sexta-feira, 24 de julho de 2009

V Seminário de Cinema


Terá início na próxima segunda-feira (24/07), em Salvador, o V Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual da Bahia, este ano fazendo uma homenagem ao realizador francês Jean-Luc Godard, um dos fundadores da Nouvelle Vague francesa em fins da década de 50, com a exibição de 15 de seus filmes, também como forma de comemorar o ano da França no Brasil.

Estou de embarque para o evento e espero conhecer mais obras do cineasta de quem eu assisti a muita pouca coisa. Tenho interesse principalmente nos seus filmes de início de carreira como Uma Mulher é uma Mulher, O Desprezo, O Demônio das Onze Horas e Tempo de Guerra. E parece um tour de força porque os filmes do cara nem sempre são fáceis de ver. Tem quem o ama e quem o deixa.

Além da exibição dos filmes, o evento conta com mesas-redondas para discutir diversos temas ligados à Sétima Arte, mais uma mostra paralela de longas e curtas, nacionais e estrangeiros e também um encontro de produtores. Geralmente nesse tipo de evento acontece muita coisa ao mesmo tempo e é preciso escolher o que conferir. Minha maior pretensão é voltar com alguns Godard no currículo.

O seminário acontece até o sábado (01/08) e mais informações podem ser acessadas no site do evento: http://www.seminariodecinema.com.br/. Provavelmente não poderei postar nada no decorrer do evento, mas faço isso depois e com calma. Agora, é viajar na poética godardiana.

sábado, 18 de julho de 2009

Brasileiro estrangeiro

Jean Charles (Idem, Brasil/Inglaterra, 2009)
Dir: Henrique Goldman



Desde quando soube da transposição para o cinema da história do brasileiro assassinado no metrô em Londres confundido com um terrorista mulçumano, fiquei com pé atrás. Pareceu um oportunismo e tinha medo de sair um filme panfletário. Mas não, a história consegue emocionar e é muito consciente de si mesmo, sem pieguice. E isso já é de bom tamanho.

A maior qualidade do roteiro é traçar um fiel retrato de Jean Charles (Selton Mello), nunca tendo piedade do personagem ou querendo endeusá-lo somente por ter sido morto injustamente. Ele é um cara legal, com certeza (e Selton Mello parece ideal para representar um personagem tão boa-praça), mas o filme não esconde seu envolvimento com emissão de passaportes ilegais ou sua atitude de trair a confiança do chefe para conseguir um trabalho temporário, mas lucrativo. Ele é humanizado pelos erros e acertos da forma mais natural possível.

Ao mesmo tempo, é uma crônica da luta diária de um estrangeiro em busca de emprego ou uma forma de sobrevivência, evidenciado pelo tom documental de algumas cenas. O que poderia ser visto somente como a expressão da luta diária dos brasileiros, passa a abranger várias outras nacionalidades uma vez que a Europa atual se mostra um verdadeiro caldeirão multicultural, repleto de imigrantes (legais ou não) em busca de uma oportunidade. O brasileiro morto podia ser um colombiano, um romeno, sul-africano. Nesse sentido, o filme mostra um caráter mais universal.

A direção de Henrique Goldman (o cineasta viveu em Londres e parece saber bem o que é trabalhar fora de seu país) é simples e se utiliza de planos longos que valorizam os atores em cena, mas nunca chama atenção para si mesmo. A cena do assassinato de Jean, por exemplo, vem rápida e certeira. Nada é supervalorizado ou exagerado.

Selton Mello, como o grande ator que é, não precisa se esforçar demais para compor um personagem tão gente boa; é a alma do filme, de fato. Uma pena que o resto do elenco, exceto talvez Luis Miranda, não consiga manter o mesmo nível.

