sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Mostra Cinema Conquista – Parte III



O Mercado de Notícias
(Idem, Brasil, 2014)
Dir: Jorge Furtado 

Muito se discute sobre a qualidade do jornalismo brasileiro e os vários meandros que se entrelaçam na construção do quarto poder (em tempos de eleições acaloradas a coisa se complica mais ainda). É um tema espinhoso, que envolve mais do que a mera transmissão da informação para a sociedade em geral. Fala-se sobre a idoneidade dos veículos e dos vieses que se emaranham pelo discurso jornalístico.

Há de se dizer que esse universo de construção midiática via informação jornalística é mais complexo do que sonha nossa vã filosofia. O Mercado de Notícias toca em uma serie de questões importantes para se entender o jornalismo que se faz e se consome atualmente no Brasil. Intercala uma série de depoimentos de jornalistas da mídia nacional com a encenação de uma peça de teatro que intitula o filme. No entanto, o documentário está bem aquém de trazer uma discussão aprofundada e marcante como tenta transparecer.

Há alguns desvios colocados pelo filme, na pessoa do próprio diretor Jorge Furtado, que aparece em cena. Na reunião com a trupe teatral, ele diz que no documentário tudo pode acontecer, os rumos tomados são imprevisíveis. É uma deixa para se pensar num filme de investigação, ainda mais com o tema escolhido.

A questão é que O Mercado de Notícias já sabe aonde quer chegar, já tem suas teses mais ou menos prontas e bem delineadas. Primeiro porque quase não há nada de novo no que se diz ali: o jornalismo nutre laços estreitos com a publicidade e as ideologias dos partidos político, a relação com as fontes é dúbia e, principalmente, o mundo monetário rege muita coisa que se produz como jornalismo. Até aqui nada de novo no front.

Ademais, os rumos da conversa partem dos direcionamentos que o próprio Furtado dá, muito confortavelmente naquilo que ele deseja discutir. O caso mais emblemático é o do Picasso da Folha de São Paulo, erro crasso cometido numa matéria que afirmava haver, no INSS de Brasília, uma obra autêntica do pintor Pablo Picasso, quando, na verdade, tratava-se somente de uma reprodução autografada.

Exemplo risível e absurdo de nosso jornalismo. Quando se mostra isso no filme para os entrevistados, o que eles acham? Que é risível e um absurdo. Mais uma vez, a coisa parece prevista para os fins que se quer alcançar. Curioso também o fato de Furtado anunciar que aqueles jornalistas ali reunidos são seus “amigos”, gente com quem ele tem contato e aprecia o trabalho. Bate impressão forte de algo devidamente calculado e menos de investigação de fato. Papo de compadres.

A peça teatral homônima, escrita pelo inglês Bem Jonson em 1625, é encenada aqui para intercalar os depoimentos padrão dos documentários. É um achado por ser tão antiga e ainda assim ácida sobre o jornalismo que se pratica hoje. Porém, não deixa de ser alegórica e por vezes simplista sobre a relação jornalismo-dinheiro. E vá lá, nem é bem encenada assim. Em termos de experimentação de linguagem e provocação, Furtado já foi bem mais bem-sucedido antes.



A História da Eternidade (Idem, Brasil, 2014)
Dir: Camilo Cavalcante 


A poesia bruta do sertão explorada mais uma vez. Camilo Cavalcante passeia pelos tipos que já foram largamente utilizados nessa ambiência: garota de família patriarcal tem sonho pulsante em conhecer o mar; o tio, um artista incompreendido, o pai, um bruto; em outros núcleos, há ainda o neto que retorna à terra natal, para alegria da avó, e o sanfoneiro cego que clama o amor de uma mulher em luto pela morte do filho pequeno.

São histórias que se entrecruzam na paisagem árida do interior nordestino, com suas regras e morais instituídas. Chega a ser um risco manipular velhos temas e tipos batidos desse ambiente já tão exposto nas artes em geral. O que sustenta o filme é a direção segura de Cavalcante, sua estreia no longa-metragem depois de um extenso trabalho com curtas.

A paisagem interiorana ganha um tratamento que segue um fluxo de tempo muito próprio, calmo, ainda que as questões que movam os personagens vão crescendo em intensidade. Nuances de viés mais proibidos (como a atração da sobrinha pelo tio, ou da avó pelo neto) ou mesmo pondo em xeque a moral de seus personagens (o neto que volta fugindo de encrenca na cidade grande) surgem para complexificar as relações daquelas pessoas entre si, também no contexto de vida em que se encontram.

Nesses embates, o longa beneficia-se de um time de atores de primeira. Marcélia Cartaxo e Zezita Matos personificam muito bem essas mulheres fortes do interior, uma que nega o amor em prol do luto, outra com o coração balançado pela descoberta de um neto não tão pródigo assim. Mas o destaque mesmo vai para um Irandhir Santos radiante, frágil pela epilepsia que lhe acomete, mas cheio de vigor por conta de sua condição de artista maldito e contestador num ambiente desfavorável.

