sábado, 24 de janeiro de 2009

O fim e o princípio

O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, EUA, 2008)
Dir: David Fincher



A nova produção de David Fincher é um filme correto e apesar das quase três horas de duração, transcorre muito bem, devido a um roteiro ágil e fácil, e também hábil em esconder alguns furos e imperfeições da narrativa. Mesmo assim, o filme dá a impressão de história bem contada, e apesar da originalidade do argumento, é na verdade um belo conto de amor. Caiu nas graças da Academia de Hollywood e é o líder de indicações ao Oscar 2009.

Acompanhamos toda a vida de Benjamin Button (Brad Pitt) desde o seu nascimento, com o único diferencial de que ele veio ao mundo com a aparência de um velho de 80 anos de idade, e com o passar do tempo vai rejuvenescendo. Ao nascer, é rejeitado pelo pai e acaba sendo criado pela negra Queenie (Taraji P. Henson) num asilo. Lá ele conhecerá, ainda em menina, a bela Daisy (Cate Blanchet), o amor de sua vida. O roteiro, com tom fantástico, é baseado no conto homônimo de F. Scott Fitzgerald.

O filme todo é narrado em flashback a partir do diário de Benjamin, lido pela filha de Daisy, que se encontra no leito de morte num quarto de hospital. A trajetória peculiar desse homem encontra problemas na sua inadequação diante do amor por uma pessoa que envelhece enquanto ele faz o percurso contrário. Há também por todo o filme reflexões sobre o morrer e é interessante notar que mesmo Benjamin estando rejuvenescendo, ele está também morrendo, como qualquer um.

No entanto, o roteiro talvez escorregue por buscar sempre emocionar o espectador, embora isso nunca soe forçado, mas insistente. Daí surge a relação de afetividade entre Benjamin e Queenie, a amizade com os velhinhos do asilo (que o aproxima ainda mais da persistência da morte), os encontros e desencontros com Daisy, o reaparecimento do pai, a questão da paternidade, etc. Mas convenhamos que na parte final o filme dê uma forçada no que diz respeito à partida de Benjamin (e seu descabido retorno) e na muito previsível descoberta feita pela filha de Daisy. E me pareceu muito desnecessário atualizar o texto ao incluir momentos prévios ao desastre do furacão Katrina sobre Nova Orleans.

O já conhecido virtuosismo técnico de David Fincher se minimiza aqui em prol de uma narrativa mais fluida (algo realizado soberbamente em Zodíaco), mas mesmo assim muitos quesitos merecem destaque, a começar por um trabalho de maquiagem perfeito: desde a incrível criação de um bebê com aparência de um idoso, às transformações constantes do corpo de Brad Pitt e o envelhecimento de uma quase irreconhecível Cate Blanchett. O trabalho de fotografia cria momentos de pura beleza (sua principal função aqui), enquanto a passagem dos anos ganha bastante eficiência por uma direção de arte caprichada e figurinos estilizados, mas nada exagerados.

Numa cena magnífica, o filme revela como uma pequena mudança nas atitudes interligadas de diversas pessoas pode provocar conseqüências desastrosas (nesse caso, um atropelamento), ao sabor do puro acaso. Nesse sentido, o filme aponta para a responsabilidade de nossos atos, o destino de nossas vidas que também interfere em outros destinos, e mesmo que você viva sua vida de trás para frente, não deve fugir desse encargo.

11 comentários:

Anônimo disse...

É um belo filme, né? (que comentário profundo...)

Wallace Andrioli Guedes disse...

Rafael, acho que seu texto define bem o filme, e o que quase todo mundo vem achando dele, inclusive eu: é um belo filme, mas que, vindo de Fincher, deveria ser melhor.
Acho que, se o diretor tivesse se focado mais na sua trama, e se preocupado menos em criar um filme grandioso, Benjamin Button poderia ser uma obra-prima. Acho, por exemplo, as cenas no presente completamente dispensáveis ...