Ao final, a história consegue ser emocionante por aquilo que todos já sabem que acontece (a morte, a dor da família, a busca por justiça), mas tudo soa bastante verdadeiro. Por tudo isso, o filme é uma grata surpresa.

sábado, 11 de julho de 2009

Amor real de plástico

A Garota Ideal (Lars and the Real Girl, EUA, 2007)
Dir: Craig Gillespie



É animador ver um filme que tinha tudo para ser uma comédia pastelão, se tornar um melancólico drama sobre a solidão, através de um personagem com problemas psicológicos, sem deixar de lado o bom humor. A estreia demorou bastante para chegar ao Brasil, depois de ter concorrido ano passado ao Oscar de Roteiro Original.

Assim que vemos Lars (Ryan Goslin, grande ator) na primeira cena, percebemos como ele é solitário e totalmente antissocial; um bicho-do-mato. Ele vai surpreender o irmão (Paul Schneider, um tanto apagado) e a cunhada grávida (Emily Mortimer, ótima) quando receber em casa uma boneca inflável que passará a tratar como uma pessoa de verdade, uma namorada; seu nome é Bianca e ela é brasileira.

Surpreende o tom sério dado à situação (destaque para a trilha sonora levemente melancólica) porque, no fim das contas, esse é um filme sobre um homem que possui fobia social e, na busca por uma forma de afeição, cria na mente uma relação improvável com essa tal boneca inflável. O grande mérito do filme está em numa ridicularizar esse personagem em busca do riso fácil, através da mera chacota. Lars a adora e isso lhe basta.

Quando a médica pessoal da família (Patricia Clarkson) recomenda que todos devam aparentar normalidade diante da situação e passar a fingir que a boneca realmente tem vida própria (?!?), o que significa conversar e ser atencioso com ela, a narrativa busca conquistar o espectador através de uma premissa aparentemente boba. Chega um momento que não nos é mais estranho ver os personagens discutindo a vida de Bianca e o namoro dos dois. É como se a gente se solidarizasse com Lars e sua disfunção psicológica.

Se o diretor estreante Craig Gillespie consegue conferir esse tom à narrativa, nada é mais consistente do que a excepcional atuação de Ryan Goslin, dono de uma caracterização minimalista, responsável por nos fazer crer de fato em sua atitude “maluca”. Sua expressão vai do homem apaixonado ao psicótico. Ajuda muito que o filme nunca julgue esse personagem porque Lars, de fato, acredita naquela situação. Na verdade, ele precisa crer naquilo para continuar seguindo.

Selo e filmes do ano


Primeiro foi o Gustavo do Mulholland Cinelog quem me indicou o selo “Blog de Ouro”. Qual não foi minha surpresa ao receber a mesma indicação do Vinícius P. (Sob a Minha Lente), do Fred, (Fred Burle no Cinema), e também do Diego (Cinemania). Ual! O Moviola se tornou uma paixão na minha vida e juro que me esforço para estar sempre atualizando o espaço. E pelo menos alguém gosta disso aqui. Fico grato por ser reconhecido por gente tão boa. Poderia indicar vocês quatro, mas vamos fazer a roda girar.

Regras:

1 – Exibir a imagem do selo “Blog de Ouro”.
2 – Postar o link do blog que te indicou.
3 – Indicar 4 blogs de sua preferência.
4 – Avisar seus indicados.
5 – Publicar as regras.
6 – Conferir se os blogs indicados repassaram o selo e as regras.

Meus indicados:

Crônicas Cinéfilas (Wallace Guedes)
Cinéfilo, Eu? (Dudu)
Cinematório (Renato Silveira)
Setaro’s Blog (André Setaro)

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Aproveito o post para atualizar a lista de melhores filmes do ano até então, e dar uma alongada para os 20 mais. Ao lado.

sábado, 4 de julho de 2009

Pagar sem dever

O Pagador de Promessas (Idem, Brasil, 1962)
Dir: Anselmo Duarte



É incrível como a experiência de assistir a um filme depende tanto da situação do espectador. Visto há alguns anos, O Pagador de Promessas para mim era uma obra comum e simples, mas numa revisão recente o longa cresceu de forma assustadora e confere um orgulho enorme por ser a nossa única Palma de Ouro em Cannes. E merecidamente.