Duas cenas suas se destacam: quando performatiza, na rua, uma canção dos Secos e Molhados; e aquela em que ele “apresenta” à sobrinha o mar. Em ambas as sequências, a câmera em travelling circular parece hipnotizada pela disposição e olhar poético daquele homem. 

É o respiro que o filme permite em contraponto à dureza de uma vida severina; há arte ali. É esse tipo de olhar aguçado para a poética das paixões em meio à coisa bruta que Calvalcante explora tão bem. Nota-se nele um cineasta consciente do seu poder de encenação, ainda que seus temas não sejam assim dos mais originais.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Mostra Cinema Conquista – Parte II



Riocorrente (Idem, Brasil, 2013)
Dir: Paulo Sacramento 




É muito pertinente ver num filme brasileiro uma vontade tão grande de registrar e dar conta da sensação de morar numa grande cidade de um país tão desigual como o Brasil.
Riocorrente busca fazer um retrato impetuoso dessa cidade cão que São Paulo pode ser, num filme que nos chega sob a marca do simbolismo, exalando brutalidade a cada cena. Por isso é uma pena enorme que uma proposta tão corajosa emperre num problema grave de roteiro: falta história e faltam personagens.

Os tipos quase marginais que Sacramento escolhe para guiar sua narrativa são cheios de inquietações e vibrações, mas é muito difícil dimensioná-los no filme. Renata (Simone Iliescu) divide-se num relacionamento com seu namorado Marcelo (Roberto Audio) e com o mecânico Carlos (Lee Taylor). Esse último, por sua vez, possui uma proximidade quase paternal com o menino de rua Exu (Vinicius dos Anjos), a marginalidade estampada em sua feição dura. Todos sujeitos à vibração esmagadora de São Paulo.

Sacramento apresenta uma condução curiosa na forma como cria uma série de metáforas visuais para representar a ebulição da cidade. Riocorrente rege-se pelo signo do fogo, elemento presente em várias cenas (a do carro incendiado em disparada na estrada é uma das imagens mais fortes do filme em termos simbólicos). A iminência da combustão parece guiar esses personagens, em especial Marcelo e sua agressividade latente.

O problema é quando toda essa vontade de mostrar a cara bruta da cidade esbarra num mero preciosismo simbólico de cenas que gritam a “força” do filme. E todo o decorrer da história parece exercitar o mesmo dispositivo simbólico, tornando a narrativa morosamente redundante.

É difícil entender, se importar ou acreditar naquelas pessoas que se machucam, às vezes de forma a mais gratuita possível. Parecem reféns de um estado de coisas socialmente conturbadas, mas tudo que o filme nos dá são possibilidades muito abertas de interpretação.

Certamente este não é um filme clássico de personagens realistas e bem aparados, mas o filme acaba ruminando o tempo todo as mesmas questões e não parece haver consistência nos atos e comportamentos daquelas pessoas. O filme termina e não se sabe ao certo aonde quer chegar.


Tatuagem (Idem, Brasil, 2013) 
Dir: Hilton Lacerda


 
Vem de Pernambuco mais um belo exemplar de cinema com personalidade. Hilton Lacerda, à frente de seu primeiro longa-metragem de ficção depois de um logo trabalho como roteirista nos filmes do conterrâneo Cláudio Assis, chega com um filme que faz alarde, mas cercado de afetos.

Tatuagem vem (e vence) pela marca do escracho. Logo em um dos primeiros números apresentados pela trupe de teatro Chão de Estrelas, um dos personagens diz que “nossa arma é o deboche”. É a dica para que encaremos com muito bom humor e anarquismo contestador as apresentações do grupo, cheios de um subtexto (pan)sexual – e por isso político.

Clécio (Irandhir Santos) é o líder do grupo que batalha para continuar mantendo de pé o seu ganha-pão com os poucos recursos de que dispõe, e ainda tendo de enfrentar a censura militar em fins dos anos 1970. Um dos grandes acertos de Larceda é nunca transformar seu filme numa mera bandeira contra os ditames da Ditadura, mas antes em dar relevância a um tipo de comportamento duramente oprimido, inclusive socialmente.

O romance que vai surgir entre o protagonista e o soldado Fininha (Jesuíta Barbosa), cunhado do melhor amigo de Clécio, o espalhafatoso Paulete (Rodrigo Garcia), já dá conta de contrapor lados que se chocam, mas ganhando nuances mais picantes aqui. É, portanto, um filme que clama por liberdade, artística e sexual, via comportamentos que desafiam a moral vigente. Lacerda conduz com muita delicadeza o que está na esfera dos sentimentos, e as pessoas que se reúnem em torno do grupo não deixam de formar uma bela e desordenada família, apesar das desavenças que surgem em certos momentos.

