sexta-feira, 24 de junho de 2016

Cine Ceará – Parte I


Avó (Amama, Espanha, 2015)
Dir: Asier Altuna

Assim como no ano passado, o Cine Ceará exibiu Floreak, filme do país basco, região e cultura pouco conhecida, tanto eclipsada pelo poderio de atração espanhol. Esse ano foi a vez do longa Avó aportar na mostra competitiva, mais um drama familiar, assim como o filme anterior, com destaque para a tradição e as raízes de uma família rural basca.

Todo falado em língua eusquera, o filme nos apresenta uma família que vive num caserío, espécie de grande propriedade rural muito comum na região basca. Há o pai rígido e durão, mantenedor das tradições, em especial na dedicação total à terra, plantio de alimentos e criação de rebanhos, como forma de economia de subsistência. No outro polo, uma das filhas (Iraia Elias) é quem vai questionar o estilo de vida tradicionalista da família, batendo de frente com o pai rude.

O filme é muito rico em simbolismos e remete a um estudo de personalidades marcadas pelo uso de cores fortes. A avó é uma personagem que não diz uma única palavra durante o filme, mas possui uma presença de cena marcante, espécie de entidade ligada à tradição que observa atenta o embate de gerações. Ela tem dons artísticos e, logo no início do filme, aparece pintando três árvores da propriedade de cores diferentes, o que remeteria à personalidade de cada um dos três herdeiros – há ainda outros dois, homens que lidam melhor com as ordens do pai e da tradição.

A árvore e, por conseqüência, a madeira, assim como as cores, são signos constantes a marcar os passos dos personagens, o que acaba tornando o longa muito prescritivo. É como se já estivesse posto, a preceder os personagens, uma espécie de personalidade programada que os faz responder a certos estímulos já previamente codificados, e não como algo que emane deles com naturalidade e verdade. O filme também abusa de certa estética artsy, querendo impressionar a todo instante pela beleza estética das coisas – certo velório, por exemplo, é filmado quase como uma instalação-blasé, que ganha plasticidade, mas perde na emoção.

O filme também apresenta um contraponto com o país basco cosmopolita e moderno, mais uma vez reforçado pela figura da filha que não quer terminar seus dias arando a terra do caserío. Todo o conflito da família passa por essa questão, e o filme quase cai na armadilha de filmar o esfarelamento da família a partir do drama gritado, das brigas ininterruptas que só servem para disparar espinhos entre os familiares.

Avó sai-se melhor quando consegue apresentar uma curva dramática que faz aquelas pessoas se reconhecerem como pertencente a um mesmo núcleo fortemente ligado por laços sanguíneos, apesar de acentuarem e nunca deixarem de lado suas concepções de vida e desavenças. É quando o filme ganha mais em complexidade, e os dramas dos personagens ganham mais força que os meros simbolismos.


Epitáfio (Epitafio, México, 2015) 
Dir: Yulene Olaizola e Rubén Imaz

Pode-se dizer que Epitáfio é como um épico silencioso. O filme remonta ao início do século XVI quando os primeiros conquistadores espanhóis chegaram e desbravaram a região onde hoje se encontra o México. Diego de Ordaz, um dos conquistadores da região, figura real, porém pouco conhecida e menos reverenciada dentre os “heróis” que marcaram seu nome na História de conquista do Novo Mundo, é esse personagem que o filme observa a desbravar o lugar.

Junto com um pequeno grupo explorador, desejam chegar ao topo do vulcão Popocatéptl. Pode espantar que essa paisagem, naquela circunstância, é tomada por um inverno rigoroso, com direito a espessa camada de neve no chão, nevoeiros e frio cortante. Epitáfio apresenta um tour de força para seus personagens, provação que exige grande esforço físico e mental.

Logo de início, o filme já deslumbra o espectador por uma concepção visual muito apurada, fotografia que em nada lembra as cores quentes da geografia mexicana mais exótica. O contraponto da bela paisagem natural com os perigos mortais que ela também oferece está impresso desde as primeiras cenas.

O embate do homem com a natureza inóspita não é algo novo aqui, e o filme tem certa dificuldade para conferir interesse na jornada desses homens para além disso, a despeito de todo o conhecimento posterior que temos da exploração colonizadora europeia e suas devastadoras consequências para os povos nativos. 

Epitáfio busca mesmo na jornada particular daquele grupo, partindo quase de uma introspecção e desejos individuais de vitória, o estado de ganância e a obsessão por conquistar novas terras no território desconhecido. Pena que poucas vezes o filme consiga encontrar mais nuances na formatação desses personagens e nos eventuais conflitos que surgem entre eles. Resta então dar voltas em torno das mesmas questões e abusar do tom de cansaço e estafo constante.

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