Baseado no texto homônimo de Dias Gomes para o teatro, o filme é bastante fiel ao espírito do material original e possui a mesma consistência em discutir temas relacionados à religiosidade brasileira.

Zé do Burro (Leonardo Villar) é um homem do campo que faz uma promessa para que seu burro de estimação não morra enfermo. Com a cura do animal, ele cumpre a promessa de levar uma cruz nas costas de sua fazenda, a pé, até o interior de uma igreja na cidade de Salvador, além de ter dividido suas terras com camponeses mais pobres. No entanto, vai ser impedido pelo padre de terminar seu martírio por ter feito penitência em nome de Santa Bárbara, não de Nossa Senhora.

É evidente aí a questão do sincretismo religioso, tão marcante na cultural de nosso país, em especial na Bahia onde os negros souberam burlar espertamente as rígidas regras de conduta e adorar seus orixás através dos santos católicos. Todo o conflito do filme se dá pelo argumento do padre de que a promessa foi feita num terreiro de candomblé, e não em nome de Deus (e isso possui um caráter de atualização porque até hoje determinados grupos conservadores da Igreja rejeitam o sincretismo, demonstrando mais uma forma de intransigência).


Existe também na narrativa um marcante conflito entre o homem da cidade e o homem do campo, já que a chegada de Zé e sua história inusitada se torna motivo de chacota e até de interesse pelas pessoas, desde o cantador popular que tenta explorar a história de Zé para vender mais trovas, ao jornalista que tenta deturpar a história do pobre homem, até o cafetão Bonitão (Geraldo Del Rey) que vai se aproveitar da ingenuidade de Zé para seduzir a mulher dele, Rosa (Glória Meneses, novíssima).

Está certo que o texto afiado de Dias Gomes ajuda muito o roteiro, mas Anselmo Duarte sabe filmar com classe posicionando e movimentando a câmera de forma a não parecer exibido, e o faz com propriedade e sem exageros. A cena final é de uma força incrível e ainda me emociona muitíssimo porque a luta de um homem tão ingênuo e de intenções tão puras acaba por esbarrar na ignorância da sociedade, tornando-o um incompreendido.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Mais curtinhas

Procedimento Operacional Padrão (Standart Operating Procedure, EUA, 2008)
Dir: Errol Morris


Primeiro documentário a ser incluído na competição do Festival de Berlin, em 2008, Procedimento Operacional Padrão (vencedor do Grande Prêmio do Júri) se concentra nas barbaridades que o exército norte-americano praticava com detentos da prisão iraquiana de Abu Ghraib, durante a Guerra do Iraque. Os fatos vieram à tona por conta das absurdas fotos de tortura e humilhação que foram divulgadas pela mídia, escandalizando o mundo e denegrindo de vez a imagem das Forças Armadas dos EUA. O filme faz um apanhado mais amplo da situação e mostra como as fotos (e também as torturas) não se limitaram às mostradas em rede mundial. Interessante notar como a maioria dos depoimentos são dos soldados que tiraram ou participaram das foto e consequentemente foram julgados (com penas bem variadas e nem todas tão justas). Assim, somos apresentados a pontos de vistas que não se eximem da culpa, mas transparecem a crueldade irracional daqueles atos, muito embora não se esconda que a situação era largamente conhecida por todos, inclusive pelas altas patentes militares. Porém, mesmo com um tema de grande relevância, o documentário não passa do convencional e só prende a atenção pelos depoimentos, como os de Lynndie England que acabou se tornando a mais conhecida pelas fotos (ela aparece puxando um prisioneiro pela coleira numa delas). Há algumas pequenas dramatizações no filme, mas nunca soam com ar de artificialidade. Se uma imagem vale mais do que mil palavras, imagina o quanto mais de mil imagens são capazes de dizer.