Desprovido de todo moralismo, o filme navega pelo âmbito do questionamento de valores e hipocrisias sociais. A Polka do Cu, canção-desbunde cujo número é apresentado na parte final (e deflagrador de consequências duras), é um desses momentos não só carregado de coragens e escracho, mas que representa muito bem uma visão de mundo que aquelas pessoas (e o filme) compartilham harmoniosamente.

Há de se destacar um cuidado muito conceitual na textura do filme vinda de uma fotografia em tons granulados que denunciam a época passada (quase como um registro nostálgico) e também um momento ainda opressor, apesar da alegria que aquele grupo quer propagar com seus espetáculos. A trilha sonora, uma feliz parceria com DJ Dolores, é outra marca que faz a ponte do filme com o gênero musical, porém de forma muito pessoal. 

Dos trabalhos que roteirizou para Cláudio Assis, Lacerda mantém a veia contestadora, de tons anárquicos que afrontam o mais tacanho dos moralismos. Mas Tatuagem é também dotado de um lirismo e carinho por seus personagens que o coloca bem longe daquilo que Assis já dirigiu (com exceção, talvez, do mais poético A Febre do Rato). Nesse equilíbrio de atmosferas, Larceda acrescenta mais uma peça na filmografia pernambucana recente que faz o cinema nacional pulsar, contestadora e afetuosamente.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Mostra Cinema Conquista – Parte I


Reviramundo (Idem, Brasil, 2004)
Dir: Glauber Lacerda


Na primeira cena de Reviramundo, Geraldo Sarno se recusa a repetir à equipe do filme um certo depoimento, ao que o diretor Glauber Lacerda, atrás das câmeras, compara sua atitude com uma das entrevistadas de Sarno em seu Viva Cariri! (1970). Corte para a cena do exato momento em que isso se dá no curta. Essa primeira sequência de Reviramundo é ao mesmo tempo um despiste e uma apresentação do próprio dispositivo da narrativa: homem e obra não se separam.



É essa figura aparentemente ranzinza – ainda que sorridente – que vai se relevar o cineasta consciente de sua obra, o profissional gentil que sabe refletir sobre o seu tempo e, principalmente, o homem que relembra, in loco, suas origens. O retorno de Sarno à cidade natal de Poções, no interior da Bahia, é o mote desse filme que faz valer um retrato interessante de uma figura tão proeminente da cultura cinematográfica brasileira, e menos uma mera homenagem com tom de adoração.

A obra de Sarno está presente aqui nas várias cenas de seus filmes– alguns raros –, intercaladas com as memórias e depoimentos do cineasta. E é dessa contraposição que Reviramundo se alimenta para se construir como narrativa.

Por vezes o ritmo do filme balanceia, as conversas tomam rumos diversos e as imagens documentais vacilam. No final, os letreiros dos créditos aparecem quando Sarno ainda tem mais a dizer, acaba abruptamente. Glauber Lacerda, em seu curta-metragem de estreia, não parece esconder a admiração por Sarno. Talvez por isso sua trajetória se aperte num curta que não quer acabar, a voz de Sarno insiste em continuar na ativa. Que assim permaneça.


Revoada (Idem, Brasil, 2014) 
Dir: José Umberto Dias


Foi um processo árduo para que José Umberto Dias pudesse terminar seu longa-metragem a contento. Revoada é um olhar pessoal para o universo sertanejo do cangaço e seus elementos míticos. O filme abriu a Mostra Cinema Conquista e trouxe para a tela do Centro de Convenções Divaldo Franco um frescor narrativo muito bem-vindo a esse tipo de história.

O filme segue um grupo de cangaceiros a partir do dia em que Lampião e seu séquito são mortos. É a tragédia anunciada que decreta o começo do fim de uma era de banditismo e resistência no cangaço. Os remanescentes encontram-se, então, no dilema entre fugir ou se entregar para os milicos.

A escolha de José Umberto é menos fazer um apanhado de cunho histórico e mais uma alegoria visceral, ainda que o filme permaneça num mesmo tom até o fim. Corisco e Dadá, os mais fieis seguidores de Lampião, sobreviventes da chacina que matou o líder, surgem diluídos em outros personagens, nunca explicitamente nomeados.

Mas são suas figuras de resistência e destemor que perpassam pelos tipos de cangaceiros que cruzam a narrativa. Uma pena que ela se acomode nesse viés apocalíptico, com ênfase na urgência e dureza de atitudes que a situação exige, e permaneça sempre no mesmo tom, até o fim.

