No Intenso Agora (Idem, Brasil,
2017)
Dir:
João Moreira Salles
De
longe, No Intenso Agora, filme mais
novo do cineasta João Moreira Salles, que encerrou esta 12ª Mostra de Cinema de
Ouro Preto, trata-se de obra das mais politizadas a investigar o caráter e os
meandros dos movimentos revolucionários em fins da década de 1960 em lugares distintos
do mundo. Mas no fundo é também uma grande investigação sobre a natureza e
estatuto da própria imagem documental. Com este filme, trabalha somente em cima
de imagens de arquivo do período, ressignificando-as e buscando encontrar nelas
modos de falar do hoje como sempre se dá nesses casos. O filme possui, portanto,
uma dupla função: é ao mesmo tempo resgate histórico e também estudo metalingüístico.
Moreira
Salles já havia feito algo parecido e talvez até mais potente em termos de reflexão
sobre o documentário na sua obra-prima Santiago,
lançada há dez anos. As memórias pessoais e ponderações íntimas também estão
contidas em seu novo filme, tais como abundavam naquele, mas agora ele amplia
seu escopo de alcance por tratar de questões que permeiam uma memória coletiva
através de fatos marcante da história recente da humanidade, via condução
memoralística.
Nessa
investigação historico-pessoal sobre imagens feitas na segunda metade dos anos
1960 quando o mundo estava convulsionado por manifestações revolucionárias, o
cineasta parte de imagens que sua própria mãe registrou em viagem à China quando
Mao Tsé-Tung já havia implantado o regime comunista no país asiático. Dali passa para cenas das greves gerais
do maio de 68 na França, pelas manifestações da Primavera de Praga, na então
Tchecoslováquia, e também no Brasil quando se enfrentavam os desmandos e
arbitrariedades da Ditadura Militar.
Através
de depoimento em off, o cineasta cria,
ele mesmo, uma série de reflexões e ideias sobre essas imagens e sobre o ideal
revolucionário, num verdadeiro trabalho de arqueologia da imagens, misturado
com percepções muito pessoais do que aqueles acontecimentos significam para ele
e de como eles o entendem em seus respectivos contextos.
Longe
de um tom professoral, como pode soar de início, o diretor é sempre mais sagaz
quando investe na análise mais subjetiva das coisas. Em dois momentos isso fica
mais flagrante e rico: a observação feita sobre o movimento do rapaz que joga
uma pedra contra os policiais; e aquele em que arrisca comentários sociais sobre
a maneira como se filma um bebê e sua babá.
É
bem plausível ler nas entrelinhas que um filme sobre as revoluções populares
ocorridas há cerca de 50 anos atrás é também um modo de comentar,
indiretamente, o Brasil de hoje, a onda de manifestações e agitações que
tomaram conta do Brasil com mais intensidade desde 2013 até então. Esse tipo de
camada e complexidade que o filme ganha com tal interpretação, que não está
diretamente posta no filme, só torna No
Intenso Agora um rico objeto de análise, tanto por aquilo que nos faz ver
dessas imagens tão antigas, quanto das possibilidades de leitura que se abrem
sobre elas, mas também sobre como elas são manipuladas e pensadas.
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