quarta-feira, 15 de junho de 2011

Festival Varilux (parte II): Jogos perigosos


Xeque-Mate
(Joueuse, França/Alemanha, 2009)
Dir: Caroline Bottaro



Xeque-Mate começa como uma história inusitada. Arrumadeira de classe baixa que trabalha num pequeno hotel e em outras casas, de repente, se vê encanta pelo jogo de xadrez quando arruma o quarto de um casal enquanto eles estão jogando. Existe um romantismo na forma como eles se divertem durante o jogo que encanta Hélène (Sandrine Bonnaire – homenageada pelo Festival).

Na verdade, ela nem sabe jogar; começa aprendendo sozinha e vai se aperfeiçoar no jogo de tabuleiro com a ajuda do médico aposentado Dr. Kröger (numa aparição inusitadíssima do norte-americano Kevin Kline). Ranzinza e arrogante, ela vai convencê-lo a gastar seu tempo ensinando-a as manhas do xadrez.

Ao mesmo tempo, o filme assume um tom um tanto feminista, principalmente quando a personagem descobrir que a dama “é a mais forte de todas as peças”, como ela mesma diz e repete durante o filme. Ao precisar lidar com o marido ciumento e as crises da filha adolescente, ela vai reafirmar o seu próprio valor como mulher, mãe e esposa.

Mas o grande problema do filme é nunca tratar os dramas de sua personagem, ou das pessoas a sua volta, com a consistência e interesse necessários. Exemplo disso é quando a filha termina com o namorado, ela passa a acusar os pais por serem pobres, o pai grita com a menina, pai e mãe transam na mesa da cozinha e fica tudo por isso mesmo. Ou então quando a chefe de Hélène briga com ela pela displicência com que vem realizando seu trabalho, ela lhe garante que vai melhorar e acabou-se a questão.

Falta coragem em assumir um tom mais forte e contundente na forma de lidar com esses conflitos. Consequentemente, a própria postura de superação que ela mantém diante da necessidade de ser uma boa jogadora de xadrez perde até sua razão de ser. E mesmo a atuação de Sandrine Bonnaire parece engessada numa única expressão de determinação durante todo o filme.

Pior ainda é quando Xeque-Mate assume um tom de enfrentamento, inserindo a protagonista num improvável torneio regional de xadrez, tentando nos convencer do talento nato da mulher para aquele jogo, revelado em tão pouco tempo, além de apresentar um final com direito a lição de moral. É como se o filme fosse decaindo em qualidade até chegar bem fundo no poço. A dama é forte, sim, mas é o jogo narrativo no qual está inserido que já parece perdido.


Os Nomes do Amor (Le Nom des Gens, França, 2010)
Dir: Michel Leclerc



Os Nomes do Amor começa com uma colagem muito interessante em que os protagonistas Bahia Benmahmoud (Sara Forestier) e Arthur Martin (Jacques Gamblin), ao se apresentarem, relatam também a trajetória de seus respectivos pais, como forma de demonstrar suas origens, e os desenham como pessoas improváveis que se conheceram pela força do acaso, trazendo histórias trágicas que ganham um tratamento bem-humorado.

Já nesse início é possível notar o humor negro inerente à história e o tratamento “politicamente incorreto” dado a temas como abuso sexual de crianças ou de órfãos que perderam os pais em Auschwitz. Algumas piadas, nesse sentido, até que funcionam, mas rapidamente o filme revela seu texto de extremo mal gosto e, pior de tudo, ainda faz de seus personagens pessoas estúpidas a fim de extrair daí uma certa comédia fincada no escracho.

O filme se debruça no encontro desastrado entre os dois e insiste numa relação que nunca soa o mínimo verossímil. Ele é um especialista em doenças provocadas por aves e ela uma garota, um tanto ninfomaníaca, que tem como projeto de vida transar com homens fascistas e de direita a fim de converta-los a causas mais nobres e não interesseiras/capitalistas/racistas. Além de já contar aí com estereótipos bem bobos, o próprio plot do filme é babaca por si só.

A bagunça dos acontecimentos que o filme vai sucedendo sem um rumo certo até tenta acertar na relação que estabelece a todo o tempo com o passado, que adentra a narrativa, por exemplo, com a presença dos antepassados dos protagonistas e até de suas versões mais jovens interagindo no mundo presente, numa montagem que mantém um bom ritmo.

Mas tudo isso está à mercê de um texto fraquíssimo que se quer ácido, sem falar quando tenta assumir um discurso politizado sobre, por exemplo, as relações entre árabes e judeus e as eleições presidenciais francesas. Os resultados parecem sempre pífios.

Sofrem com isso os protagonistas, obrigados a girar o tempo todo em volta de um mesmo propósito de riso fácil e escrachado. Numa determinada cena, Bahia está no caixa do supermercado com Arthur quando descobre que esqueceu de comprar alguma coisa; deixa ele lá e lembra de alguma coisa que esqueceu em casa, vai lá, toma banho, sai na rua e só quando entra no metrô percebe que está pelada. Apesar da beleza escultural da moça (e do despudor do cinema francês em não esconder o nudismo completo dela), o tom é tão forçado que parece até uma afronta para um filme disposto a criar uma narrativa viva e humorada. O efeito é contrário, aquele riso constrangedor no final.

2 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Também achei XEQUE-MATE bem fraquinho, Rafael.

O Falcão Maltês

Rafael Carvalho disse...

Antonio, o filme vai enfraquecendo de forma assustadora até chegar a um final altruísta e até mesmo moralista, coisa que nem me passava pela cabeça que ia surgir no filme.