segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Pulsão de juventude

Depois da Chuva (Idem, Brasil, 2013)
Dir: Cláudio Marques e Marília Hughes 


Talvez a maior força de Depois da Chuva seja a de construir uma narrativa micro que dê conta de comentar um contexto macro. Se a questão é focar o momento de abertura política brasileira no início dos anos 1980, com a insurgência do movimento das Diretas Já em prol da democracia, o contexto da criação de um grêmio estudantil num colégio soteropolitano parece o espelho ideal de uma realidade sócio-política que estava sendo construída naquele momento.

A anarquia e a vontade de enfrentamento são a mola propulsora de Depois da Chuva, filme de estreia dos baianos Cláudio Marques e Marília Hughes. O punk rock da trilha sonora não está ali por mero capricho, mas por fazer parte da cultura underground dessa Salvador pré-axé music. Ele traduz muito bem o próprio espírito inspirador de luta, de embate, via vontade jovem de mudar o mundo.

É por ali que trafegam Caio e Fernanda (Pedro Maia e Sophia Corral), adolescentes de classe média que vivenciam esse período turbulento, numa cidade pintada de cores anarquistas de um punk rock contestador. Ao mesmo tempo, cumprem o rito de passagem para a vida adulta. Caio vive uma aproximação amorosa com Fernanda, entra em conflito com a mãe e sente falta do pai que vive longe após o divórcio.

Parece um terreno muito arriscado, tipo de filme que pode facilmente cair no tom mais panfletário, seja no discurso político, seja no âmbito mais intimista. Por isso é interessante ver como os diretores vão driblando cada um desses possíveis lugares-comuns. Tudo surge e evolui com uma naturalidade invejável (ainda que em certos momentos o filme se arraste mais do que devia - nas cenas em que os amigos se encontram para fumar e tocar, por exemplo). Mas essa impressão de verdade se deve muito a um texto enxuto, ancorado num elenco que funciona exemplarmente bem num filme tão à vontade nas questões que mobiliza.

Há mesmo um forte eco de certo cinema francês, jovem e combativo, que se interessa tanto pelo contexto histórico, quanto pela vida afetiva de seus personagens. Vai desde Amantes Constantes em que Philippe Garrel defende com muito amor a militância política, até o Olivier Assayas de Água Fria, naquilo que tem de mais pulsante nos impulsos da juventude, ou mesmo o recente Depois de Maio, ao colocar os jovens numa perspectiva realista diante das utopias políticas contestadoras. 

O filme acompanha a passagem política do país a partir de uma transição que se dá nesse pequeno espaço de disputas políticas e individuais por onde Caio transita. É por onde ele também tropeça, arrisca, aprende, decepciona-se. A cena final, carregada de pessimismo, obriga o espectador a pensar na vida política do presente. A partir de um olhar muito aguçado para nossa História recente, Depois da Chuva torna-se um filme muito contemporâneo ou, antes disso, que seja tão revelador sobre o nosso tempo.

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