30 Dias de Noite (30 Days of Night, Nova Zelândia/EUA, 2007)
Dir: David Slade


30 Dias de Noite é um embuste. O roteiro tenta manipular uma atmosfera de terror ao mesmo tempo se esforçando para o espectador não perceber os furos de roteiro deixados pelo caminho. Um deles diz respeito a um ponto central do filme: a passagem do tempo. Em Barrow, no Alasca, durante o inverno, a cidade permanece 30 dias sob total escuridão; num desses períodos, o local vai ser atacado por uma leva de vampiros, sedentos de sangue, forçando as pessoas a se esconderem o máximo possível. Por mais que os vampiros tenham poderes sobre-humanos, a narrativa possui elipses de tempo de 10 dias em que nada acontece, já que os personagens são encontrados na mesma situação. Então, qual o perigo que essas criaturas oferecem? Isso diminui bastante a força dramática do filme que não consegue transmitir um tom de perigo. Eben (Josh Hartnett) é o xerife local que vai tentar enfrentar as criaturas e ainda salvar sua ex-mulher da ameaça mortal. De fato, uma experiência vazia a quem busca bons sustos.


Se Eu Fosse Você 2 (Idem, Brasil, 2008)
Dir: Daniel Filho


O pior em relação a esse filme é que eu até dei umas risadas durante a projeção. Mas quando a gente sai do cinema e põe a mão na consciência, percebe o quanto de descabimento existe numa história que forja o riso o tempo todo, numa repetição do que Daniel Filho já havia feito no filme anterior. Temos aqui a mesma história do casal Helena e Cláudio (Glória Pires e Tony Ramos, bons atores) que troca de corpos. Daí surgem as caricaturas mais óbvias da mulher durona e do homem afeminado, esse último o mais adorado pelo público pois as pessoas ainda conseguem ver graça num homem se comportando como mulher. Mas é aí que o filme revela um erro crasso: Helena, quando ainda estava em seu corpo, não era afeminada como quando passa a ocupar o corpo de Cláudio. Mas isso não parece preocupar os roteiristas porque a graça está nos trejeitos, e quase ninguém percebe isso. O filme precisa disso para arrancar risos escrachantes da plateia. A maior frustração, no entanto, é pensar que esse é o filme brasileiro mais assistido da pós-Retomada. A força do cinema nacional reside nos filmes mais alternativos, tipo de obra que passa longe do grande público.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Curtinhas

Asas do Desejo (Der Himmel Über Berlin, Alemanha Ocidental/França, 1987)
Dir: Win Wenders


Existe uma enorme carga de humanidade na história do anjo que entra em crise existencial e passa a querer viver como um ser humano. Wenders é hábil em ambientar o mundo paralelo dos anjos que vivem como guardiões das almas atormentadas dos homens, vagando pelos cantos e ouvindo seus pensamentos, seus medos e angústias, em meio a uma Berlin dividida pelo pós-Guerra. Damiel (Bruno Ganz) e Cassiel (Otto Sander) são os anjos que guiam a narrativa por entre esse labirinto de divagações, até que Damiel se encanta pela trapezista de circo Marion (Solveig Dommartin). Ao mesmo tempo, ele passa a questionar sua existência: embora seja imortal, é incapaz de sentir emoções próprias dos humanos. O filme então se abre para a valorização dessa capacidade do homem em desfrutar sensações aparentemente tão banais como um esfregar de mãos quando sentimos frio. Nesse sentido, a fotografia é primorosa em apresentar o mundo dos anjos em preto-e-branco, contrastando como o mundo em cores fortes dos humanos. Além disso, o filme nos presenteia com um texto excelente transbordando uma poesia melancólica que é a marca registrada da obra. Se a existência humana é finita, nada se compara à possibilidade de amar e ser correspondido. Nunca foi tão bom ser um anjo decaído.

PS: existe uma continuação para esse filme, dirigido pelo próprio Wenders, chamado Tão Longe, Tão Perto, mas não chega aos pés da sutileza poética desse aqui.

PPS: Cidade dos Anjos é um remake Hollywoodiano descarado e oportunista do filme de Wenders. Deveriam processar os responsáveis pela refilmagem!


