terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Mostra de Tiradentes – Parte IV



O Signo das Tetas (Idem, Brasil, 2015)
Dir: Frederico Machado



Esse segundo longa-metragem do cineasta maranhense Frederico Machado faz parte de uma trilogia que começou com O Exercício do Caos. Acabam sendo filmes bem distintos, mas não deixam de revelar um diretor ainda apegado a certas marcas de um dito “cinema de arte”, mais interessado em construir momentos estranhos e/ou viscerais do que contar uma história de fato.

Talvez seja um filme mesmo mais sensorial e introspectivo, mas existe uma procura constante por essas imagens que justifiquem uma estética “arrojada”, com ecos oníricos de um inconsciente tumultuado. É quando o estilo se agiganta e olha com desdém para a história, o que só dificulta o estreitamento emocional com seu protagonista.

O Signo das Tetas é um filme de busca, marcado pela jornada pessoal de um homem (Lauande Aires) em viagem de volta a sua terra natal. A figura materna lhe persegue como uma imagem que remete a uma infância de momentos felizes ao lado da mãe, mas que deram lugar um crescimento rígido, sem muitas felicidades. A vontade é de fazer as pazes com esse passado que o atormenta.

A impressão maior aqui é que Machado busca certa estranheza nas imagens oníricas ou alucinantes que povoam a trajetória desse homem, confundindo nossas próprias percepções. No fim, fica uma sensação de que o filme poderia se alongar no mesmo tipo de investida narrativa, para chegar no exato mesmo lugar que, ainda assim, não diz muito sobre o fim da viagem emocional do personagem.


Mais do que Eu Posso Me Reconhecer (Idem, Brasil, 2015)
Dir: Allan Ribeiro



Filme vencedor da Mostra Aurora, Mais do que Eu Possa Me Reconhecer, é uma produção de poucos recursos e equipe. Sua originalidade está na maneira como filma um cotidiano e acaba fazendo uma grande reflexão sobre o autorretrato e as imagens que fazemos de nós e dos outros, em muitos sentidos.

Darel Valença Lins é um artista plástico que vive sozinho numa bela casa no Rio de Janeiro. Amante de cinema, não só cultiva o hábito de ver filmes clássicos, como tem uma obsessão em brincar com sua pequena câmera digital. Filma trivialidades que podem ser vistas como videoartes ou meros recortes de encenações prosaicas.

O diretor Allan Ribeiro, ao trazer sua câmera para a rotina desse senhor, acaba filmando suas ações triviais, mas inclui na montagem final do longa trabalhos do acervo do próprio Darel. Filmado de maneira analógica, o diretor cria unidade entre essas imagens e reforça seu tom cotidiano.

Num momento em que o termo “selfie” já foi incluído no vocabulário do brasileiro, o documentário questiona o que fazer com essas imagens que se produz aos montes no dia a dia e mostra o quanto elas podem estar carregadas de força criativa. O encontro com esse homem e sua maneira serena (talvez banal?) de encarar a vida retira o peso de um personagem atrativo e o filme passa a interessar bem mais nas relações entre imagens que se confrontam ali.

A vitória do longa na Mostra Aurora de um festival que valoriza tanto o experimental e o novo revela o alcance de um filme aparentemente simples (mas nunca simplista), cheio de camadas interpretativas. Quando menos se espera, Darel faz uma observação sobre os autorretratos de Rembrandt, algo que ressignifica muito do que vimos até então no filme. Do pouco se faz muito e do banal, arte sensível.


A Casa de Cecília (Idem, Brasil, 2015) 
Dir: Clarissa Appelt



Um olhar apurado sobre a juventude é a base de A Casa de Cecília, longa que surgiu como produto final de concussão de curso da diretora Clarissa Appelt. O filme pode ser visto na chave do suspense porque carrega marcas da clássica história de casa mal assombrada. Mas nos parece muito mais forte no filme um aspecto intimista de uma garota e seus fantasmas pessoais.

No filme, Cecília (Carol Pita) encontra-se sozinha em casa por um tempo e vai receber a visita de uma misteriosa garota, Lorena (Tainá Medina). Inicialmente estranhas, as duas começam um processo de aproximação que faz revelar os anseios de uma menina diante de uma existência cheia de dúvidas. A inocência da primeira se contrapõe à malícia da segunda. É aí que o tom de “horror” perde força diante das revelações do íntimo.

Mas Appelt é muito sutil ao retratar esses conflitos particulares, além do que, de fato, está se dando ali com aquelas personagens, algo que vamos compreendendo aos poucos. Nada é dado ao espectador de cara, apesar do filme se apegar muito a diálogos. As duas personagens travam conversas prosaicas enquanto matam o tempo na casa vazia e é aí também que o filme parece se alongar em conversas que assumem muitos rumos possíveis. 

Isso aproxima muito o filme de certo cinema verborrágico (como o de um Eric Rohmer, por exemplo, embora sem a leveza do mestre da Nouvelle Vague). Também poderia ser um pouco mais enxuto nas diversas questões que coloca sobre sua personagem, apesar de construir um retrato sensível da adolescência.

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