Unknown disse...

Belo texto, Rafael! Ainda não vi o filme, não está nas minhas prioridades, mas o argumento é sem dúvida sensacional. Justamente por inverter a a lei natural do envelhecimento e tocar fundo na questão da passagem implacável do tempo - tema também abordado em "O mal-estar na civilização", de Freud.

Abs!

Diego Rodrigues disse...

E aí, tudo bem?
Acabei de te indicar em meu blogue para um selo :D

Até mais e parabéns pelo teu blogue!

Diego Rodrigues disse...

Mas eu achei muito bom o filme, só que sei se revê-lo talvez eu pense melhor. Ou talvez não.

Rafael Carvalho disse...

Cara da Locadora, se o filme permite uma análise assim, cabe à gente chegar a essas conclusões. As minhas foram bem modestas, na realidade.

Pois é Wallace, e isso não é nenhum demérito para o Fincher. Depois de excelentes obras, ele só não pode fazer um filme medíocre, mas não precisa ser nenhuma obra-prima. Muita coisa em Benjamin é descartável mesmo, como as cenas do presente que você citou, sei que o conto do Fitzgerald foi bem aumentado.

Dudu, o argumento do filme foi o que logo me chamou a atenção, e mesmo não sendo um filmaço, vale a pena sim ir ver no cinema. E essa coisa de abordar a implacável passagem do tempo é mais mérito do Fitzgerald.

Diego, brigadão pelo selo. Vou postar hoje meus "indicados". E vi lá no seu espaço que tu gostou muitíssimo de Benjamin Button. É um filme bastante correto, como eu disse, mas tá longe dos melhores filmes do Fincher.

Anônimo disse...

Ei Rafa!!! prazer imenso ter visto esse filme contigo, caríssimo! heh
bom, só vou oficializar o comentário que fiz pessoalmente.. hehe

achei o filme de uma beleza sem igual... a serenidade, a simplicidade e a generosidade que Pitt deu ao personagem criou em nós um carinho todo expontâneo pelo "pequeno-vovô"..
a questão da morte tbm é tratada com muita naturalidade, se pensarmos que benjamin "cresceu" rodeado pela "morte" e se acostumou a perder coisas e pessoas ao longo de sua vida...
o jeito q ele morre tbm é muito legal!

aqui, rafa.. li no A Tarde um texto q dizia q o diretor tirou o foco de humor do livro e q isso trouxe prejuízo à trama... depois te passo esse texto..
bjus!

posta logo 7 vidas p eu comentar!!! hehehehe

Anônimo disse...

abafa.. vc já postou 7 vidas...
hehehehe
vou lá comentar agora!

Rafael Carvalho disse...

O prazer foi meu, Flavinha, em revê-lo ao seu lado (só não gostei daquele comentário seu na metade do filme). Então, vendo pela segunda vez deu pra confirmar como o filme transcorre serenamente o tempo todo, e por mais que já tinha visto, já sabia a história, não o senti cansativo. Isso prova o quanto o filme é bom.

Como eu não li o conto do Fitzgerald, não sei dizer como isso prejudicou a obra. Na verdade, não prejudicou nada porque me parece uma escolha prezar mais para o drama; é uma escolha da adaptação. Não senti falta. Quero ver esses Cadernos 2 que você tem aí, viu! Bjs!!!

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Li o conto do Fitzgerald: o filme não tem nada a ver, a não ser pela premissa do personagem que nasce velho e vai rejuvenescendo. Aliás, acho que a mudança é tanta que o roteiro deveria ser catalogado como original. Há um livro de um escritor americano (As confissões de Max Tivoli) que guarda mais semelhanças com o filme de Fincher do que o conto de Fitzgerald.

Abração

Rafael Carvalho disse...

Acho que o roteiro do filme não pode ser catalogado como original pois se apropria dos mesmos personagens e o argumento é o mesmo. Gostaria muito de achar esse conto, Demas.