sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Mentes aprisionadas

O Mestre (The Master, EUA, 2012)
Dir: Paul Thomas Anderson



Depois do grande mosaico de vidas em dor que é Magnólia e do estudo da ganância e poder crescentes de um homem em Sangue Negro, O Mestre poderia ser um filme menor do Paul Thomas Anderson, um trabalho mais modesto no desenho de certos personagens. Porque o filme está longe de ser um mero petardo contra uma ciência ou seita em sua gênese, muito menos é a biografia do homem que a formatou, com suas teorias e preceitos questionáveis, apesar do título se referir a ele.

Mesmo assim, O Mestre é de uma grandiosidade curiosa porque se apega à figura de um personagem errante, permeado por distúrbios mentais, que o torna presa fácil para alimentar as crenças dessa nova visão religioso-filosófico-científica que começa a surgir no início da década de 1950, a Cientologia. 

Daí que o foco da história recai muito mais no personagem visivelmente perturbado de Joaquin Phoenix, Freddie Quell. Ex combatente naval, é jogado em solo americano depois de ter lutado na Segunda Guerra Mundial. Sem destino ou família, será acolhido pelo líder Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman) e iniciado nos princípios da Cientologia, embora não pareça exatamente confortável ali, muito menos se tornará um discípulo fervoroso daquele movimento.

Assim que o filme começa e os acordes sonoros potentes da trilha sonora clássica soam no cinema, nota-se que estamos diante de algo forte, intenso. E o foco aqui não é a criação da Cientologia, mas os caminhos tortuosos de Freddie. Mais do que um adepto daquela seita/culto, ele se encontra naquele lugar, como que se sentindo prestativo, em especial através do seu talento em produzir destilados, bebidas de forte teor alcóolico que servem aos propósitos entorpecentes de Dodd. Mas são os ataques de fúria de Freddie, seu comportamento explosivo e inconsequente, que guiam a história, o triste retrato de um personagem refém de suas limitações mentais, pego na armadilha das crenças cegas.

Anderson formata uma estrutura narrativa que não torna a Cientologia o centro da história, mas diz muito sobre suas origens, cutucando-a em pequenas doses, ainda que a cerque de certos mistérios. Não há dúvida de que Dodd é visto como um homem carismático, um pai que cuida e lidera aquela família, todos aqueles que se ajuntam ao redor d’A Causa, como costumam chamar. Mas o filme não deixa de pontuar os momentos de arrogância e fúria que lhe tomam quando questionam seus dogmas.


Também Amy Adams, aparentemente frágil, vivendo a esposa de Dodd, expõe o destaque da figura feminina, longe do perfil de submissa, como voz ativa nas decisões, apoiando incondicionalmente o marido em sua trajetória e sendo sua baliza moral. Assim, ao se aproximar do centro de criação da Cientologia, o filme nunca o ridiculariza, mas tenta expor os abusos que dali se observa (em especial os métodos de pressão psicológica sobre as pessoas).

É essa dualidade que torna o filme um curioso comentário de acidez à Cientologia, mas sem aprofundar a questão ou se envolver nos seus preceitos. Dodd acaba sendo um personagem ficcional, um alter-ego do verdadeiro criador daquele movimento, o ex-escritor de ficção científica L. Ron Hubbard. 

Sabemos que o maior interesse de Anderson está nas inter-relações humanas. Por isso os planos aqui são mais fechados, longos, que valorizam o confronto entre personagens, em especial entre esses dois homens, o mestre e o discípulo torto, muitas vezes em embate forte (a cena do interrogatório sem piscar os olhos é soberba e angustiante nesse sentido). Freddie, encurralado por sua própria condição psicológica, passa a ser presa também de um sistema que se quer espiritual, de onde terá ainda mais dificuldade de escapar. O Mestre é um estudo potente das prisões humanas.

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