A Balada de Narayama (Narayama Bushiko, Japão, 1983)
Dir: Shohei Imamura


A Balada de Narayama pode muito bem ser vista como uma comédia de costumes de uma vila japonesa nos fins do século XIX, mas alcança um patamar adiante ao retratar a fome que assolava a região e as lendas milenares do local. Uma tradição rezava que, ao completar 70 anos de idade, os anciãos deveriam ser abandonados ao alto da montanha Narayama. Orin (Sumiko Sakamoto) é essa senhora que está prestes a completar seu septuagésimo aniversário e precisa deixar tudo às ordens para quando partir, o que significa encontrar uma esposa para seu filho mais novo. A questão da velhice é o ponto central da narrativa que vê os idosos como um sacrifício para suas famílias já que eles não possuem mais força para trabalhar, mas mesmo assim representam mais uma boca para comer. Por mais que isso possa parecer desumano, Imamura evoca o instinto de sobrevivência animal também presente no ser humano para se contrapor às questões morais da nossa sociedade. Engraçado também como ele lida com os instintos sexuais dos habitantes de forma tão despudorada e explícita. Mas são nos momentos finais que o filme mostra a força e persistência das antigas tradições.


Minha Mãe (Ma Mère, França, 2004)
Dir: Christophe Honoré


A primeira estranheza desse filme vem do fato dele ser dirigido por Christophe Honoré, cineasta francês de filmes gostosos como Em Paris e Canções de Amor, de cara contrastando com o tom seco e duro de Minha Mãe. Daí uma outra estranheza: a atmosfera sexualmente pervertida em que uma mãe envolve seu único filho, fruto de um casamento totalmente desestruturado, num jogo de depravação, tendo ela própria (mas não só) como objeto de desejo. Se nos dois filmes anteriores Honoré conseguia tratar com leveza assuntos tão pesados, aqui ele não tem pudores em filmar cenas de alto teor sexual. Embora as imagens sejam bem explícitas, não há como negar que esse é o ambiente em que o filme se arvora, e a narrativa chega a adquirir uma atmosfera de surrealidade diante de cenas tão chocantes. Mas o tom vai se tornando excessivo e repetitivo, quase como se o filme tivesse de ser preenchido por mais cenas pesadas até alcançar seu ato final, o melhor. Isabelle Huppert parece ser a atriz perfeita para papéis sexualmente fortes (vide seu desempenho soberbo em A Professora de Piano). Já Louis Garrel, ótimo ator, surge exemplar ao viver um filho imaturo e cuja carência de afeto vai ser preenchida de outra forma. O filme termina com uma cena impactante que nos faz pensar o quanto uma mãe pode causar donos psicológicos irreversíveis a um filho.

sábado, 20 de junho de 2009

Entre passado e presente

A Fronteira da Alvorada (La Frontière de L’aube, França, 2008)
Dir: Philippe Garrel



O cineasta francês Philippe Garrel faz filmes à moda antiga, como se vivesse na época áurea da Nouvelle Vague. Assim como no anterior e excelente Amantes Constantes, a fotografia em preto-e-branco levemente granulada cria uma atmosfera nostálgica e romântica de um tempo passado. Se em A Fronteira da Alvorada isso possa soar um tanto deslocado no início, a impressão logo é abandonada por conta de uma narrativa simples, mas envolvente, com o toque do fantástico para dar um tom diferencial.

A história é simples: François (Louis Garrel, sempre ele) é um fotógrafo que se vê repentinamente apaixonado pela atriz Carole (Laura Smet, hipnótica). Ele, perdido e cego de paixão, ficará à mercê dela; ela, fatal e dominadora, casada, trará grandes problemas ao envolvimento dos dois.

É muito fácil se apaixonar por Carole, aparentemente tão meiga, mas que se revela perigosa como uma femme fatale (da mesma forma como sua personagem em A Dama de Honra, de Claude Chabrol). O olhar ambíguo de Laura Smet, à lá Capitu, são perfeitos para representar a loira fatal. Garrel, filho do diretor, mais uma vez encarna o jovem romântico, mal antecipando os desdobramentos trágicos da relação.