O filme, então, chama mais atenção pelo vigor estético, longe de uma construção classicista. Seria mesmo um lugar-comum evocar aqui um tom cinemanovista, especialmente com ecos do Glauber Rocha mais irado, do Ruy Guerra mais visceral, mas de fato é uma impressão forte que se tem vendo o filme. Há algo de potente nessa narrativa, via cortes rápidos e secos, diálogos sobrepostos e câmera em movimentos bruscos. 

É certo que por vezes esse frenesi esconde certo atropelar de cenas e situações, fazendo o filme merecer uma revisão para atestar seu vigor consciente (e um áudio melhor que o ouvido na sessão de abertura). Ainda assim, é muito bom ver uma representação de sertão que não seja somente o da seca e do sol castigador, com os mesmos tipos reprocessados. E que também se disponha a uma liberdade criativa que põe atento o espectador.

domingo, 12 de outubro de 2014

Mostra Cinema Conquista – Ano 10


Começa hoje mais uma maratona de cinema em Vitória da Conquista, a 10ª de uma mostra que eu acompanho com tanto carinho e animação. É hora de ver (e rever) filmes, pensar e discutir cinema, encontrar gente boa e passar um pouco de frio.

Momento também de lembrar João Carlos Sampaio, homenageado na mostra, crítico apaixonado pelo cinema, morto no início deste ano. O veterano cineasta baiano Geraldo Sarno também recebe homenagem aqui.

A programação de filmes tá uma beleza, reflexo de uma produção interessantíssima do cinema nacional recente. Além disso, há encontro com os realizadores, debates, oficinas, cursos, conferências, tudo com o intuito de promover a reflexão sobre a sétima arte. Mais informações aqui no site. Toda a programação é gratuita.

Estarei acompanhando e escrevendo (ou revisando textos) sobre os filmes da programação. Faço também uma cobertura mais geral no jornal A Tarde, a primeira matéria já tá no ar. A abertura acontece hoje à noite, às 19h, no Centro de Convenções Divaldo Franco. Perde isso não.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

CachoeiraDoc – Parte IV



Aprender a Ler para Ensinar Meus Camaradas (Idem, Brasil, 2013)
Dir: João Guerra



A premissa inicial desse filme é das mais interessantes: dois músicos angolanos saem de sua terra natal para buscar na Bahia matizes de sua cultura original. Tentam resgatar fora de seu país algo inerente a ele próprio. Poucos são os olhares que nos chegam e refletem sobre a transculturalidade entre países marcados pela diáspora negra, especialmente os de língua lusófona, tão caros a nós.

Também as proximidades entre Brasil e Angola ainda são muito pouco exploradas nas nossas práticas sociais, raramente representadas nas manifestações da cultura. É um pouco disso que tenta fazer Aprender a Ler para Ensinar Meus Camaradas, do baiano João Guerra. Escolhe-se a música para reverberar elementos de uma ancestralidade que, rarefeita em Angola, busca-se encontrar na Bahia, essa terra irmã que preservaria muito do que aqui chegou com a vinda das populações negras.

Sambas, sembas, chulas e lamentos negros e demais manifestações são revisitados pelos músicos em contato com outros artistas baianos. O cantor e compositor Roberto Mendes é figura central aqui, pois é com ele que os angolanos farão um show final em que essas matrizes musicais se intercalam. Mas estão lá figuras importantes que carregam essa ancestralidade musical como o sambista Riachão e o cantor e compositor Mateus Aleluia, do antigo conjunto musical Os Tincoãs.

No entanto, há de se pontuar uma via de mão única que se percebe em alguns momentos do filme. Os músicos Wyza Kendy e Dodò Miranda vêm à Bahia para aprender, mas eles também podem ensinar, o que pouco acontece. Tem-se uma postura quase subserviente em relação ao que aqui eles encontram, como se a Bahia fosse o último reduto dessa cultura outrora esquecida (será que a preservamos tanto assim?). Muitas vezes o lugar da fala está somente nos artistas baianos que simplesmente transmitem saberes aos angolanos forasteiros e sem informação.

No entanto, essa percepção não estraga nem desvirtua o passeio por entre culturas que o filme promove. Tão perto culturalmente, mas tão distantes diplomaticamente, Bahia e Angola ganham belos traços de comunhão nesse filme que também revela ao espectador muito do que a ancestralidade nos legou. Cinema é também apre(e)nder.


A Vizinhança do Tigre (Idem, Brasil, 2014)
Dir: Affonso Uchoa 
 


Com A Vizinhança do Tigre, Affonso Uchoa mira seu olhar em um grupo de jovens de um bairro periférico da cidade interiorana de Contagem, em Minas Gerais. Não há um fio narrativo que guie suas histórias, mas o captar de rotinas (por vezes anódinas, o que torna o filme um tanto redundante também). São garotos pobres que vivem sem muitas perspectivas de estudo ou trabalho, soltos numa realidade social pouco favorável, na iminência da marginalidade.

