terça-feira, 27 de maio de 2014

História monocórdia

Getúlio (Idem, Brasil, 2014)
Dir: João Jardim


Se o thriller político é um gênero ainda pouco explorado no cinema brasileiro, Getúlio é uma tentativa bem consciente nesse aspecto, ainda que suas pretensões engessem a própria narrativa. Centrada nos últimos 19 dias do segundo governo de Getúlio Vargas à presidência do país, culminando com seu suicídio no dia 24 de agosto de 1954, essa é a primeira incursão de João Jardim pela ficção, apesar de seu longa anterior Amor? já ter flertado com a encenação do real.

Curioso notar como Jardim utiliza aqui um recurso muito próprio do documentário: a legenda que identifica as pessoas e o cargo que elas ocupam, na impossibilidade de deixar claro quem é quem na (H)história, por lidar com uma gama enorme de personagens. É dessa forma que Getúlio expõe a maior de suas fragilidades: o tom didático, monocórdio na maneira como precisa narrar um episódio importante da História do Brasil, sem deixar o expectador perdido, mas também sem querer perder de vista a complexidade de posições e movimentos no tabuleiro do jogo político que ali se desenha.

O presidente (vivido por Tony Ramos sob uma competente transformação física, sem exageros) passa a sofrer uma série de pressões depois que um de seus maiores opositores, o jornalista Carlos Lacerda (Alexandre Borges), sofre um atentado destinado a lhe tirar a vida, mas que acaba matando seu segurança pessoal. Isso desencadeia uma série de investigações e conspirações, especialmente quando descobrem que a ordem do atentado partiu da cúpula da segurança presidencial.

Os meandros do jogo político, as intrigas e conspirações que envolvem o caso, são explicitados da forma mais direta possível. O texto do filme tem de expositivo tanto quanto os atores têm de presos pelas falas ensaiadas, sem muita vivacidade. Não deixa de ser uma impressão forte o tom novelesco, elenco Global marcando presença pesada. Não que isso seja um problema em si, mas parece deslocado aqui. A própria história, com seus tantos desdobramentos e personagens, cairia bem melhor numa produção seriada.

O longa só se arrisca mesmo quando ensaia pequenas percepções psicológicas do protagonista. Getúlio está cercado de gente que discute aquela situação, mas o pensamento dele vagueia enquanto sons disformes chegam aos ouvidos (dele e nosso). Nesse sentido, o personagem deixa, por alguns instantes, de ser uma mera figura histórica e ganha ares de humanização, cada vez mais cansado, sem saber em quem confiar, desiludido, vendo sua reputação sendo manchada, tendo que segurar as pontas com autoridade. 

É uma pena que Jardim e seus roteiristas não consigam trabalhar com mais ênfase essas nuances todas. Por outro lado, o filme tem um grande prazer em se mostrar bem produzido, com figurinos e direção de arte apurados, fotografia esbanjando presença na tela. Porém é uma roupagem que serve a um corpo sem vida, tal qual será o destino final do protagonista.

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