
Náufragos (SP/BR, 2010)
Dir: Gabriela Amaral Almeida e Matheus Rocha

Mais um curta instigante, dessa vez trabalhando com noções de fantasia. A diretora Gabriela Amaral (a mesma de Uma Primavera), agora com a parceria de Matheus Rocha, conta a curiosa história de dona Odete, senhora que vive sozinha com o marido e a empregada, e passa a presenciar coisas estranhas em casa. Em especial, existe algo estranho com a cama da mulher que parece atrair pessoas e objetos; o próprio marido é tragado para debaixo da cama logo no início do filme. É aí que a dimensão fantástica da história aponta para as fragilidades e mazelas da velhice, e passamos a questionar o que realmente é real e o que é invenção/fantasia em tudo aquilo.
A dupla de diretores sabe como ninguém criar atmosfera de tensão (porque nada se explica no filme), assim como de inquietação, já que alguns detalhes surgem como pontos de interrogação. O que representaria mesmo aquele programa de ginástica na televisão? Quais as verdadeiras intenções da empregada? Náufragos encontra-se no campo das estranhezas, e por isso mesmo estimula o espectador a se situar entre aquelas circunstâncias, embora exista uma coesão bem pertinente na narrativa. Pode ser lido como uma triste metáfora da vida em estado de estagnação.
Doce de Coco (CE/BR, 2010)
Dir: Allan Deberton

No interior do Ceará, família vive da produção e venda de cocada de coco. Diana é a única garota da família, trabalha com a mãe na feitura dos doces. Um dia no rio, é assediada por um garoto da região e vai ter sua vida mudada por disso. O filme é mais um conto em que personagem atravessa a fronteira entre infância e vida adulta, neste caso de forma abrupta, assim como o corte seco que revela a situação da menina tempos depois daquela experiência no rio.
O diretor Allan Daberton filma com muito cuidado essa passagem, mas o filme vai cometer seu maior pecado no final, na tentativa de redimir sua personagem a partir de uma saída frágil e rasteira de roteiro. Existe ainda um tom melancólico, assinalado por uma trilha sonora triste e chorosa no pianinho, que pretende criar um clima de “peninha” pela garota. E isso estraga grande parte da sutileza que vimos anteriormente.
Um Lugar ao Sol (Idem, Brasil, 2009)
Dir: Gabriel Mascaro


Um Lugar ao Sol é o típico documentário que vale muito pelos depoimentos que coleta, muitas vezes deixando o espectador embasbacado pelo que acabou de ouvir. A proposta é conversar com pessoas que moram em coberturas de grandes edifícios das cidades do Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, característica inconfundível daqueles com alto poder aquisitivo, esses que concentram grande parte da renda econômica do Brasil.
Poucos deles se dispuseram a falar. Das 125 coberturas catalogadas num livro a que o diretor Gabriel Mascaro teve acesso, somente nove famílias e moradores concederam entrevistas para o diretor.
O resultado, por vezes, é assustador. Como quando uma senhora se diz privilegiada porque ali ela estaria “mais pertinho de Deus”, ou o casal que diz “ver tudo de cima”. A prepotência que essas colocações poderiam ter, na verdade, não existe no tom da fala deles. É como uma colocação natural, estão falando do seu dia-a-dia, até porque aquela é a realidade em que estão imersos. A relação que eles possuem com a cidade é outra da que estamos acostumados.
Mas por trás disso, existe todo um discurso de distanciamento social de uma classe que parece ver isso sem nenhuma problematização. Um dos entrevistados chega a dizer que morar num edifício é “socializante”, porque um mesmo espaço vertical suporta várias moradias. Mas ao mesmo tempo, todos eles dizem prezar pelo tamanho espaçoso e pela privacidade que essas moradias lhes oferecem, fator justamente de distanciamento social. É aí que percebemos a fragilidade do discurso.
Interessante destacar certo traço do cinema documental contemporâneo no filme ao investigar determinado objeto a partir de um ponto de vista específico. Nesse caso, Um Lugar ao Sol se propõe a um contato com a mentalidade de uma classe alta-alta, demonstrando toda sua fragilidade de pensamento burguês, sem cair na “obrigação” de ter de ouvir o outro lado. O filme tem um propósito bem claro, e tenta focar nesse aspecto.
Mas mesmo assim, o documentário não consegue aprofundar demais no tema proposto, uma vez que a questão da moradia, no Brasil, é assunto capcioso. O próprio documentário se acomoda em sua proposta apostando somente nas falas de seus entrevistados, sem ousar demais narrativamente. O fato de serem poucos os depoimentos conseguidos também nos faz pensar que alguns têm coisas mais interessantes (e reveladoras) a falar que outros.
Mas, de qualquer forma, Um Lugar ao Sol marca o valor de discutir um tema a partir de um ponto de vista inicialmente duvidoso, mas que revela uma perspectiva não só interessante, mas também necessária de se ouvir.
Dir: Gabriela Amaral Almeida e Matheus Rocha