O estado de violência é o que mais parece rodear aquele ambiente, embora ela nunca marque presença de forma gráfica. A força do filme está em fazer ver a violência por conta de sua quase intromissão na narrativa, esse quase adentrar no filme. Ela está, principalmente, nas brincadeiras (geralmente com armas, tiros e morte) desses garotos, também pelo envolvimento com drogas e gente do tráfico. Trata-se, portanto, de um filme anticlimático, prenunciando uma tensão que nunca explode de fato.

O cineasta demonstra uma intimidade muito grande com aqueles personagens porque consegue captar momentos particulares de entrega para a câmera. Deixa claro, também, que muito do que se vê tem uma base de interpretação evidente (o que se nota em certos diálogos muito ensaiados ou takes bem estudados e realizados), tomando emprestado da própria rotina dos garotos certas situações.

No entanto essa marca de encenação encontra-se muito diluída na narrativa. Tem-se a triste impressão de adentar num universo cheio de possibilidades e vitalidades, como é próprio do mundo dos jovens, apesar da impressão forte de que eles irão derrapar hora ou outra no meio do caminho, inevitavelmente. Isso torna A Vizinhança do Tigre um filme muito sincero sobre a realidade que documenta, além de lançar um olhar melancólico para um futuro incerto e perigoso.

domingo, 14 de setembro de 2014

CachoeiraDoc – Parte III


Jia Zhang-ke é hoje um cineasta sensação no círculo alternativo quando se fala em cinema mundial. Seu olhar aguçado sobre a China atual em vertiginosa transformação é de uma agudeza e melancolia latentes. Uma beleza ter a oportunidade de ver alguns de seus filmes na programação do CachoeiraDoc. 

Memórias de Xangai (Hai Shang Chuan Qi, China, 2010)
Dir: Jia Zhang-ke  

 
Uma grande preocupação temática tom lugar central na obra de Jia Zhang-ke: a modernidade que chega à China modificando drasticamente o espaço geográfico e com ele vai levando a história de um povo. Quando se detém em observar a transformação urbana em Memórias de Xangai, Jia parece antever duas cidades: a moderna, porém cinzenta, que engole a antiga, ainda povoada de memórias.

E mais importante que olhar para a cidade, é prestar atenção justamente no que as pessoas têm a dizer sobre seu passado. Em Memórias de Xangai, o diretor colhe depoimentos de várias pessoas que relembram episódios de suas vidas naquela cidade, importante centro comercial por conta de sua via portuária. Especialmente aqueles cujas famílias tiveram de fugir da Revolução Cultural promovida pelo governo de Mao Tsé-Tung, indo parar em Hong Kong e Taiwan.

É a partir desse movimento que ele reconstrói a própria história de Xangai, passando por turbulências político-culturais e fluxos migratórios com o passar do tempo. Através das narrativas e memórias particulares, afetivas mais que tudo, o cineasta alcança as dimensões históricas de um país. Pinça no passado narrativas que correm o risco de sumir no futuro.

Zhao Tao, a atriz fetiche do diretor, aparece em cena como um espectro que percorre a velha cidade, justamente aquela que deixa ver jogados nas ruas os destroços de construções antigas. De modo figurativo, é dali que ela parece recolher essas memórias diluídas no tempo.

E também no próprio cinema, que ganha importância fundamental como preservadora de imagens de um tempo a não se esquecer. É famosa, e relatada no filme, a ida de Michelangelo Antonioni ao país oriental para rodar um documentário sobre a Revolução de 1949 mas que acabou denunciando a China “real” e banido na país. Ou a incursão do celebrado cineasta taiwanês Hou Hsiao-hsien quando rodou Flores de Xangai.

Jia Zhang-ke é o cineasta dos escombros, que enxerga com melancolia essa crescimento acelerado do gigante vermelho. Mas é também o cineasta que sabe olhar para o humano, para as narrativas dessas pessoas que fazem pulsar a história de um país, antes que a modernidade a soterre.


Inútil (Wuyong, China/Hong Kong, 2007)
Dir: Jia Zhang-ke 

 
No universo da moda e da alta costura chinesa, a famosa estilista Ma Ke tem um projeto curioso: busca conferir um valor simbólico a peças de roupas artesanais enterrando-as no solo. É uma tentativa de absorver certa memória antiga incrustada na terra, representativa da história de uma coletividade que tem perdido o valor num sistema sócio-político arrasador.

Lembremos que a China é o país que mais exporta roupas para o mundo, com sua agora fabricação em larga escala de peças padronizadas e quase descartáveis. É para esse modo de produção que tomou lugar nessa China neocapitalista que Ma Ke (e Jia, por conseguinte) olha criticamente. Mas enquanto a estilista permanece em seu estúdio preparando-se para expor suas peças numa semana de moda na França, ainda que mantenha um discurso politizado, o olhar de Jia é mais profundo, mais amplo.

