quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Mostra de Tiradentes – Parte III


Jonas (Idem, Brasil, 2015)
Dir: Lo Politi


Conflito social, com algo de embate de classes, regado com um pouco de drama familiar, disputas românticas e uma pitada de narrativa policialesca. Esse é Jonas, filme que envereda por uma profusão de acontecimentos, tipo de filme difícil de classificar. Fica mais complicado quando a trama se joga – ou joga seu protagonista – num emaranhado de situações equivocadas, sem saber muito bem trabalhar esses deslocamentos. O resultado é um filme narrativamente frágil e pavoroso.

Jonas (Jesuíta Barbosa) vive na periferia de São Paulo e é filho de empregada doméstica. Não parece esconder a paixonite pela filha da patroa da mãe, Branca (Laura Neiva), um passado de proximidades entre os dois na infância subtendido aí. Ele também ganha uns trocados entregando drogas para o chefe do tráfico do pedaço (interpretado pelo rapper Criolo). Num acesso de ciúme envolvendo o trio, Jonas acaba por cometer uma grande besteira e se vê obrigado a sequestrar Branca, escondendo-a na réplica gigante de uma baleia, carro alegórico da escola de samba da comunidade.

O filme concentra-se numa série de atitudes erradas do rapaz, visivelmente perdido sobre o que fazer dali em diante. A culpa poderia estar na infantilidade do personagem, na sua incapacidade de lidar com sentimentos tão humanos como ciúme e raiva. No entanto, é o roteiro que investe mesmo em situações difíceis de acreditar, inverossímeis, e que não nos dá a dimensão da paranoia e descontrole emocional do protagonista. Ele simplesmente não se adéqua a sua própria realidade naquela condição limite.

Isso não só enfraquece o longa, como o vai levando ladeira abaixo da metade em diante, culminando com uma cena final constrangedora. A diretora estreante Lo Politi também não é muito hábil em articular os elementos que tem em mãos e nem parece compreender a gravidade dos atos do protagonista.

Existe mesmo um belo esforço de Jesuíta Barbosa em conferir dignidade a esse personagem aéreo, quase que pertencente a uma realidade paralela, onde tudo parece que vai acabar bem, apesar das burradas constantes que faz (e o final do filme é bastante discutível). Também Neiva constrói uma garota esperta e atrevida. Há outros personagens carismáticos na trama, como o irmão mais novo de Jonas, Jander (Luam Marques), e outros mais caricatos, como o vilão vivido por Ariclenes Barroso. Mas nem assim a história consegue fazer surgir uma empatia com o espectador.


O Espelho (Idem, Brasil, 2015) 
Dir: Rodrigo Lima


O Espelho certamente parece habitar um lugar muito particular dos filmes de alta subjetividade capaz de fisgar espectadores pelos mistérios que vai deixando ao passar. O encantamento pelos enigmas de um protagonista em momento de autoquestionamento, empreendendo uma espécie de jornada de perdição, rende um filme no mínimo curioso, mas pujante enquanto força de imagens e sons. E há muitas chaves através das quais é possível contemplá-lo.

O filme faz parte do projeto Tela Brilhadora, que reúne nomes como Julio Bressane (que dirigiu Gartoto) e Bruno Safadi (que fez O Prefeito), cada qual responsável por dirigir um filme com pouquíssimos recursos, filmando num período de poucas semanas. O que poderiam ser limitações, acabam por se tornar força criativa. São todas obras riquíssimas em elementos, desafiando as percepções do espectador.

No caso de O Espelho, há ainda o fato de ser o primeiro longa-metragem do cineasta Rodrigo Lima. Ele demonstra mão segura para lidar com o aparente aspecto de surrealidade da narrativa, pelos meandros da introspecção fabular do protagonista. A história é baseada em conto de Machado de Assis, embora o filme, visto em conjunto com os outros do projeto, componham um conjunto coeso, compartilhando questões e posicionamentos formais muito mais próximos.

Tem-se um homem (Augusto Madeira) aparentemente sozinho numa casa de campo. Uma chave que se apresenta de início aparece numa cena rápida, mas significativa: dentro de um quarto cujas paredes estão cobertas de quadros, a maioria deles de retratos, de repente vemos a figura do protagonista refletida num espelho, como um autorretrato inconsciente. Uma ideia de posição de si mesmo parece perseguir o protagonista, inclusive na figura hipnótica de uma misteriosa mulher que emerge das águas turvas de um lago. 

Essa presença feminina, ao mesmo tempo bela e ameaçadora, quase dominadora na maneira como enfeitiça o homem e o faz seguir seus passos, é mais uma porta de entrada num mundo de encantamentos e perigos. Nesse jogo de reflexos e reflexões, O Espelho parece uma espécie de viagem ao centro da alma, com o risco dessa colocação soar um tanto clichê e aquém das próprias ambições do filme, ainda que pareça exatamente isso. É um filme a se descobrir, para fazer descobrir aquele que na tela se desdobra e vê sua imagem em outras coisas.
 

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