quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Últimas curtinhas do ano

Lucy (Idem, França, 2014) 
Dir: Luc Besson


Lucy é o tipo de filme que funciona muito melhor quando não se leva tudo demais a sério. Não demora muito para entender que Luc Besson está, mais uma vez, no terreno dos impropérios difíceis de acreditar, mas deliciosos de acompanhar. Ele pisa tão sem vegonhamente no acelerador que a trama de ação com um pé forte nas especulações científicas torna-se um adendo, tem algo de bem farsesco aí. E há Scarlett Johansson quebrando tudo, como essa mulher contaminada por uma nova droga sintética que a faz, paulatinamente, acessar as potencialidades do cérebro humano.

Besson utiliza esse plot quase como uma desculpa para exagerar na pancadaria, estilizada ao extremo, lembrando um pouco Johnnie To, mas sem a mise-en-scène elaborada (estamos falando do diretor de Nikita – Criada para Matar). É na contagem progressiva aos 100% que a história ganha ritmo cada vez mais frenético, como se injetasse mais adrenalina a cada sequência, e a personagem se vê cada vez mais próxima de algo superior. O filme não tem medo de especular sobre o Tempo como fator preponderante para a condição de existência humana, elevando sua protagonista a uma curiosa aproximação a algo próximo de um deus. Ou melhor, Deusa.


Planeta dos Macacos: O Confronto (Dawn of the Planet of the Apes, EUA, 2014)
Dir: Matt Reeves 


Depois do caos, a revolução. A nova série Planeta dos Macacos ganha uma continuação à altura do primeiro filme, no impulso de retratar os acontecimentos que dão conta de revelar como a raça símia assumiu o controle da Terra, visto no filme clássico de 1968. Curioso que esse Planeta dos Macacos: O Confronto possui o mesmo trunfo do filme predecessor: encontra no primata Caesar um personagem riquíssimo, ainda cheio de dilemas diante das situações que se desenham, liderando a comunidade de macacos que vive afastado da cidade depois que um vírus dizimou grande parte da raça humana – por outro lado o filme trata os personagens humanos de forma muito rasa, no geral.

Vivido pelo sempre ótimo Andy Serkis, revestido por um recurso digital mais uma vez de encher os olhos, Caesar, em contato com um grupo de humanos remanescentes que precisam de auxílio, permanece dividido entre ajudá-los ou não, sem trair seu grupo, sua nova família, lugar que reconhece como seu. Matt Reeves assume a direção de um filme que, além de toda a discussão em torno do que há de dignidade, bondade e hombridade em humanos e primatas, funciona muito bem como produto de aventura, tendo o que dizer sobre a condição humana.


Vidas ao Vento (Kaze Tachinu, Japão, 2013)
Dir: Hayao Miyazaki 


Dentre boatos de que ia se aposentar ou de que os estúdios Ghibli iriam fechar as portas (todos já desmentidos), Hayao Miyazaki é, sem dúvida, um dos grandes cineastas em atividade hoje, para além de ser um mestre da animação. Vidas ao Vento, seu mais recente longa, revela esse cineasta ainda em pleno domínio criativo, um humanista dos grandes e um grande contador de histórias. Sua narrativa transita com facilidade adorável entre a realidade e a fantasia, através dos sonhos em que o protagonista encontra-se com um dos maiores designers de avião até o momento em que ele próprio realiza o sonho de projetar essas máquinas voadoras (que também são a obsessão de Miyazaki).

Mas Jirô não imaginava que suas invenções seriam utilizadas para fins bélicos, num momento em que o mundo enfrentava os conflitos armados da Guerra Mundial. Estão no filme as contradições sociais de um Japão assolado pela pobreza enquanto o governo investe milhões em máquinas de guerra. O longa também passeia pelo melodrama com muita facilidade, de forma sempre contida. Os versos “O vento se ergue / devemos tentar viver”, do poeta e filósofo francês Paul Valéry, funcionam como guia que mantém o protagonista preso a seus desejos. Nesse tom de lirismo em tempos de guerra, Vidas ao Vento é uma bela ode aos sonhos pessoais, ainda que esbarrem nas prepotências do destino.


Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 (The Hunger Games: Mockingjay – Part 1, EUA, 2014)
Dir: Francis Lawrence 


É muito interessante acompanhar a politização de um blockbuster hollywoodiano pensado para um público adolescente, com direito a disputa romântica e boas doses de violência. Esse novo episódio da série Jogos Vorazes continua seu caminho para a revolução que se avizinha. Mas também não precisa sair por aí vangloriando uma história que agora assume tons “adultos”. O fator político da saga já estava lá nos primeiros filmes, mas agora cresce em importância quando passamos a acompanhar a resistência dos pequenos distritos diante do fascismo opressor que a Capital sempre representou para eles e sua população amedrontada.

Mais complexo é o que acontece, internamente, com a protagonista. Ainda que se torne um ícone de um momento decisivo em que a sublevação das massas precisa de um herói (no caso, uma heroína), Katniss (a sempre ótima Jennifer Lawrence) ainda não esqueceu sua lealdade (algo mais?) a Peeta (Joh Hutcheson), agora uma espécie de prisioneiro fantoche na Capital. Há ainda sua aproximação com Gale (Liam Hemsworth) e o receio de estar sendo manipulada pela presidenta Alma Coin (Julianne Moore). Por fazer parte da nova modinha de dividir seus últimos filmes em dois, esse aqui acaba cansando pela sensação de enrolação com que a trama avança, algo que deve tomar maior fôlego no próximo, promissor e último episódio da série.


A Família Bélier (La Famille Bélier, França, 2014)
Dir: Eric Lartigau 


Também de comédias banais, misturadas com um belo (melo)drama pessoal, vive o cinemão francês. A Família Bélier parece filme visto no Festival Varilux, espaço cada vez mais destinado a esse tipo de produto água com açúcar. Não que isso seja um demérito, mas incomoda um pouco quando o tom é piegas e as reviravoltas e desenho dos personagens tonam-se previsíveis e frágeis. O filme explora o drama de uma adolescente (Louane Emera, sua estreia no cinema) que vive com a família numa área rural no interior da França. Detalhe: todos são surdos-mudos, menos ela. E a coisa piora quando o tema da jovem que descobre um dom (no caso, o talento vocal para a música) a faz pensar em seguir um futuro promissor, porém longe da família.

Muito da graça aqui vem especialmente do pai e da mãe (vividos pelos ótimos Karin Viard e François Damiens), suas excentricidades, brigas e desentendimentos ampliados pelos trejeitos exagerados tão comuns às pessoas surdas-mudas. Mas o roteiro enfraquece quando aposta em certos conflitos, como o pai que se candidata a prefeito da cidade, o caso amoroso da menina com seu companheiro de canto, ou a aposta num professor com personalidade ranzinza (Eric Elmosnino). Nesse caminho fácil em que o filme explora as brigas em família e as pequenas rebeldias da adolescência, torna-se previsível e, para coroar, termina da forma mais chorosa possível.


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