Sua câmera visita e observa, com longos takes, as fábricas têxteis que agrupa centenas de funcionários mal remunerados que produzem, em massa, roupas comuns. Numa cena icônica, eles precisam passar por entre grades para chegar ao local de trabalho. Operários sorrateiros, parecem aprisionados num sistema trabalhista cada vez mais desumanizado e redutor.

Jia viaja também para sua terra natal, Fenyang, no interior do país onde ainda subexistem costureiros e pequenos alfaiates que suprem as simples necessidades de vestimentas das pessoas locais. Mas esse é um ofício que está desaparecendo, pois ganha-se mais trabalhando como mineiro num país que tanto valoriza a construção civil. Nessa nova condição de trabalho, por entre a terra, os mineiros são os verdadeiros detentores de saberes e histórias antigas, gente comum, dona de uma memória que tem virado pó nesse processo cruel de modernidade da China.

É aqui que a proposta artística de Ma Ke parece ser escancarada e posta em xeque pelo filme. Aqueles mineiros estão, literalmente, cobertos de terra, junto com suas vivências pessoais e afetivas, correndo o risco de desaparecer diante do gigante chinês que sufoca as vozes do passado em nome do progresso, um dos grandes temas da obra de Jia Zhang-ke.

Os corpos desses homens soterrados da terra (em mais de um sentido), quando se juntam para se banhar, lembram as modelos que vestem as roupas soterradas de Ma Ke. Mas esses homens aqui não aparecem estáticos em pedestais aos olhos de uma plateia curiosa e fetichista. Quem olha para eles? Sob o signo da terra, Inútil é mais uma observação, sobretudo melancólica, de Jia sobre uma realidade avassaladora.


24 City (Er Shi Si Cheng Ji, China/Hong Kong/Japão, 2008)
Dir: Jia Zhang-ke 



Com 24 City, Jia Zhang-ke parece operar no mesmo registro da coleta de depoimentos visto em Memórias de Xangai. O foco agora são as histórias dos trabalhadores de uma antiga fábrica estatal de munições. Toda ela está sendo demolida para dar espaço a um complexo habitacional de luxo.

O cineasta vai em busca dessas memórias porque, em nome do progresso, o país tem demolido, literalmente, suas antigas construções para dar lugar a uma China moderna, aos moldes das grandes metrópoles mundiais. Em contrapartida, deixa de lado as narrativas afetivas dessas pessoas anônimas, que carregam vestígios da própria História da China. Tem-se aqui, portanto, mais uma variação de uma temática cara ao cineasta chinês.

Mas o mais curioso aqui é que alguns desses depoimentos são encenados por famosos atores chineses, ainda que baseados em falas “reais”. Dessa forma, o cineasta põe em xeque a representação do real e o mistura com encenações. É uma marca presente em sua obra essa hibridez de registros, dado que Jia trabalha com questões de uma realidade presente, latente.

No entanto, essa proposta parece fazer mais sentido para o espectador chinês que reconhece mais facilmente esses atores. De qualquer forma, a força dos testemunhos enche de riqueza e melancolia esse emaranhado de histórias. Exala sinceridade de todas elas, encenadas ou não. Assim como em Memórias de Xangai, o diretor não tem receio de utilizar longos depoimentos para a câmera.

Curioso que no meio dos relatos, uma tela preta entrecorta as imagens, como se o cineasta desse a impressão de que a fala fosse acabar ali. Mas ela volta, permanece viva, como deve permanecer na História oficial a história particular, coletiva, de um povo. É nesse conflito constante que a obra de Jia opera.

Talvez em 24 City o diretor tenha criado uma das sequências mais icônicas e representativas de sua carreira (rivalizando com aquela de Em Busca da Vida em que um prédio alça voo): quando umas das paredes da fábrica é demolida, a poeira sobe e se lança em direção à câmera. O letreiro de um poema de Yeats diz “As coisas que pensamos e fizemos/ se espalham antes de desaparecer/ como leite derramado sobre a pedra”. A China põe abaixo essas memórias, mas a câmera de cinema está lá para captar essas partículas de poeira e História que se esvaem no tempo.

sábado, 6 de setembro de 2014

CachoeiraDoc – Parte II



Homem Comum (Idem, Brasil, 2014) 
Dir: Carlos Nader



Há maneiras tradicionais e objetivas de documentar a vida de pessoas ordinárias, tema de muitos filmes recentes (grande foco do cinema magistral de Eduardo Coutinho). Carlos Nader, com seu Homem Comum, mistura seus próprios anseios num filme curioso e nunca óbvio, que coloca em xeque a própria faceta do sujeito simples.

