sábado, 6 de novembro de 2010

Profundezas da fantasia

Ponyo – Uma Amizade que Veio do Mar (Gake No Ue No Ponyo, Japão, 2008)
Dir: Hayao Miyazaki


O cinema de Hayao Miyazaki pode ser dividido entre aqueles filmes mais inocentes, claramente voltados para o público infantil (Meu Vizinho Totoro) e aqueles que possuem uma complexidade a mais inserida em meio à história (caso de A Viagem de Chihiro e O Castelo Animado). Mas, em ambas as propostas, existe um ponto de união: a defesa da fantasia, pura e simples, um verdadeiro louvor ao poder da imaginação.

E isso só parece ser possível porque seus personagens são, em maioria, crianças, as únicas que aceitam a fantasia sem estranheza. Ao mesmo tempo, essa fantasia também parte delas próprias como fontes inesgotáveis de imaginação fértil que lhes são próprias. Nesse sentido, Miyazaki seria uma eterna criança em corpo de adulto, pois o seu poder criativo parece ilimitado (e talvez só encontre pária – ou um pupilo, seria melhor – no cinema recente do mexicano Guillermo Del Toro).

Ponyo – Uma Amizade que Veio do Mar se enquadraria na primeira categoria citada acima, talvez um filme sem grandes pretensões, mas que defende a fantasia através da aventura da peixinha do título que, ao fugir do mar, conhece o garoto Sosuke. A amizade entre os dois se torna tão intensa que ela decide se tornar humana. Simples assim. Em Miyazaki, tudo parece muito ingênuo, ao alcance, basta que os personagens queiram. O fantasioso é tratado com a maior naturalidade possível, como se fosse um elemento próprio daquele ambiente, sem grandes (ou nenhuma) explicação.

E essa atmosfera se mostra propícia para que o diretor construa quadros de riquíssima beleza e detalhes, como quando, logo no início, ele nos apresenta um universo de criaturas que vive no fundo do mar, enchendo nossos olhos. Ou mesmo momentos delirantes quando uma onda gigante persegue o carro dos personagens, ou a fuga de Ponyo do submarino, libertando ao mesmo tempo vários outros seres deslumbrantes. E o que falar do surgimento luminoso da deusa do mar?


Outro ponto característico dos personagens de Miyazaki, presente nesse filme, é que muitos deles fogem do maniqueísmo (é bem fácil pensar que num filme voltado, inicialmente, para o público infantil, os personagens precisem ser divididos entre vilões e mocinhos). Pois aqui merecem destaque aquele que seria o “vilão” da história, esse ser de aparência humana, mas que vive no mar chefiando todas essas criaturas míticas, e quer trazer Ponyo de volta a todo custo. Mas seu desprezo pelos humanos é a razão por que não quer perder nenhum de seus “filhos” para os homens.

De longe, Ponyo – Uma Amizade que Veio do Mar pode parecer bobinho ou então simplório demais, uma fantasia puramente despretensiosa (embora conte com um roteiro que nunca se mostra previsível, partindo por caminhos inesperados, o que sempre é muito bom – e que lembra, inusitadamente, Michelangelo Antonioni). Mas talvez seja essa sensação de leveza o melhor de todo o filme, um conto de amizade e amor puros, conduzido pelas mãos mágicas de um mestre.

3 comentários:

Kamila disse...

Como fã das animações de Hayao Miyazaki, eu preciso assistir este filme, que passou até despercebido por aí...

Mateus Denardin disse...

O seu texto está fantástico, mas realmente não fui arrebatado por esse filme. No entanto, há, claro, algumas cenas fantásticas, das quais minha preferida é aquela que você citou, quando Ponyo corre sobre os "peixes-onda" tentando alcançar o carro em que está Sosuke, tudo ao som da linda trilha que, nesse momento específico, homenageia a "Cavalgada das Valquírias", de Wagner. 6/10
Minha colega de blog escreveu sobre o filme. Se quiser ler, aproveite e deixe um comentário: http://observatoriodocinema.blogspot.com/2010/10/cinema-ponyo-uma-amizade-que-veio-do.html

Rafael Carvalho disse...

Se é fã, não pode perder, Kamila. Pode ser um pouco mais infantil, mas é da mesma forma encantador que os outros filmes do cineasta.

Mateus, obrigado, mesmo que o filme não tenha lhe agradado tanto. Essa cena realmente é maravilhosa, e nem escrevi sobre essa homenagem à composição do Wagner, que é muito boa por sinal. E com certeza visitarei o espaço de vocês. Abraço!