quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Santo oco

A Festa da Menina Morta (Idem, Brasil, 2008)
Dir: Matheus Nachtergaele



A estreia na direção do ator Matheus Nachtergaele é um filme bastante pessoal, possui carga de autoralidade e sabe ser forte. No entanto, não me diz muita coisa. Quando o filme acaba, fica aquela sensação de que tinha muito mais para oferecer, mas se perde em exageros estéticos e no misticismo que envolve a história, na tentativa de vender algo exótico e não necessariamente uma obra como interesse por aquele ritual que está sendo preparado.

Pois no interior do Amazonas, numa comunidade ribeirinha de pescadores, Santinho (Daniel de Oliveira) possui status de líder religioso porque achou os trapos da roupa de uma menina que desapareceu no lugar e nunca mais foi encontrada. Agora, ele diz receber da menina presságios para o futuro das pessoas e bênçãos para o povo da região. E então, todos os anos as pessoas da região preparam uma espécie de procissão em louvor à menina morta.

Nachtergaele busca um cinema de contemplação, valorizando longos planos e tempos mortos, quase como se o filme pudesse ser visto como uma experiência sensorial. Reforça isso uma maravilhosa fotografia de Lula Carvalho destacando o claro-escuro e enchendo as cenas de contrastes e mistérios. Além do que a própria festa religiosa já possui aquela atmosfera de misticismo, tão própria do interior.

Mas o que o cineasta parece buscar é o desmascaro desse tipo de cegueira religiosa que afeta muita gente. No entanto, por muitas vezes, exagera no tom e parece mais plástico do que consistente nesse propósito. Os personagens são mal construídos e parecem servir como tipos dentro da narrativa, e nem mesmo a qualidade dos atores ajeita as coisas. Jackson Antunes e Cássia Kiss aparecem pouco, mas possuem grande presença (principalmente ela porque surge como a mãe desaparecida há algum tempo). Daniel de Oliveira, por sua vez, surge em overacting e é o que sofre mais pela irregularidade de seu personagem (justo o central).

O filme ainda possui aquela vontade latente de querer chocar o espectador, seja pela afetação histérica de Santinho ou pelo caso de incesto que ele mantém com o próprio pai (incluindo aí uma cena de sexo entre os dois). Nesse sentido, não deixa de ser curioso que o roteiro tenha sido escrito por Nachtergaele em parceria com Hilton Lacerda, o que aproxima o filme de certo cinema pernambucano de “choque” (Baixio das Bestas, Amarelo Manga, ambos do autoimportante Cláudio Assis).

Do exagero e exibicionismo em parecer descolado, o filme dialoga pouco com o espectador; saí do cinema com a sensação de falta, ausência, e menos de provocação e perturbação, como o filme prometia. Não sei, por exemplo, como tanta gente adora a cena em que um rapaz de descendência indígena começa uma dança esquisita e logo é seguido por outros. Parece o tipo de pretensão em soar cult através do esquisito, do insólito, exótico. A mim, tudo soa muito vago.

7 comentários:

Diego Rodrigues disse...

Não vi ainda. Mas ele tem uma cara de que quer se tornar cult a todo custo, algo do gênero. Não sei se isso é muito bom...

Gustavo H.R. disse...

Tinha lido coisas tão entusiásticas; infelizmente, quando se tenta fazer filme pretensioso, a coisa tende a degringolar...

Leandro Afonso Guimarães disse...

Olha, na verdade ainda não vi o filme, embora já tenha lido o suficiente pra me impor uma censura com relação ao que se escrevia sobre ele, para tentar assisti-lo com um pré-conceito nem tão gigantesco - apesar de agora já inevitável.
Agora o curioso é que descobri o blog em pesquisa referente à Mostra de Cinema de Conquista - pelo que vi, ainda sem confirmação de data para este ano.
Seja como for, bom saber que gente próxima daqui escreve com certa frequencia e, pelo pouco que li, com qualidade.
Abç

Kamila disse...

Gosto do Matheus, mas não sei por quê esperava justamente o que você retrata dessa estreia dele na direção de um longa!

Wallace Andrioli Guedes disse...

Acho esse filme uma grande decepção... só se salva mesmo o desempenho do Daniel de Oliveira, que não aparecia tão bem desde CAZUZA.

Wallace Andrioli Guedes disse...

Acho esse filme uma grande decepção... só se salva mesmo o desempenho do Daniel de Oliveira, que não aparecia tão bem desde CAZUZA.

Rafael Carvalho disse...

Diego, pois é essa a impressão que me ficou, não sei se era a intenção do diretor. Mas pelo menos é um começo e acredito que o Nachtergaele tem potencial para crescer e fazer ótimos filmes.

Pois é Gustavo, para mim degringolou mesmo, acho que faltou mais consistência e menos vontade de parecer cult. Mas vamos esperar por uma melhora dessa visão no Nachtergaele.

Pois é Leandro, tu não devia ter lido nada antes de ver o filme, embora às vezes seja inevitável. Mas quando você o assitir, talvez veja de forma diferente, quem sabe? E bem, a Mostra Cinema Conquista já tem data fechada sim, embora não tenha sido divulgada ainda. Vai ser de 6 a 11 de outubro. E que bom que gostou do blog, volte mais vezes.

Pensando bem Kamila, o filme parece bem a cara dele mesmo, mas bem que podia ser mais consistente.

Wallace, senti no fim da projeção uma sensação de vazio, de que a história podia ter ido muito mais longe. E a atuação do Daniel de Oliveira, para mim, é super exagerada, sem falar que o personagem dele é de uma complexidade que o roteiro não consegue dar conta. A melhor coisa do filme mesmo é a fotografia, talvez uma das melhores do ano.