quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Elegante assassinato

Quem Matou Leda? (À Double Tour, França, 1959)
Dir: Claude Chabrol



Se as atenções em torno do marco inicial da Nouvelle Vague reincidem bastante sobre Truffaut e Godard, há de se fazer jus a outros cineastas que deram impulso ao movimento, em especial se pensarmos no ano de 1959, considerado o ponto de partida da escola francesa. Chabrol seria uma dessas peças fundamentais, o primeiro dos novos cineastas a lançar um longa de ficção (Nas Garras do Vício, em 1958). Quem Matou Leda? foi feito em seguida e acompanha a nova safra de grandes filmes franceses que seriam realizados a partir de então.

O filme, pouco conhecido dentro da vasta obra do cineasta, é uma maravilha de mise-en-scène, numa composição interessantíssima de personagens que ultrapassa o próprio mistério do filme. Na verdade, o título original em português subtende um assassinato que só vai ocorrer depois da metade da narrativa e se soluciona pouco tempo após.

Antes disso, somos apresentados a uma família burguesa que logo transparece seus relacionamentos frágeis. O patriarca Henri mantém um caso extra-conjugal que é do conhecimento de todos na família. A esposa fica cada vez mais transtornada com isso, enquanto o casal de filhos parece indiferente com a situação. É o noivo tresloucado da filha que, quando chega, expõe claramente toda a hipocrisia velada que toma conta daquele ambiente.


E esse personagem vai se tornar ponto central da história. Interpretado por um Jean-Paul Belmondo inspiradíssimo, ícone da Nouvelle Vague (mais conhecido por ter protagonizado Acossado), surge como um oportunista, mal educado e bon vivant. É um corpo estranho dentro daquele ambiente burguês em que tudo precisa transparecer limpeza e sofisticação (o que aproxima muito o trabalho de Chabrol com o de Luís Buñuel). Mas é o mais coerente de todos, além de sua sinceridade torta e muitas vezes descabida.

O cineasta, fascinado pelo trabalho de Hitchcock, vai se utilizar largamente da atmosfera do mistério (espelhada em toda sua filmografia), mas ao mesmo tempo fazer jus a seu próprio estilo que começa a ser construído ali. O cinema do Chabrol se revela muito elegante na forma como conduz os planos, com movimentos de câmera e ângulos sempre bem trabalhados, mas que nunca se tornam exibidos; eles nunca querem roubar a atenção do filme.

Chabrol constrói, portanto, um percurso cujas peças vão se montando calmamente (com a ajuda de dois importantes flashbacks dentro do filme), sempre apegado em pequenos detalhes, enquanto os personagens vão demonstrando sua verdadeira importância dentro da narrativa. A maestria do cineasta está em revelar, aos poucos, as verdadeiras faces da personalidade humana, sempre da forma mais sofisticada possível.


PS: Agradeço o convite do Janela Indiscreta para comentar o filme na sessão dessa terça-feira. A discussão foi bem produtiva.

4 comentários:

Gustavo disse...

Não me sinto bem sabendo que o único Chabrol que vi até hoje foi... MADAME BOVARY. O melhor há de ser clássicos de mistério como esse.

Alexandre Carlomagno disse...

Realmente, a Nouvelle Vague geralmente é lembrada apenas por Truffaut e Godard - os dois mais fomos do movimento, é verdade. Porém, há muito mais pra ser explorado, e Chabrol está aí pra comprovar isso.

Ainda não tive a oportunidade de ver "QUem Matou Leda?", mas definitivamente o farei o quanto antes.

Um forte abraço.

Detalhes de mim... disse...

Fiquei com muita vontade de assistir esse filme de Chabrol porque gostei muito de Madame Bovary rs mas infelizmente não deu pra eu ir ao janela indiscreta ainda mas estou me organizando pra começar a frequantar no mês q vem.

Obrigada pela visita ao meu novo blog Rafa! Respodi lá o seu comentário, aceito sugestões sempre viu?! Quando eu crescer quero escrever como vc! rs
Bjo

Rafael Carvalho disse...

Gustavo, sabe que não vi ainda essa versão do Madame Bovary do Chabrol? Mas tenho boas espctativas para esse filme, principalmente porque conta com a presença marcante de Isabelle Hupert.

Alexandre, o filme me surpreendeu porque é tão bom, mas muito pouco conhecido e comentado. E obrigado pela vista ao blog. Volte aqui mais vezes.

Pois é, Patty, o filme é ótimo, mas muito pouco conhecido. Apareça mais ao Janela e ao Segundo o Cinema também. E que bom que tem gostado dos textos que eu posto aqui. Aparecerei em seu blog também.