As Duas Irenes (Idem, Brasil,
2017)
Dir:
Fábio Meira
Os
caminhos que o longa-metragem de estreia do goiano Fábio Meira seguem apontam
quase que para um lugar comum, apesar da trama conter certa peculiaridade: a garota
Irene, 13 anos em pleno florescer da juventude, descobre que seu pai tem outra
família; e mais que isso, ele possui uma filha da mesma idade e com o mesmo
nome dela. As Duas Irenes, no
entanto, revela-se um drama sólido a retratar os dilemas da adolescência. Pode até soar banal, mais um filme a moldar esse mesmo processo de amadurecimento
juvenil que já vimos tanto em outras histórias e filmes, mas encontra aqui um modo muito
bem resolvido, singelo e natural, de lidar com tema espinhoso.
A
trama se passa no interior de Goiás e remete a um passado não muito remoto em
que mais comumente alguns homens possuíam constituições de família assim um
tanto arbitrárias. O filme já começa apresentando a descoberta do segredo paterno
por parte da “primeira” Irene e aponta para uma desestabilização familiar capaz de
afetar a todos. Porém, após a revelação chocante para a garota, a raiva dela vai
cedendo lugar à curiosidade e ela começa a espionar a rotina da irmã
desconhecida, iniciando uma aproximação tímida, sem revelar o segredo que conhece.
Se,
de início, o filme nos faz supor um embate entre as duas, vemos surgir dali uma
amizade possível. É nesse movimento surpresa, de fazer o filme seguir uma
rota não esperada, que o diretor e roteirista Fábio Meira consegue fisgar bem o
espectador, e faz isso pela via do singelo, da ternura, sem nunca pesar a mão. Poderia
muito facilmente apostar na contraposição, no jogo dual de choque – entre as
duas irmãs, entre as duas famílias –, mas prefere, acertadamente, dimensionar os
dramas e conflitos dos personagens, sem julgá-los.
É
aí que o filme aproveita para retratar esse momento de florescimento de uma
menina em direção à vida adulta, na melhor tradição dos filmes de coming-of-age. Meira, além do domínio de
cena e de criar um clima de vida interiorana muito convincente, filma com muita
delicadeza essa história, também sem nunca soar ingênuo.
A
Irene da outra família, a “segunda” (Isabela Torres), é um pouco mais atrevida,
já namora escondido com os garotos no cinema e é mais extrovertida, não é de levar
desaforo pra casa. É com ela que a Irene menos experiente (Priscila Bittencourt)
vai romper a barreira da timidez, largar o mundo infantil e testar vivências novas. O mesmo embate que poderia haver entre as duas, por conta das
personalidades distintas, é resolvido de modo muito mais sincero porque elas
acabam se reconhecendo como amigas confidentes.
Ao
mesmo tempo, o filme não se furta da tensão que se estabelece no âmbito familiar,
prestes a explodir a qualquer instante, especialmente da “primeira” Irene que
descobre de antemão, a nossos olhos, o segredo paterno. Ela continua a guardar
muita raiva do pai e não deixa de confrontá-lo dentro de casa, ainda que
indiretamente. Mas é no contato com a outra família que ela descobre o
privilégio de fazer parte do núcleo familiar mais privilegiado por ele. E encontra
na mãe de sua irmã (vivida por uma doce Inês Peixoto) um carinho e cuidado
materno que talvez lhe falte em casa. O filme lida, portanto, com essas ausências sentidas e que vão transparecendo as carências de cada uma.
As Duas Irenes é um delicado e
seguro longa de estreia, a fugir dos possíveis lugares comuns do filme de
amadurecimento, sem comprometer a plausibilidade da trama, e ainda sem abdicar
da singeleza e da sinceridade. Pode não ser um campo original, mas certamente
não é tarefa das mais fáceis.
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