quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Mostra Cinema Conquista – Parte I


Reviramundo (Idem, Brasil, 2004)
Dir: Glauber Lacerda


Na primeira cena de Reviramundo, Geraldo Sarno se recusa a repetir à equipe do filme um certo depoimento, ao que o diretor Glauber Lacerda, atrás das câmeras, compara sua atitude com uma das entrevistadas de Sarno em seu Viva Cariri! (1970). Corte para a cena do exato momento em que isso se dá no curta. Essa primeira sequência de Reviramundo é ao mesmo tempo um despiste e uma apresentação do próprio dispositivo da narrativa: homem e obra não se separam.



É essa figura aparentemente ranzinza – ainda que sorridente – que vai se relevar o cineasta consciente de sua obra, o profissional gentil que sabe refletir sobre o seu tempo e, principalmente, o homem que relembra, in loco, suas origens. O retorno de Sarno à cidade natal de Poções, no interior da Bahia, é o mote desse filme que faz valer um retrato interessante de uma figura tão proeminente da cultura cinematográfica brasileira, e menos uma mera homenagem com tom de adoração.

A obra de Sarno está presente aqui nas várias cenas de seus filmes– alguns raros –, intercaladas com as memórias e depoimentos do cineasta. E é dessa contraposição que Reviramundo se alimenta para se construir como narrativa.

Por vezes o ritmo do filme balanceia, as conversas tomam rumos diversos e as imagens documentais vacilam. No final, os letreiros dos créditos aparecem quando Sarno ainda tem mais a dizer, acaba abruptamente. Glauber Lacerda, em seu curta-metragem de estreia, não parece esconder a admiração por Sarno. Talvez por isso sua trajetória se aperte num curta que não quer acabar, a voz de Sarno insiste em continuar na ativa. Que assim permaneça.


Revoada (Idem, Brasil, 2014) 
Dir: José Umberto Dias


Foi um processo árduo para que José Umberto Dias pudesse terminar seu longa-metragem a contento. Revoada é um olhar pessoal para o universo sertanejo do cangaço e seus elementos míticos. O filme abriu a Mostra Cinema Conquista e trouxe para a tela do Centro de Convenções Divaldo Franco um frescor narrativo muito bem-vindo a esse tipo de história.

O filme segue um grupo de cangaceiros a partir do dia em que Lampião e seu séquito são mortos. É a tragédia anunciada que decreta o começo do fim de uma era de banditismo e resistência no cangaço. Os remanescentes encontram-se, então, no dilema entre fugir ou se entregar para os milicos.

A escolha de José Umberto é menos fazer um apanhado de cunho histórico e mais uma alegoria visceral, ainda que o filme permaneça num mesmo tom até o fim. Corisco e Dadá, os mais fieis seguidores de Lampião, sobreviventes da chacina que matou o líder, surgem diluídos em outros personagens, nunca explicitamente nomeados.

Mas são suas figuras de resistência e destemor que perpassam pelos tipos de cangaceiros que cruzam a narrativa. Uma pena que ela se acomode nesse viés apocalíptico, com ênfase na urgência e dureza de atitudes que a situação exige, e permaneça sempre no mesmo tom, até o fim.

O filme, então, chama mais atenção pelo vigor estético, longe de uma construção classicista. Seria mesmo um lugar-comum evocar aqui um tom cinemanovista, especialmente com ecos do Glauber Rocha mais irado, do Ruy Guerra mais visceral, mas de fato é uma impressão forte que se tem vendo o filme. Há algo de potente nessa narrativa, via cortes rápidos e secos, diálogos sobrepostos e câmera em movimentos bruscos. 

É certo que por vezes esse frenesi esconde certo atropelar de cenas e situações, fazendo o filme merecer uma revisão para atestar seu vigor consciente (e um áudio melhor que o ouvido na sessão de abertura). Ainda assim, é muito bom ver uma representação de sertão que não seja somente o da seca e do sol castigador, com os mesmos tipos reprocessados. E que também se disponha a uma liberdade criativa que põe atento o espectador.

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