas que apelam para a subjetividade do público, O Menino e o Mundo configura-se como um trabalho belíssimo de imersão. É certo que o espectador vê e ouve através dos sentidos e da sensibilidade emocional do menino que descobre as coisas do mundo ao redor. Ele vive no interior, vida simples, mas repleta de pequenas alegrias que ele encontra nas belezas naturais à sua disposição, a despeito da pobreza da família. Vê seu pai ir embora tentar a vida na cidade grande. Inconformado, o garoto parte e se perde no mundo para achar o pai.

Em termos formais, existe claramente um desenho de produção e de personagens cuidadosíssimo, um espetáculo visual de encher os olhos com seu traço simples, mas certeiro e criativo. Porém é no trabalho fenomenal de som e música que o filme cresce. A própria escolha pela ausência de diálogos abre espaço para que a criação sonora dê vida e personalidade não só aos personagens, mas também aos cenários narrativos, muitas vezes com uma complexidade enorme de ruídos e sons. É uma experiência realmente agradável aguçar os ouvidos para um projeto em que o sensorial é tão bem explorado.

E mesmo a bela canção Aos Olhos de uma Criança, cantada pelo rapper Emicida nos créditos finais, é retrabalhada no decorrer do filme, mas com um detalhe: embaralhando as palavras. Isso porque no universo diegético da narrativa, as falas dos adultos não são compreensíveis pelo menino, soam estrangeiras. É mais uma forma de imergir nas percepções sensoriais do garoto diante de um mundo cheio de mistérios.

Há de se notar, no entanto, que o filme só perde quando resolve romper com o universo da animação, acrescentando algumas imagens reais de desmatamento (retiradas, na verdade, de longas brasileiros como Iracema – Uma Transa Amazônica). É o lado crítico-ambiental que se faz presente aqui, mas soa mesmo desnecessário porque, via ludicidade, o filme já consegue esse feito, sem a deixa de história panfletária. 

Ademais, existem outras questões de cunho social que se fazem presentes e nem por isso precisam de equivalentes live action: o contraponto entre campo e cidade; a exploração dos trabalhadores braçais, gente humilde em busca de oportunidades na selva de pedra; o capitalismo que padroniza produtos e segrega a sociedade, enquanto lucram os já poderosos. Tudo isso perpassa pelo caminho desse menino que experimenta o mundo, quase ingenuamente, mas que aprende muito com o que apreende das coisas da vida.

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