O estilo direto e seco de Garrel pai pode soar estranho a alguns, mas é daí que surgem muitas das surpresas do filme, sendo a brusquidão seu maior aliado (a cena final, por exemplo, é um choque). Além disso, ele se vale muito mais do não dito, da força de suas imagens, para desenvolver a narrativa.

Com uma trilha sonora carregada, talvez para antecipar momentos de insanidade de ambos os protagonistas, o filme parece preso a um tempo passado quando as pessoas ainda escreviam cartas de amor umas às outras, ou quando ainda se aplicavam eletrochoques nos manicômios. Mas, deslocado ou não, esse é o universo de Garrel, lugar de onde seus personagens parecem ser eternos prisioneiros.

domingo, 14 de junho de 2009

Juventude agridoce

Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, França, 1959)
Dir: François Truffaut



A grande marca do filme de estreia de François Truffaut é a leveza com que ele aborda temas tão duros na vida de um adolescente delinqüente. Sendo seu primeiro filme, parece que Truffaut depositou toda sua paixão nos personagens. Não podia ser diferente uma vez que o protagonista é o alterego do próprio cineasta, fazendo do filme um trabalho bastante autobiográfico. E dos mais sinceros.

Antoine Doinel (personagem que vai ser retratado em outros filmes de Truffaut, compondo uma série que acompanhará o desenvolvimento emocional do jovem até a fase adulta) é esse garoto-problema que apronta descaradamente na escola em companhia de um amigo também encrenqueiro. A relação com a família é um tanto conturbada, escondida por uma aparente normalidade.

Ao longo da narrativa, vamos descobrir que ele não é filho legítimo do pai, daí o motivo por que sua mãe o trata tão mal em casa. Numa cena emblemática, Antoine a encontra aos beijos com outro homem, o que logo é esquecido pelos dois. Mesmo o pai vai demonstrar o sacrifício de cuidar de um filho problemático que nem é prole de seu sangue.

Mais do que contar a história desse personagem, o filme procura fazer um retrato sincero de uma juventude poucas vezes mostrada no cinema. Ao mesmo tempo, é um filme direcionado para adultos sobre crianças e adolescente e seus jeito de enxergar as coisas. Porque a moral da adolescência é não se importar com o mundo responsável dos adultos; mas quando um jovem é marcado pela rejeição familiar, a coisa pode se tornar bem mais difícil e a delinqüência é o caminho mais próximo. Truffaut cresceu, mas não se esqueceu das agruras de sua infância.



O cineasta filma tudo com um vigor incrível fazendo as travessuras de Antoine se sucederem sem nunca perder o ritmo. Alia-se a isso um texto gostoso e inteligente que inclui os problemas familiares de Antoine sem peso excessivamente dramático. A fotografia naturalista dá conta de filmar a cidade de Paris, belissimamente, como um espaço de descobertas do protagonista.

Sem uma atuação caricata das crianças, é interessante perceber a naturalidade com que todas elas surgem em cena, quase como uma não-atuação. O protagonista Jean-Pierre Léaud é a mais pura encarnação dessa simplicidade tão verdadeira. Mesmo nas cenas mais densas, como a prisão do garoto e a conversa com um psicólogo no reformatório, Léaud demonstra uma maturidade sem igual e da qual talvez nem tivesse noção à época.

Diferente de outros cineastas da Nouvelle Vague francesa que possuem um tom um tanto mais intelectualizado, Truffaut parece falar com o coração, da forma mais simples e humana possível, traço da excelência de grande parte de sua filmografia. Antes de mais nada, ele é um humanista. Os Incompreendidos é o tipo de filme feito com paixão.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Curtinhas