Mais um curta instigante, dessa vez trabalhando com noções de fantasia. A diretora Gabriela Amaral (a mesma de Uma Primavera), agora com a parceria de Matheus Rocha, conta a curiosa história de dona Odete, senhora que vive sozinha com o marido e a empregada, e passa a presenciar coisas estranhas em casa. Em especial, existe algo estranho com a cama da mulher que parece atrair pessoas e objetos; o próprio marido é tragado para debaixo da cama logo no início do filme. É aí que a dimensão fantástica da história aponta para as fragilidades e mazelas da velhice, e passamos a questionar o que realmente é real e o que é invenção/fantasia em tudo aquilo.A dupla de diretores sabe como ninguém criar atmosfera de tensão (porque nada se explica no filme), assim como de inquietação, já que alguns detalhes surgem como pontos de interrogação. O que representaria mesmo aquele programa de ginástica na televisão? Quais as verdadeiras intenções da empregada? Náufragos encontra-se no campo das estranhezas, e por isso mesmo estimula o espectador a se situar entre aquelas circunstâncias, embora exista uma coesão bem pertinente na narrativa. Pode ser lido como uma triste metáfora da vida em estado de estagnação.
Doce de Coco (CE/BR, 2010)
Dir: Allan Deberton

No interior do Ceará, família vive da produção e venda de cocada de coco. Diana é a única garota da família, trabalha com a mãe na feitura dos doces. Um dia no rio, é assediada por um garoto da região e vai ter sua vida mudada por disso. O filme é mais um conto em que personagem atravessa a fronteira entre infância e vida adulta, neste caso de forma abrupta, assim como o corte seco que revela a situação da menina tempos depois daquela experiência no rio.O diretor Allan Daberton filma com muito cuidado essa passagem, mas o filme vai cometer seu maior pecado no final, na tentativa de redimir sua personagem a partir de uma saída frágil e rasteira de roteiro. Existe ainda um tom melancólico, assinalado por uma trilha sonora triste e chorosa no pianinho, que pretende criar um clima de “peninha” pela garota. E isso estraga grande parte da sutileza que vimos anteriormente.
Um Lugar ao Sol (Idem, Brasil, 2009)
Dir: Gabriel Mascaro


Um Lugar ao Sol é o típico documentário que vale muito pelos depoimentos que coleta, muitas vezes deixando o espectador embasbacado pelo que acabou de ouvir. A proposta é conversar com pessoas que moram em coberturas de grandes edifícios das cidades do Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, característica inconfundível daqueles com alto poder aquisitivo, esses que concentram grande parte da renda econômica do Brasil.
Poucos deles se dispuseram a falar. Das 125 coberturas catalogadas num livro a que o diretor Gabriel Mascaro teve acesso, somente nove famílias e moradores concederam entrevistas para o diretor.
O resultado, por vezes, é assustador. Como quando uma senhora se diz privilegiada porque ali ela estaria “mais pertinho de Deus”, ou o casal que diz “ver tudo de cima”. A prepotência que essas colocações poderiam ter, na verdade, não existe no tom da fala deles. É como uma colocação natural, estão falando do seu dia-a-dia, até porque aquela é a realidade em que estão imersos. A relação que eles possuem com a cidade é outra da que estamos acostumados.
Mas por trás disso, existe todo um discurso de distanciamento social de uma classe que parece ver isso sem nenhuma problematização. Um dos entrevistados chega a dizer que morar num edifício é “socializante”, porque um mesmo espaço vertical suporta várias moradias. Mas ao mesmo tempo, todos eles dizem prezar pelo tamanho espaçoso e pela privacidade que essas moradias lhes oferecem, fator justamente de distanciamento social. É aí que percebemos a fragilidade do discurso.
Interessante destacar certo traço do cinema documental contemporâneo no filme ao investigar determinado objeto a partir de um ponto de vista específico. Nesse caso, Um Lugar ao Sol se propõe a um contato com a mentalidade de uma classe alta-alta, demonstrando toda sua fragilidade de pensamento burguês, sem cair na “obrigação” de ter de ouvir o outro lado. O filme tem um propósito bem claro, e tenta focar nesse aspecto.
Mas mesmo assim, o documentário não consegue aprofundar demais no tema proposto, uma vez que a questão da moradia, no Brasil, é assunto capcioso. O próprio documentário se acomoda em sua proposta apostando somente nas falas de seus entrevistados, sem ousar demais narrativamente. O fato de serem poucos os depoimentos conseguidos também nos faz pensar que alguns têm coisas mais interessantes (e reveladoras) a falar que outros.
Mas, de qualquer forma, Um Lugar ao Sol marca o valor de discutir um tema a partir de um ponto de vista inicialmente duvidoso, mas que revela uma perspectiva não só interessante, mas também necessária de se ouvir.
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