A ideia original era construir um filme em que o diretor abordaria aleatoriamente caminhoneiros para lhes questionar sobre o sentido da vida, ou do absurdo dela. Uma proposta com fundo claramente existencialista. Mas um dos entrevistados passa a ganhar a atenção de Nader, e o filme torna-se o retrato de uma amizade que nasce entre ele e Nilson de Paula, um homem desses, “comum”.

Em 1995, quando se conheceram, Nilson era casado e tinha uma filha pequena. Nader passa a se aproximar da família dele, registrando sempre que podia esses encontros com câmera amadora (chegou até a filmar posteriormente o enterro da esposa de Nilson, a pedido dele próprio). A relação de intimidade que se estabelece ali é fundamental para que o filme seja também sobre as dúvidas que perturbam o próprio cineasta.

Na construção narrativa do filme, o diretor, obcecado por questões filosóficas, intercala trechos do filme A Palavra, clássico do diretor dinamarquês Carl T. Dreyer, e ainda uma encenação em inglês da mesma história, só que a seu modo, mais dramática. Nader expõe no filme suas próprias impressões e dúvidas existenciais, mas sem o peso da densidade filosófica que uma exposição sobre esses temas pode suscitar. Ele prefere utilizar os rumos de vida daquele sujeito “simples” (que ganha cada vez mais camadas), porque é ali, como em cada um de nós, que reside essa complexidade de perto.

Homem Comum explora ainda as muitas possibilidades de encenação, seja nos direcionamentos que pede ao próprio Nilson e sua família, seja na intercalação das narrativas ficcionais que incorpora a sua narrativa fragmentada. E constrói um filme surpreendente usando o aparente banal como ponto de reflexão sobre a condição do homem no mundo, numa obra, acima de tudo, muito carinhosa com seus personagens.


Luíses - Solrealismo Maranhense (Idem, Brasil, 2013) 
Dir: Lucian Rosa
 

Num filme provocativo por natureza, exala de Luíses – Solrealismo Maranhense uma vontade sincera e muito grande de balançar os ânimos do público contra todos os problemas sócio-políticos que se amontoam no Maranhão. Realizado por um coletivo e com recursos mínimos (pouco mais de R$ 1.200), existe claro um propósito de denúncia política muito forte. E esse é sempre um perigo narrativo muito grande.

O filme evoca a lenda maranhense da serpente adormecida que vive debaixo de São Luís. O animal cresce tanto que um dia irromperá da terra e afundará a ilha. É o gancho ideal para metaforizar a própria ira e indignação dos grupos desgostosos com os rumos políticos do estado (pegando carona também em todas as manifestações que tomaram as ruas do Brasil desde o ano passado). É uma forma também de propor um movimento artístico-politizado, o solrealismo, com sua roupagem tropicalista surreal.

Como filme de combate, portanto, Luíses agrega outras imagens e intervenções, na sua colcha rendada de discursos ora eufóricos, ora centrados. Estamos aqui longe de dizer que as mazelas sociais, o controle do estado sobre os meios de comunicação e a predominância de grupos políticos no poder não sejam temas vitais e que estão no cerne dos problemas enfrentados pela população de São Luís.

No entanto, por mais que o filme se proponha a intervenções ficcionais e provocativas que tentam dar conta dos enfrentamentos práticos diários de muita gente (transporte público caótico, violência crescente, condições de moradia precária), além de imagens surreais, quase experimentais no seu formalismo poético, o tom panfletário ainda está ali, e por vezes de forma muito simplista. Ou antes, tem tantas coisas para apontar que pouco consegue formular solidamente. 

Não deixa de ser uma maneira direta de expor situações complexas e que exibe a vulnerabilidade de uma população (notadamente os mais pobres). Porém falta certo apuro na maneira como esses elementos se conformam e se interconectam numa narrativa que suscita tantas questões urgentes.

CachoeiraDoc – Parte I



A Gente (Idem, Brasil, 2013)
Dir: Aly Muritiba 


Durante sete anos, o cineasta Aly Muritiba foi agente penitenciário. Agora, retorna ao antigo ambiente de trabalho para filmar a rotina desses profissionais – o filme fecha a chamada Trilogia do Cárcere, formada pelos curtas-metragens A Fábrica e Pátio. É o universo que Muritiba conhece bem e quer discutir, aqui lançando olhar sobre um grupo de profissionais muitas vezes estereotipados.

 
A Gente é um filme de tal forma inserido num contexto pessoal, tão seguro de seu lugar de interlocução, que isso se reflete no próprio rigor formal de sua construção. A câmera parece estar sempre no lugar certo, nos momentos-chave em que os agentes se defrontam com questões importantes de seu trabalho que surgem ali no dia a dia. Revela a possibilidade de encenação a que o diretor se permitiu na construção da oba. Mas sente-se, sobretudo, um cineasta seguro para lançar um olhar crítico sobre o mundo carcerário.