O Equilibrista (Man on Wire, EUA/Inglaterra, 2008)
Dir: James Marsh


Em 1974 o francês Philippe Petit atravessou as Torres Gêmeas de um topo ao outro sobre um fio de equilíbrio. Sabe por quê? Era sua paixão, sua ocupação de vida. O documentário O Equilibrista, ganhador do Oscar da categoria deste ano, narra como Petit e sua equipe conseguiu entrar clandestinamente no edifício para realizar a façanha que chegou a julgar impossível. O filme então aproveita para nos apresentar esse homem que fazia do perigo seu modo de vida. O próprio Petit é entrevistado no filme e logo transparece sua personalidade irrequieta, expansiva e brincalhona: um artista. A narrativa intercala as etapas de preparação para a travessia com a trajetória do próprio homem e vai apresentando os amigos que o ajudaram. Utiliza-se de fotos de arquivo e vídeos da época, numa colagem bem amarrada por um roteiro centrado e embalado por uma surpreendente e sutil trilha sonora. Por mais que se utilize do clichê atual dos documentários de dramatizar grande parte das ações narradas, os momentos ficcionais não incomodam por não soarem pretensiosos, mas somente demonstrativos. Além disso, são fotografados num preto-e-branco tão belo que nunca chegam a comprometer o resultado final. Por tudo, o filme acaba se tornando uma bela homenagem ao homem e seu destemor em desafiar o perigo em prol da liberdade.


Tony Manero (Idem, Chile/Brasil, 2008)
Dir: Pablo Larrain


Tony Manero é um filme estranhíssimo. No Chile em plena ditadura de Ernesto Pinochet, Raúl Peralta (Alfredo Castro em ótima performance) é um estranho dançarino que idolatra e imita o personagem Tony Manero vivido por John Travolta no clássico dos anos 70 Os Embalos de Sábado à Noite. A fim de aparecer na TV para ganhar um concurso de sósias de seu personagem favorito, ele vai tentar de tudo, inclusive cometendo assassinatos perversos. A partir daí, Raúl surge como um personagem odioso e imprevisível, moralmente deficiente, mas acima de tudo um miserável, que se assemelha a uma classe baixa chilena oprimida pelo regime, mas que nutre um sonho de estrelato próximo ao utópico. Uma pena que em certos momentos o filme se utilize de uma escatologia exagerada e excêntrica. Mas nada que impeça o novato diretor de utilizar com precisão a câmera na mão em prol de uma narrativa orgânica e nunca disposta a entregar respostas fáceis ao espectador. É interessante notar que o grande ícone do filme é justamente um personagem do cinema norte-americano, país que impõe tanto sua cultura como a força bruta que apoia a ditadura. O filme mantém o discurso político nas entrelinhas porque o verdadeiro foco é seu personagem central e seu mundo sujo. O Tony Manero de ambos os filmes são personagens pessimistas e o que os une, a despeito das diferenças sociopolíticas de cada país, não é somente o gosto pela dança, mas seu estado estanque na sociedade.


Rebobine, Por Favor (Be Kind Rewind, EUA, 2008)
Dir: Michel Gondry


Michel Gondry não é o mesmo sem Charlie Kaufman. Depois do excelente Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, ele achou que podia filmar seus devaneios sozinho. O resultado foi uma bagunça danada, o cansativo, ultrafantasioso e afetado Sonhando Acordado, que de tão maluco nem chegou a ser lançado comercialmente no Brasil. Mas eis que uma ideia original resultou num próximo filme agradável: Rebobine, Por Favor é sobre Mike (Mos Def), o atendente de uma vídeo locadora cujo amigo Jerry (Jack Black) desmagnetizou e apagando vários filmes em VHS do local. Os dois então decidem refilmar algumas obras, o que acaba se tornando um sucesso no bairro. A proposta pode soar boba e ingênua, mas o melhor caminho é não levar tudo tão a sério e entrar na brincadeira. O filme exalta o prazer cinéfilo ao relembrar obras de nosso imaginário que vão do pop comercial (O Caça-Fantasmas, Robocop) aos mais cultuados (2001 – Um Odisséia no Espaço), passando pelos oscarizáveis (Conduzindo Miss Daisy), todos suecados da forma mais trash possível. Mas há uma cena no final que celebra todo o amor pelo cinema: a projeção de um filme dentro de uma loja à noite ultrapassa a vitrine e reúne na rua uma grande plateia. É a força do Cinema em agrupar diversas pessoas em torno de uma mesma paixão.