Jefferson (também conhecido como “Walkiu”) torna-se o personagem guia dessa narrativa. O filme começa com ele assumindo o posto de agente chefe da seção de inspeção. Ele faz a ponte entre a direção e o trabalho prático de inspeção, que vai desde lidar com informações contidas numa carta de uma esposa para um presidiário, até a revolta de um dos detentos que não quer permanecer na sua cela.

Se de início A Gente nos parece um filme de pura observação, no melhor estilo do cinema direto, logo é possível abandonar essa percepção porque o filme mira em algo muito específico, marcando posição: a dificuldade interna de fazer funcionar o sistema carcerário brasileiro, por conta de vários aspectos (materiais, humanistas, trabalhistas).

A observação está lá, de fato. Entendemos, aos poucos, quem são aqueles sujeitos, certas dinâmicas de seu trabalho, a rotina diária de um agente carcerário. Mas longe de uma mera reserva, o filme é muito contundente na sua tomada posição. Para isso, não se desvincula desse protagonista que luta para fazer “certo” seu trabalho. Esbarra em barreiras que expõem a desordem de um sistema inchado, complexo e desafiador.


Branco Sai, Preto Fica (Idem, Brasil, 2014)
Dir: Adirley Queirós 


 
O diretor Adirley Queirós já havia questionado a ocupação do espaço urbano em seu filme anterior, A Cidade é uma Só?. Retoma agora a questão, colocando em perspectiva o lugar do negro pobre numa sociedade segregadora, através de um filme surpreendente com suas incursões fabulares.

Branco Sai, Preto Fica não se trata de uma ficção científica clássica (nem havia recursos para tal), mas utiliza os elementos do gênero, inicialmente, para provocar estranhamento. Mas no fundo tem muito de verdade sobre uma realidade latente que se vive hoje. O filme utiliza histórias de personagens reais, socialmente marginalizados, que vivem na região da Ceilândia, em Brasília.

Um deles anda de cadeira de rodas e comanda uma rádio clandestina, outro vive com uma perna mecânica. São negros e carregam o estigma da “deficiência” física sofrida durante uma repressão policial acontecida num baile black na década de 1980. São um retrato também da marginalização a que foi relegada a população mais carente e periférica das cidades satélites de Brasília.

Porém, o cineasta inclui em sua narrativa elementos não só da ficção enquanto encenação de uma realidade vivida por aqueles sujeitos numa sociedade excludente, como subverte essa realidade por meio da ficção científica. Os personagens parecem habitar um mundo distópico, que os separa de uma Brasília idealista, longe de seu alcance.

A vingança contra esse sistema opressor vem em forma de confronto que ganha contornos apocalípticos (vide o final literalmente explosivo do filme). É a forma contundente, via elementos da ficção científica, misturados com os de resistência e repulsa (representados pela música, no rap e no forró) em que o diretor tensiona essas questões, dando voz e vez a personagens amputados e imobilizados não só fisicamente, mas eu seus próprio direitos cívicos. 

Do ponto de vista narrativo, há, no entanto, certa desordem na maneira como os acontecimentos se sucedem no filme, sem linearidade fácil, esbarrando na sua condução estabanada. Mas a força de suas imagens, a criação despojada e as questões sociais, urbanas e políticas colocadas no filme são tão vitais que tornam Branco Sai, Preto Fica uma obra sem igual no panorama cinematográfico brasileiro.
 

terça-feira, 2 de setembro de 2014

V CachoeiraDoc



A cidade de Cachoeira fica ali, há alguns quilômetros de Salvador. É lá que acontece o CachoeiraDoc – Festival de Documentários de Cachoeira, evento que sempre admirei de longe porque nunca pude conferi-lo in loco. Mas este ano minha ida deu certo. O evento começa hoje logo mais à noite, com a exibição do monumental Cabra Marcado para Morrer, do querido mestre Eduardo Coutinho, morto em fevereiro deste ano (texto sobre o filme aqui).

Estarei lá a partir de amanhã com a pretensão de escrever sobre os filmes que for vendo. Algumas matérias minhas devem sair no A Tarde também (como a de hoje). Além das mostras competitivas de curtas e longas-metragens, o evento traz um apanhado dos filmes documentais do grande cineasta chinês Jia Zhang-ke. E mais filmes da mostra Resistência e produtos dos alunos do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (programação completa aqui). 

É um desafio hoje fazer uma festival de filmes documentais quando as fronteiras entre a ficção e o real têm sido cada vez mais embaralhadas. Mas, por outro lado, a produção nacional de documentários cresce a olhos vistos, com filmes instigantes e desafiadores, estética e tematicamente. E é assim que tem de ser. Estamos aqui para acolher e ressignificar esses filmes. Vida longa ao CachoeiraDoc.